Acórdão Nº 0301104-19.2017.8.24.0032 do Quarta Câmara de Direito Civil, 18-11-2021

Número do processo0301104-19.2017.8.24.0032
Data18 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0301104-19.2017.8.24.0032/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: MARLI TERESINHA RADZINSKI APELADO: SCHUMANN MOVEIS E ELETRODOMESTICOS LTDA

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 57 dos autos de primeiro grau), de lavra do Juiz de Direito Gilmar Nicolau Lang, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Marli Terezinha Radzinski, nos autos qualificada, aforou Ação Anulatória c/c Repetição de Indébito e Danos Morais em face de Schumann Móveis e Eletrodomésticos Ltda, igualmente qualificada. Alega, em síntese, que: a) tem capacidade mental incompleta (frequente a Escola APAE); b) em 28 de agosto de 2017 adentrou ao estabelecimento da requerida para visualizar uma geladeira, sendo abordada por um dos vendedores que a teria coagido a comprar um refrigerador da marca CONSUL, pelo valor de R$ 1.714,02 (um mil setecentos e catorze reais e dois centavos); c) informou aos vendedores que possuía condições de pagar o produto à vista, porém, estes teriam informado que poderia pagar depois, mediante uma entrada de R$ 169,90 (cento e sessenta e nove reais e noventa centavos); d) após retornar ao estabelecimento para pagar débito, descobriu que a compra se deu de forma diversa, em 24 parcelas de R$ 169,90, no valor total de R$ 3.475,58, além de constar na nota fiscal o valor de R$ 214,03 referente a uma Garantia Estendida e R$ 84,90 de Seguro Prestamista; e) seus irmãos teriam ido até a sede da requerida e adimplido o valor do parcelamento, de uma só vez, para que não viesse a sofresse os percalços da inadimplência. Ao final, pleiteou: (a) a anulação do contrato de compra e venda; (b) a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 reais e restituição, na forma do art. 42 do CDC, do valor pago no produto e (e) a concessão dos benefícios da justiça gratuita. A gratuidade foi deferida à fl. 28. Na audiência conciliatória de fl. 41, não tendo a parte autora comparecido, foi aberto o prazo para que a requerida apresentasse contestação. O fez às fls. 42-54. Preliminarmente, arguiu a litigância de má-fé na alegação de capacidade mental incompleta e a falta de interesse de agir da litigante. No mérito, relata que a requerente é cliente da loja há tempos e que há 05 (cinco) anos efetua compras no estabelecimento. Em que pese a relação de consumo, no caso dos autos, há a impossibilidade de inversão do ônus da prova por não estarem preenchidos os requisitos. A compra foi legalmente efetuada, com o consentimento da parte autora, que inclusive assinou o contrato. Por fim, diz que não há comprovação do dano moral sofrido, pleiteando pela improcedência da ação. A parte autora replicou refutando a tese defensiva e repisando os termos e fundamentos da inicial. Decisão de saneamento (fl.78) deferiu a produção de provas, designando audiência de instrução. No ato, foram colhidos o depoimento da autora e de 03 (três) testemunhas. Ainda, foi determinada a expedição de ofício à APAE, tendo sido encartada resposta às fls. 89/90. Alegações finais, pelas partes, por memoriais.

O Magistrado julgou improcedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação, o que faço com fulcro no art. 487, I do CPC. Destarte, condeno, a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (hum mil reais), forte no §2º do artigo 85 do CPC/2015. O valor se me afigura adequado considerando que o advogado houve-se com adequado zelo profissional que prestou os serviços em comarca diversa de onde mantém escritório, não necessitou de muito tempo de serviço, tendo apresentado contestação e alegações finais por memoriais. Registro que referidos valores serão cobrados apenas se, em 05 (cinco) anos, restar demonstrado a possibilidade da autora em quitá-los. (Os beneficiários da Justiça gratuita devem ser condenados aos ônus de sucumbência, com a ressalva de que essa condenação se faz nos termos do artigo 12 da Lei 1.060/50 que, como decidido por esta Corte no RE 184.841, foi recebido pela atual Constituição por não ser incompatível com o artigo 5º, LXXIV, da Constituição. [RE 514.451 AgR, rel. min. Eros Grau, 2ª T, j. 11-12-2007, DJE 31 de 22-2-2008.)

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs apelação, na qual alega ser incapaz diante de sua deficiência cognitiva e baixa escolaridade, tendo em 2017 adquirido uma refrigerador perante a apelada na quantia de 1.554,21 (mil quinhentos e cinquenta e quatro reais e vinte e um centavos) e por ocasião do adimplemento tomou conhecimento que o custo foi de R$ 3.475,58 (três mil, quatrocentos e setenta e cinco reais e cinquenta e oito centavos), com a quantia cobrada colocando sua subsistência em risco.

Sustenta que as provas acostadas aos autos apontam para sua manifesta incapacidade para a celebração do negócio jurídico, especialmente o seu depoimento pessoal, o laudo médico e as testemunhas ouvidas que indicam não conseguir praticar os atos simples da vida, haja vista os medicamentos que toma e a necessidade de uma educação especial.

Argumenta estar demonstrada a sua vulnerabilidade social e intelectual, sendo nulo de pleno direito o negócio estabelecido entre as partes em observância ao art. 39, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, além de comprovação da sua onerosidade excessiva.

Requer o provimento do recurso com a reforma da sentença, a fim de se reconhecer a procedência dos pedidos exordiais, declarando-se a nulidade do negócio jurídico, a condenação da ré na repetição do indébito e na indenização por danos morais (evento 62).

Contrarrazões no evento 68, nas quais a apelada assevera a ausência de impugnação específica aos fundamentos da sentença e, no mérito, pugna pelo desprovimento do recurso.

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Observe-se que essa salutar alteração legislativa significou uma importante medida destinada à melhor gestão dos processos aptos a julgamento, pois permitiu a análise de matérias reiteradas e a apreciação em bloco de demandas ou recursos que versem sobre litígios similares sem que haja a necessidade de espera na "fila" dos feitos que aguardam decisão final, o que contribui sobremaneira na tentativa de descompressão da precária realidade que assola o Poder Judiciário em decorrência do assombroso número de lides jurisdicionalizadas.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido, conforme se observará a seguir.

1 PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE

De início, deve ser afastada a preliminar suscitada pela ré em suas contrarrazões, por intermédio da qual busca o não conhecimento do apelo por ausência de impugnação específica aos fundamentos da sentença.

Isso porque não obstante repise certos apontamentos contidos na peça inaugural, a demandante combateu objetivamente a sentença de primeiro grau, esgrimando fatos e argumentos jurídicos pertinentes para os pleitos exordiais. Assim, cumpriu rigorosamente com o contido nos incisos II e III do art. 1.010 do Código de Processo Civil.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já assentou:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROMOÇÃO. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. ART. 514, II DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO DISPOSITIVO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. Esta Corte possui entendimento assente de que, não obstante a legislação processual exija que a apelação contenha os fundamentos de fato e de direito, a parte não fica impedida de reiterar os fundamentos expendidos na inicial ou em outras peças processuais se estas forem suficientes para demonstrar os motivos da irresignação do insurgente, bem como do possível desacerto da decisão que se pretende desconstituir/modificar (AgRg no AgRg no REsp. 1.309.851/PR, Rel. Min. MARCO BUZZI, DJe 19.9.2013). (AgRg no AREsp 272809/SP, Rel.Min.: Napoleão Nunes Maia Filho, j. 22-9-2016, sem grifo no original).

Assim, o recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

2 MÉRITO

Objetiva a apelante a reforma da sentença que julgou improcedentes os pleitos deduzidos na peça exordial, referente a aquisição de uma geladeira na loja da ré.

A fim de contextualizar a situação fátiva envolvida, colhe-se da peça exordial que a autora/apelante apontou ser pessoa com deficiência cognitiva e que frequenta a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), além de possuir sério problema físico para sua locomocão decorrente de patologia na coluna cervical, tendo como renda benefício assistencial (LOAS) concedido às pessoas com deficiência e em estado de miserabilidade.

Alegou que, em 28-8-2017, compareceu ao estabelecimento da ré para olhar uma geladeira, sendo abordada por vendedores que tentaram obrigá-la a adquirir um refrigerador Cônsul, modelo CRD37, de 334 litros de capacidade de armazenamento, pelo valor de R$ 1.714,02 (mil setecentos e quatorze reais e dois centavos).

Destacou que, mesmo diante da sua limitada capacidade cognitiva, informou aos vendedores que poderia adimplir à vista a citada quantia e não pretendia parcelar a compra, mas eles, em ato eivado de má-fé, indicaram que o valor à vista poderia ser pago posteriormente e apresentaram a proposta de um pagamento de entrada de R$ 169,90 (cento e sessenta e nove reais e noventa centavos).

Asseverou que mesmo tendo...

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