Acórdão Nº 0301116-44.2019.8.24.0135 do Quinta Câmara de Direito Público, 26-04-2022

Número do processo0301116-44.2019.8.24.0135
Data26 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0301116-44.2019.8.24.0135/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: LETICIA CASSIMIRO DA SILVA CARDOSO (AUTOR) APELADO: MUNICÍPIO DE NAVEGANTES/SC (RÉU)

RELATÓRIO

Letícia Cassimiro da Silva Cardoso foi nomeada para o magistério do Município de Navegantes. Tomou posse e entrou no exercício do cargo. Em seguida, sob alegação de que o correspondente concurso fora indevidamente prorrogado, a municipalidade desconstituiu o decreto que assim permitira e a exonerou.

Pediu a declaração de nulidade do ato administrativo, o reconhecimento do direito direito à nomeação e o pagamento de indenização por danos materiais e morais.

A sentença deu pela improcedência do pedido.

A acionante apela.

Aponta que em casos envolvendo a exoneração de outros servidores em razão do mesmo certame, este Tribunal tem reconhecido o direito líquido e certo à reintegração, de sorte que por segurança jurídica lhe deve ser aplicada a mesma compreensão.

Defende que, antes de ser exonerada, deveria ter sido respeitado o direito de defesa, pois a revogação de atos ilegais dos quais decorreram efeitos concretos deve ser precedida de regular procedimento administrativo (súmulas 346 e 437 do STF). Sustenta que, apesar de ter sido aprovada fora do número de vagas (cadastro de reserva), tem direito subjetivo à nomeação porque a prorrogação dos efeitos do edital 1/2014, por meio do Decreto 257/2018, demonstra a necessidade de excepcional interesse público no preenchimento das vagas abertas após a realização do certame.

O Município diz que não há necessidade de processo administrativo para anulação com o fim de restabelecer a legalidade (art. 37, caput, CF). Havia mera expectativa de direito à nomeação, tendo em vista que a autora se candidatou a do cadastro de reserva.

Diz, ainda, que oportunizou o retorno da autora à posição anterior, o que foi recusado, de modo que não há interesse processual em prosseguir com a ação, principalmente quanto ao pleito de indenização. Esse cenário, além do mais, exige o reconhecimento da litigância de má-fé, nos termos do art. 80, II e VI do CPC.

Turma Recursal declinou a competência a este Tribunal. Vindo os autos, foi determinada a redistribuição da Câmara de Direito Civil para uma das Câmaras de Direito Público.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento parcial do recurso.

VOTO

1. Observo que, apesar de o magistrado ter sido instado a se manifestar sobre o pedido de gratuidade desde a inicial (evento 1, INIC1), não houve análise do pleito, mas nesses casos tenho que isso vale por um tácito deferimento.

De todo modo, ratifico o benefício.

2. A autora foi aprovada em concurso público para o cargo efetivo de professor dos anos iniciais 20h, deflagrado por meio do Edital 1/2014, que previa apenas cadastro de reserva. O resultado do certame foi homologado em 12-12-2014, tendo validade pelo prazo de dois anos (item 1.8 do edital). Em 8-12-2016, porém, houve prorrogação por igual período, de sorte que o término de sua vigência se deu em 8-12-2018. A Administração Municipal, no entanto, prorrogou novamente a sua vigência por mais 4 meses (Decreto 257/2018), o que propiciou a nomeação da autora em 11-2-2019, levada a termo pela Portaria 451/2019.

Só que o Ministério Público, detectando ilegalidade, recomendou a exoneração dos candidatos que, a exemplo da acionante, foram convocados após 8 de dezembro de 2018. A partir daí, veio o Decreto 41/2019, que anulou o Decreto 257/2018 e gerou a exoneração da autora em 28-2-2019 (Portaria 569/2019).

3. A Administração goza da prerrogativa de anular seus próprios atos quando ilegais - é a compreensão que vem das Súmulas 346 e 473 do STF -, mas isso não dispensa a instauração de procedimento administrativo que respeite a ampla de defesa art. 5°, inc. LV, da CF) quando tal ato gerou efeitos concretos ao particular.

O Município se apega à invalidade da nomeação após o término de validade do certame, o que justificaria a anulação por questões de legalidade (art. 37, caput, CF). Só que o STF já ressalvou a necessidade de observância ao devido processo legal nos casos de anulação que repercutam sobre a esfera de direitos do particular, como dito há pouco.

É a tese que foi reiterada pelo Tema 138 do STF, repetindo-se a jurisprudência sumulada:

EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO DO PODER DE AUTOTUTELA ESTATAL. REVISÃO DE CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO E DE QUINQUÊNIOS DE SERVIDORA PÚBLICA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.1. Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já decorreram efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo.2. Ordem de revisão de contagem de tempo de serviço, de cancelamento de quinquênios e de devolução de valores tidos por indevidamente recebidos apenas pode ser imposta ao servidor depois de submetida a questão ao devido processo administrativo, em que se mostra de obrigatória observância o respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa.3. Recurso extraordinário a que se nega provimento.(RE 594296, rel. Min. Dias Toffoli, j. em 21/09/2011)

A compreensão do Superior Tribunal de Justiça tem sido no mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. EXONERAÇÃO. AUSÊNCIA DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INOBSERVÂNCIA DAS GARANTIAS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. AGRAVO INTERNO DO MUNICÍPIO DE IPU/CE A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. Cinge-se a controvérsia em analisar a legalidade do ato de exoneração do ora recorrido, levado a efeito por ato do gestor municipal, ao argumento de que a nomeação teria ocorrido durante o período eleitoral.2. O entendimento adotado no acórdão recorrido não destoa da jurisprudência desta Corte Superior de que a Administração, à luz do princípio da autotutela, tem o poder de rever e anular seus próprios atos, quando detectada a sua ilegalidade, consoante reza a Súmula 473/STF. Todavia, quando os referidos atos implicam invasão da esfera jurídica dos interesses individuais de seus administrados, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual seja observado o devido processo legal e os corolários da ampla defesa e do contraditório (AgRg no Resp. 1.432.069/SE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 2.4.2014). Precedentes: AgInt no RMS 48.822/SE, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 17.8.2017; RMS 58.008/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.11.2018; AgRg no RMS 33.362/MS, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 12.5.2016.3. Com efeito, tratando-se de ato invasivo da esfera jurídica dos interesses individuais do Servidor, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual seja observado o devido processo legal, com atenção aos princípios da ampla defesa e do contraditório.4. Agravo Interno do MUNICÍPIO DE IPU/CE a que se nega provimento.(AgInt no AREsp 1282067/CE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho)

Aliás, não fosse assim (bastasse que fosse apregoada a necessidade de restaurar a legalidade), nunca se precisaria respeitar o contraditório.

Este Tribunal, além do mais, já analisou outros casos envolvendo o mesmo concurso, tendo ratificado a ilegalidade da exoneração sem a prévia instauração de procedimento administrativo, permitindo, dessa forma, a reintegração ao cargo:

REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. CARGO DE PROFESSOR. EXONERAÇÃO. AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM MANTIDA. REMESSA IMPROVIDA. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 594296/MG, sob a sistemática da repercussão geral, já assentou que: "Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já decorreram efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo" (...) (Relator: Min. DIAS TOFFOLI, j. 21/09/2011). Hipótese em que a exoneração da servidora do cargo de provimento efetivo de Professor somente poderia ser realizada, após a instauração do devido processo administrativos, com observância do contraditório e da ampla defesa. (RN 0300975-25.2019.8.24.0135, de Navegantes, rel. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 02-06-2020).

4. Destaco, ainda, para firmar a coerência, que o precedente de minha relatoria mencionado na sentença (AC 0300247-21.2017.8.24.0016), não converge com o caso concreto. Lá se tratava de um ato de rotina administrativa, (desligamento do servidor aposentado pelo regime geral), que tocava à Administração deliberar imediata e internamente. Aqui, distintamente, se está diante da anulação de um ato já integrado ao patrimônio jurídico da parte, exigindo, portanto, a instauração de prévio procedimento administrativo.

5. Quanto à alegação do réu (a autora não quis retornar à posição anterior), o que foi oportunizado pelo art. 4º, do Decreto 41/2019, não vejo como possa afastar seu interesse de agir ou mesmo configurar litigância de má-fé.

Sua condição antes da exoneração era de ocupante de cargo de provimento efetivo, ao passo que o expediente da Administração indica que lhe seria assegurada tão somente "vaga por ter sido aprovada através do processo seletivo vigente" (evento 9, DOC16, fl. 2), o que se refere a cargo temporário. Era mesmo de se esperar que não se optasse por este vínculo precário, uma vez que já havia sido alcançado outro mais benéfico. Quer dizer, essa alternativa supostamente ofertada pela municipalidade não supera o seu direito de discutir a legalidade da exoneração.

6. A sentença merece reforma, para se reconhecer a nulidade do ato de exoneração da autora por ausência do devido processo legal, cuja consequência natural é realmente a reintegração ao cargo. Nada impede, porém, em tese, que se promova a exoneração mediante a instauração de procedimento administrativo com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT