Acórdão Nº 0301131-18.2016.8.24.0135 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 24-06-2021

Número do processo0301131-18.2016.8.24.0135
Data24 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0301131-18.2016.8.24.0135/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: KEY COMERCIAL IMPORTADORA DE UTILIDADES DOMESTICAS LTDA ADVOGADO: JOSE MESSIAS SIQUEIRA (OAB SC011508) APELADO: PORTONAVE S/A - TERMINAIS PORTUARIOS DE NAVEGANTES ADVOGADO: LORENA CRISTINA AUCHEWSKI XISTO (OAB PR059522) ADVOGADO: JOSÉ AUGUSTO LARA DOS SANTOS (OAB PR031460)


RELATÓRIO


Key Comercial Importadora de Utilidades Domésticas Ltda interpôs recurso de apelação da sentença que, proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Navegantes, nos autos da ação declaratória de inexistência de débito, julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, bem como procedentes os pedidos da reconvenção.
Na origem, trata-se de ação declaratória de inexistência de débito proposta por Key Comercial Importadora de Utilidades Domésticas Ltda em face de PORTONAVE S/A - Terminais Portuários de Navegantes, na qual requer a declaração de inexistência de débito referente às despesas de armazenagem de carga abandonada, no valor de R$ 142.000,00 (cento e quarenta e dois mil reais) (evento 1/1).
Em juízo de admissibilidade da demanda, o magistrado de origem recebeu a petição inicial e determinou a citação da parte ré (evento 5/1G).
Citada, a ré compareceu aos autos e juntou documentos (evento 6/1G) e, no evento 13/1G - petição 28, apresentou contestação e reconvenção, argumentando, em resumo, que: (a) é do consignatário a responsabilidade pelas despesas de armazenagem da carga; (b) o abandono da carga é uma infração e, por isso, sujeito à sanção de perdimento; (c) desde a descarga das unidades no terminal até a aplicação da pena de perdimento se passaram mais de quatro meses, período que a carga ficou armazenada, razão pela qual foi expedida a notificação extrajudicial para pagamento dos valores em aberto; (d) a responsabilidade da receita federal somente tem início após a declaração do perdimento da carga, pois, antes disso, é o importador que é o proprietário das mercadorias; (e) o importador é responsável pela operação que realiza, devendo suportar o ônus da operação mal sucedida; (f) os preços são livremente estipulados pela ré, que explora a instalação portuária, não havendo que se falar em preço público; (g) a autora-reconvinda é devedora de R$ 116.685,99 (cento e dezesseis mil seiscentos e oitenta e cinco reais e noventa e nove centavos) referente à armazenagem e aos serviços portuários. Ao final, pugnou pela improcedência da ação proposta pela autora e pela procedência da reconvenção para condenar a reconvinda a lhe pagar o valor devido pela armazenagem.
Réplica e contestação à reconvenção (evento 17/1G), alegando autora, em síntese, que: (a) o art. 31, § 1º, do Decreto Lei n. 1.455/76 determina que incumbe ao recinto alfandegado comunicar à autoridade aduaneira quando ocorrer o decurso do prazo de permanência das mercadorias importadas naquele local, a fim de que possa exigir o valor da armazenagem, a ser pago pela FUNDAF; (b) basta que ocorra o abandono para que nasça o direito de a Receita Federal apreender a carga e, por consequência, pagar pela armazenagem; (c) o preço público cobrado pela armazenagem necessita ser homologado pela ANTAQ, o que não foi comprovado pelo réu. Requereu, por fim, pela improcedência da reconvenção
Na data de 13-2-2019, o juiz da causa, Dr. Daniel Lazzarin Coutinho, prolatou sentença, com dispositivo nos seguintes termos (evento 21/1G):
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil:a) Julgo improcedentes os pedidos formulados na ação principal proposta por Key Comercial Importadora de Utilidades Domésticas Ltda. em face de Portonave S/A - Terminais de Portuários de Navegantes.Na ação principal, condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. (b) Julgo procedente o pedido formulado na reconvenção para condenar a parte reconvinda ao pagamento de R$ 116.685,99, corrigidos pelo INPC desde o vencimento e acrescidos de juros simples de 1% ao mês, a contar da data da notificação extrajudicial.Na reconvenção, condeno a parte reconvinda ao pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em 10% do valor da condenação. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Irresignada, a autora/reconvinda interpôs recurso de apelação (evento 26/1G, apelação 39), sob os fundamentos de que: (a) a interpretação empregada pela sentença não encontra amparo no dispositivo legal apontado (art. 31 do Decreto Lei n. 1.455/76); (b) o ônus de pagar a despesa de armazenagem compete ao FUNDAF; (c) a carga é considerada abandonada após 90 dias de sua descarga, conforme Decreto n. 6.759/2009; (d) "a leitura imperativa que se faz do § 2º., do art. 31, do Decreto-Lei nº. 1.455/76, permite concluir sem sombra de dúvida que é de exclusiva responsabilidade da Receita Federal do Brasil, o pagamento de todo período da armazenagem quando comunicada pelo Recinto Alfandegado em até 05 (cinco) dias após o TÉRMINO DO REFERIDO PRAZO, que é de 90 (noventa) dias, fixado pela letra "a" do inciso II do artigo 23, caput do ar. 31 do Decreto-Lei nº. 1.455/76"; (e) a norma legal não excluiu a obrigação da União de pagar pelo período da armazenagem; (f) o legislador não criou nenhuma ressalva ou possibilidade de interpretação quanto à cobrança de armazenagem entre o período de descarga da mercadoria e sua remoção; (g) o serviço portuário de armazenagem de carga tem natureza pública, sendo seus preços igualmente públicos; (h) a lei n. 12.815/2013 busca vedar ou proibir o abuso na fixação dos preços correspondentes à armazenagem de mercadorias; (h) o valor da armazenagem deve respeitar a modicidade da cobrança. Ao final, pugnou pela reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos iniciais e, por consequência, julgar improcedente a reconvenção.
Intimada, a parte apelada ofereceu contrarrazões (evento 30/1G), requerendo a manutenção da sentença e o desprovimento da apelação.
O recurso ascendeu ao Tribunal de Justiça e foi distribuído por sorteio a esta relatoria.
Este é o relatório

VOTO


1. Exame de admissibilidade
Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, em atenção ao princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Posto isto, conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
2. Fundamentação
Cuida-se de apelação cível interposta contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação declaratória de inexistência de débito proposta pela autora e, por consequência, julgou procedentes os pedidos da reconvenção para condenar a autora-reconvinda ao pagamento das despesas de armazenagem portuária, no valor de R$ 116.685,99 (cento e dezesseis mil seiscentos e oitenta e cinco reais e noventa e nove centavos)
Sustenta a autora/apelante que abandonou a carga importada, resultando no perdimento da mercadoria e, por tal condição, o valor da armazenagem deve ser arcado pela Receita Federal do Brasil, conforme prevê o art. 31 do Decreto Lei n. 1.455/76.
Válido registrar, de antemão, que o Decreto Lei n. 1.455/76, ainda vigente, "dispõe sobre bagagem de passageiro procedente do exterior, disciplina o regime de entreposto aduaneiro, estabelece normas sobre mercadorias estrangeiras apreendidas e dá outras providências".
Em 5-2-2009, foi editado o Decreto n. 6.759/2009, que "regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior", em cujo art. 642, dispõe:
Art. 642. Considera-se abandonada a mercadoria que permanecer em recinto alfandegado sem que o seu despacho de importação seja iniciado no decurso dos seguintes prazos (Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, incisos II e III):
I - noventa dias:
a) da sua descarga; e
b) do recebimento do aviso de chegada da remessa postal internacional sujeita ao regime de importação comum;
II - quarenta e cinco dias:
a) após esgotar-se o prazo de sua permanência em regime de entreposto aduaneiro;
b) após esgotar-se o prazo de sua permanência em recinto alfandegado de zona secundária; e
c) da sua chegada ao País, trazida do exterior como bagagem, acompanhada ou desacompanhada; e
III - sessenta dias da notificação a que se refere o art. 640.
§ 1o Considera-se também abandonada a mercadoria que permaneça em recinto alfandegado, e cujo despacho de importação:
I - não seja iniciado ou retomado no prazo de trinta dias da ciência (Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, inciso II; e Lei nº 9.779, de 1999, art. 18, caput):
a) da relevação da pena de perdimento aplicada; ou
b) do reconhecimento do direito de iniciar ou de retomar o despacho; ou
II - tenha seu curso interrompido durante sessenta dias, por ação ou por omissão do importador (Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, inciso II, alínea "b").
§ 2o O...

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