Acórdão Nº 0301134-87.2015.8.24.0076 do Primeira Câmara de Direito Civil, 25-11-2021

Número do processo0301134-87.2015.8.24.0076
Data25 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0301134-87.2015.8.24.0076/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: LUCIANO CANDEO ADVOGADO: ANTONIO NATALIO DO CANTO VIGNALI (OAB SC036999) ADVOGADO: EDSON PAROL DA SILVA (OAB SC032398) APELANTE: BANCO DO BRASIL S.A. APELADO: INTAB - INDUSTRIA DE TABACOS E AGROPECUARIA LTDA ADVOGADO: GABRIELA DE MONTE BACCAR PILZ (OAB RS079257) ADVOGADO: ANDRÉ EMÍLIO PEREIRA LINCK (OAB RS073503) RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

A presente demanda mais se amolda aos processos regidos pela Lei 9.099/1995, razão pela qual segue relatório resumido.

Na origem, restou julgada por sentença (i) procedente, em face do Banco do Brasil S.A. e (ii) de extinção sem resolução de mérito, no tocante a ré Intab -- porquanto reconhecida sua ilegitimidade passiva -- a ação declaratória de inexistência de débito com pedido de danos morais, contra o que se insurgem a parte autora e a instituição bancária por meio das presentes apelações, sustentando as teses a seguir expostas na fundamentação do voto.

VOTO

Cumpre enfatizar que os dois recursos são tempestivos.

Enquanto a apelação do banco réu está munida de preparo (EVENTO 44), o recurso do demandante é dispensado do recolhimento, porquanto litiga sob o pálio da gratuidade judiciária (EVENTO 9).

Satisfeitos, portanto, os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

1. Do apelo do autor

Da ilegitimidade passiva da ré INTAB - Indústria de Tabacos e Agropecuária Ltda.

Insurge-se o demandante em face do ponto da sentença na qual restou reconhecida a ilegitimidade passiva da ré INTAB - Indústria de Tabacos e Agropecuária Ltda.

Defende, para tanto, que a fumageira recebera da instituição financeira os valores relativos ao empréstimo (crédito rural) que ela realizou em nome do fumilcultor e, numa grave falha na prestação de seus serviços, acabou por não pagar o banco, gerando a inscrição do seu nome nos cadastros de inadimplentes.

Assim, no seu entender, a requerida deve ser considerada responsável solidária na condenação pelos danos morais sofridos.

Em que pese a inscrição no cadastro de maus pagadores ter sido realizada pela instituição financeira ré, e não pela fumageira, infere-se que a controvérsia em voga envolve diretamente o não pagamento do empréstimo rural realizado junto ao Banco do Brasil, que foi firmado pela INTAB em nome do agricultor, e ensejou a mencionada negativação.

Observa-se, portanto, que a insurgência aqui levantada (legitimidade passiva da fumageira) confunde-se com a questão suscitada no mérito do recurso de apelação da instituição financeira, razão pela qual serão analisadas em conjunto a seguir.

2. Da apelação do Banco do Brasil S.A.

2.1. Da responsabilidade civil

Sustenta o réu que, no caso em apreço, não está caracterizado o ato ilícito, porquanto agira em exercício regular do direito ao negativar o nome do autor.

Contudo, sem razão.

Ab initio, importante ressaltar que o presente caso submete-se à disciplina jurídica do Código de Defesa do Consumidor, porquanto as partes enquadram-se nos conceitos de consumidor e fornecedor, inscritos nos arts. e da Lei n. 8.078/1990.

Como corolário lógico da incidência das normas e princípios protetivos do consumidor, autoriza-se a inversão do ônus da prova em favor do hipossuficiente, na forma do art. 6º, VIII, in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Vale frisar, ainda, que a responsabilidade dos fornecedores é objetiva, ou seja, prescinde de prova da culpa, bastando a comprovação da prática lesiva e do dano (arts. 12 e 14 da Lei n. 8.078/1990).

Além disso, a Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, especificamente, determina que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Com efeito, o apontamento do nome do demandante no rol de maus pagadores decorre de uma cédula de crédito rural firmada para fornecer insumos à pequena atividade rural do autor, produtor de fumo, sendo avalizado por indústria fumageira (ré Intab), que adquire a safra a ser colhida pelo devedor principal.

Diante disso, "o funcionamento dos contratos de abertura de crédito para a produção de pequenos negócios agrícolas é diferente de qualquer outro, uma vez que o pagamento desses ajustes não são efetuados pelo próprio devedor principal, mas sim pelas empresas que compram a colheita e encaixam-se no pacto como avalistas (TJSC, Apelação Cível n. 2010.063917-0, de Itaiópolis, rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, j. 3-3-2011)" (TJSC, Apelação Cível n. 0300038-03.2016.8.24.0076, de Turvo, rel. Raulino Jacó Brüning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 8-3-2018).

Em suma, ocorre o seguinte: as empresas fumageiras vendem insumos aos fumicultores e assinam pelo autor, na qualidade de avalistas, os contratos de financiamento entre os agricultores (mutuários) e o banco.

Nestes casos, os produtores vendem toda a sua produção para as companhias fumageiras e estas, por sua vez, descontam o valor do financiamento da quantia que pagam aos agricultores, devendo, posteriormente, repassar o montante descontado aos bancos para quitação da dívida.

É o que se extrai das cláusulas do referido contrato de compra e venda de tabaco em folha, acostado ao EVENTO 26 (inf 41), in verbis:

[...]

1.3.1. O valor dos insumos agrícolas e outros créditos juntamente com os juros incidentes que vierem a ser fornecidos ao PRODUTOR pela EMPRESA serão amortizados/liquidados por ocasião da entrega e classificação do tabaco.

1.3.1.1. O PRODUTOR concorda que os insumos agrícolas e outros créditos serão encaminhados pela EMPRESA para financiamento ao PRODUTOR através de instituições bancárias, na modalidade crédito rural, e outras linhas de financiamento.

1.3.1.2. Os juros incidentes sobre os insumos agrícolas adquiridos e outros créditos recebidos pelo PRODUTOR da EMPRESA, que foram financiados pelos recursos controlados do crédito rural, e outras linhas de financiamentos serão os mesmos pagos na captação de recursos junto a instituição financeira. Despesas de IOF e outras tarifas cobradas pela instituição financeira para liberação do recurso serão consideradas encargos do PRODUTOR e igualmente serão amortizadas/liquidadas conforme mencionada na cláusula 1.3.1.

[...]

3.4. O PRODUTOR autoriza a EMPRESA em caráter irrevogável a descontar da venda de sua produção o valor necessário ao resgate do débito que possui junto a EMPRESA INTAB, originários do fornecimento de insumos agrícolas, adiantamentos, financiamentos bancários, prêmios de seguro de vida e da Afubra, despesas cartorárias e regularização de CPF, bem como quaisquer outros valores pagos a outros fornecedores e por estes assumidos por débito em conta corrente, inclusive os eventuais suplementares que forem necessários, independentemente de novo pedido. (Grifos acrescidos)

Observa-se, assim, a existência de parceria entre a empresa e a instituição financeira, permitindo a concretização da venda de insumos ao pequeno produtor, que não teria condições de adquirí-los à vista perante a fumageira.

A propósito:

A transferência direta do capital da nota de crédito rural, retirado em nome dos fumicultores integrados, para as empresas fumageiras é circunstância que evidencia nítida parceria negocial entre o agente de fomento e a fumageira, servindo o fumicultor como mero instrumento para obtenção do capital, que proporcionará a aquisição de futura safra de fumo (TJSC, Apelação Cível n. 0300413-95.2016.8.24.0175, de Meleiro, rel. Cláudia Lambert de Faria, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 29-8-2017)

Por oportuno, ressalta-se que tal prática é comum em regiões onde há cultivo de fumo, porquanto propicia que pequenos agricultores/fumicultores possam produzir a safra para, somente depois, pagar os insumos com a própria produção.

Sobre o assunto, colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO RURAL. NEGOCIAÇÃO REALIZADA POR EMPRESA FUMAGEIRA EM NOME DA AGRICULTORA APELANTE. INADIMPLEMENTO DA PESSOA JURÍDICA QUE ACARRETOU A NEGATIVAÇÃO DA RECORRENTE NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. NEGOCIANTE CONDENADA AO PAGAMENTO DE...

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