Acórdão Nº 0301227-94.2018.8.24.0092 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 10-08-2021

Número do processo0301227-94.2018.8.24.0092
Data10 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0301227-94.2018.8.24.0092/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: ANDRÉ LUIS SONNTAG (OAB SC017910) APELADO: DINALVA GONCALVES BARBOSA PINTO (AUTOR) ADVOGADO: WAGNER BECKER (OAB SC036652) ADVOGADO: Leandro Hering Gomes (OAB SC033169)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Banco BMG S.A contra sentença de procedência (evento 58) da denominada "ação declaratória de inexistência de débitos c/c restituição em dobro e indenização por danos morais", a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Ante o exposto e, por tudo mais qua dos autos consta, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial por Dinalva Gonçalves Barbosa Pinto contra Banco Bmg S/A, para o fim de: 1) declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes referente ao contrato de cartão de crédito consignado discutido nesta lide, devendo a parte autora devolver à parte ré o valor recebido a este título; 2) condenar a parte ré à restituição das quantias descontadas indevidamente da parte autora referente ao empréstimo objeto da lide, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros moratórios de 12% a.a., desde a data dos respectivos pagamentos, admitida a compensação com o valor do item "1", a ser apurado na fase de liquidação ou cumprimento da sentença; 3) condenar, ainda, a instituição financeira ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de indenização por danos morais, a ser acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a contar do evento danoso (data do primeiro desconto) e atualização monetária pelo INPC a partir da prolatação desta sentença. Por corolário lógico do resultado do mérito da lide, DEFIRO a tutela de urgência postulada para que a parte ré se abstenha de reter qualquer valor do benefício previdenciário da parte autora referente ao contrato objeto desta demanda, a partir do vencimento seguinte à prolatação desta sentença, sob pena de multa mensal no mesmo valor do desconto indevido, a ser revertida em favor da autora. Intime-se pessoalmente quanto a este comando. Ante o princípio da sucumbência, condeno a instituição financeira ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor total da condenação, ex vi do artigo 85, § 2.º, do Código de Processo Civil. P. R. I. Transitada em julgado, observadas as formalidades de praxe, arquivem-se os autos.
Após, a instituição financeira demandanda opôs aclaratórios, os quais foram acolhidos nos seguintes termos (evento 75):
Ante o exposto, nos termos do artigo 1.022, II, do CPC, ACOLHO os EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos por BANCO BMG SA no sentido de, reconhecendo a omissão do decisum, alterar a redação do item 1 do dispositivo da sentença de evento 58, nos seguintes termos:
"1) declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes referente ao contrato de cartão de crédito consignado discutido nesta lide, devendo a parte autora devolver à parte ré o valor recebido a este título, acrescido de correção monetária pelo índice adotado pela e. Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, desde a data de cada saque; "
Permanecem incólumes os demais trechos da sentença embargada.
Intimem-se. Cumpra-se.
Em suas razões recursais (evento 81), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Aduz a inexistência de termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, na data do vencimento da fatura, constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores, razão pela qual não há falar em nulidade. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 90).
Este é o relatório

VOTO


Insurge-se a instituição financeira contra sentença de procedência da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Contratação via cartão de crédito consignado
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).
Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:
O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.
Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.
Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do valor devido, incidirão juros que são duas vezes mais caros que no empréstimo...

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