Acórdão Nº 0301246-27.2017.8.24.0063 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 27-02-2020

Número do processo0301246-27.2017.8.24.0063
Data27 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemSão Joaquim
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0301246-27.2017.8.24.0063, de São Joaquim

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. CRÉDITO OBTIDO POR MEIO DE SAQUE EM CARTÃO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA. AUTORA QUE PRETENDE A DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DA OPERAÇÃO COM BASE EM VÍCIO NA AUTONOMIA DA VONTADE, SUSTENTANDO, PARA TANTO, TER SIDO LUDIBRIADA COM A PACTUAÇÃO DE CARTÃO, QUANDO, NA VERDADE, PRETENDIA APENAS A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA QUE ACOLHE PEDIDO DA DEMANDANTE PARA O FIM DE CONVERTER A OPERAÇÃO DE SAQUE EM CARTÃO DE CRÉDITO EM OPERAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, CONDENANDO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA AO PAGAMENTO DE DANOS MORAIS À PARTE CONTRÁRIA.

RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA.

ALEGADA REGULARIDADE DO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES. TESE QUE SE MOSTRA ALICERÇADA NOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONTIDOS NOS AUTOS. DISPONIBILIZAÇÃO DE SAQUE DE VALOR EM CARTÃO DE CRÉDITO, COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, QUE NÃO EQUIVALE À VENDA CASADA, AINDA QUE O CONSUMIDOR NÃO UTILIZE O CARTÃO PARA PAGAMENTO DE DESPESAS, SEJA PORQUE O CARTÃO DE CRÉDITO NÃO TEM SEU USO RESTRITO A COMPRAS EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS, SEJA PORQUE A OPERAÇÃO DE SAQUE SE ENCONTRA PREVISTA NA LEI N. 10.820/03, E REGULADA PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES N. 208/08 EM RELAÇÃO A APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.

AUTORA QUE, AO TEMPO DA CONTRATAÇÃO, TINHA QUATRO EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS COMPROMETENDO A SUA MARGEM CONSIGNÁVEL PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL. CIRCUNSTÂNCIA QUE APONTA O CONHECIMENTO DO DEMANDANTE ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DE FIRMAR NOVOS EMPRÉSTIMOS PESSOAIS CONSIGNADOS, POSSUINDO COMO ALTERNATIVA PARA A OBTENÇÃO DO CRÉDITO APENAS A MARGEM CONSIGNÁVEL DE 5% (CINCO POR CENTO), DESCRITA NA LEGISLAÇÃO, PARA UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA POR MEIO DO CARTÃO DE CRÉDITO (ARTIGO 6ª, PARÁGRAFO 5º, I, DA LEI N. 10.82/03). CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES, NO MAIS, QUE EXPÕE DE FORMA CLARA E PRECISA A NATUREZA, CARACTERÍSTICAS E FORMA DE COBRANÇA DA OPERAÇÃO CONTRATADA, ALERTANDO O CONTRATANTE ACERCA DA INCIDÊNCIA DE ENCARGOS SOBRE A DIFERENÇA DE VALOR EXISTENTE ENTRE O PAGAMENTO TOTAL DA FATURA E O PAGAMENTO MÍNIMO CUJA COBRANÇA É CONSIGNADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO.

CONSUMIDORA QUE ANUIU EXPRESSAMENTE COM A ADESÃO AO CARTÃO DE CRÉDITO E COM A CONTRATAÇÃO DE SAQUE COM PAGAMENTO MÍNIMO DA FATURA MEDIANTE CONSIGNAÇÃO EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NÃO PODENDO ALEGAR, PORTANTO, VÍCIO DA VONTADE E AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE CONTRATAÇÃO DA MODALIDADE DE CRÉDITO UTILIZADA, TANTO MAIS QUANDO, CONQUANTO RECEBESSE MENSALMENTE AS FATURAS DO CARTÃO QUE APONTAVAM O PAGAMENTO MÍNIMO REALIZADO DE FORMA CONSIGNADA, APENAS VEIO A QUESTIONAR O NEGÓCIO JURÍDICO CERCA DE DOIS ANOS APÓS SUA REALIZAÇÃO.

CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTE QUE, TENDO OBSERVADO OS DITAMES DA LEI N. 10.820/03 E DA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES N. 28/08, E SE MOSTRANDO, PORTANTO, REGULAR, DEVE SER MANTIDO NA FORMA ORIGINALMENTE PACTUADA, AFASTANDO-SE A CONVERSÃO OPERADA PELO JUÍZO SINGULAR, MORMENTE QUANDO O DEMANDANTE SEQUER TERIA MARGEM CONSIGNÁVEL PARA QUE A OPERAÇÃO TRANSMUDADA FOSSE REALIZADA DENTRO DA LEGALIDADE.

DANO MORAL. REGULARIDADE DO CONTRATO E DOS DESCONTOS EFETUADOS QUE APONTA A AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO PRATICADO PELA CASA BANCÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PRESSUPOSTO HÁBIL A JUSTIFICAR A CONDENAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AO PAGAMENTO DE DANOS MORAIS. CONDENAÇÃO FIXADA EM PRIMEIRO GRAU QUE DEVE, PORTANTO, SER AFASTADA.

ÔNUS SUCUMBENCIAIS. ACOLHIMENTO DAS TESES RECURSAIS DO BANCO DEMANDADO QUE IMPORTA NO RECONHECIMENTO DA IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DA AÇÃO. INVERSÃO DA RESPONSABILIDADE PELOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA FIXADOS EM PRIMEIRO GRAU, A SEREM ARCADOS EXCLUSIVAMENTE PELA PARTE AUTORA. EXIGIBILIDADE SUSPENSA PELA GRATUIDADE DA JUSTIÇA.

HONORÁRIOS RECURSAIS. INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE DADA À AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO DA AUTORA NA ORIGEM. PRECEDENTES DO STJ.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301246-27.2017.8.24.0063, da comarca de São Joaquim 1ª Vara em que é/são Apelante(s) Banco Bmg S/A e Apelado(s) Maria Lemos Padilha.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer e dar provimento ao recurso da instituição financeira demandada, para o fim de julgar improcedentes os pedidos da ação proposta na origem, e, ainda, por inverter a responsabilidade pelos ônus sucumbenciais fixados na sentença, cuja exigibilidade fica suspensa, por ser a autora/vencida beneficiário da gratuidade da justiça. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Nunes Born, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Carlos Adilson Silva e Mariano do Nascimento.

Florianópolis, 27 de fevereiro de 2020.

Desembargador Luiz Zanelato

Relator


RELATÓRIO

Maria Lemos Padilha ajuizou ação de restituição de valores cumulada com indenização por danos morais contra Banco Bmg S/A, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, e a condenação ao pagamento de danos morais, em razão da inexistência de contratação de reserva de margem consignada em seu benefício previdenciário, para contratação de cartão de crédito não solicitado.

Na decisão interlocutória de fls. 40-41, foi indeferida a tutela antecipada requerida, e concedido o benefício da gratuidade da justiça a autora.

Citado (fl. 45), o banco demandado apresentou resposta (fls. 47-74), na forma de contestação, sustentando, em suma, que houve a expressa contratação pela autora, do contrato para utilização de cartão de crédito mediante consignação em pagamento, razão pela qual não são indevidos os descontos a título de reserva de margem consignável lançados em seu benefício previdenciário. Logo, por não serem indevidos os descontos, argumenta que não deve restituir valores a autora, e tampouco indenizar-lhe pelo ocorrido.

Réplica às fls. 171-188.

Em julgamento antecipado da lide (fls. 284-290), o juiz da origem julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

[...]

II) FUNDAMENTAÇÃO:

O feito em questão comporta o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, haja vista que a questão controvertida nos autos é exclusivamente de direito, mostrando-se suficiente a prova documental produzida para dirimir as questões debatidas.

Sem dúvida, a relação estabelecida é de consumo, pois de um lado está a autora, consumidora (art. 2º do CDC) e, de outro, o banco réu, fornecedor (art. 3º do CDC), de forma que a questão encontra-se resolvida ao arrimo do que dispõe o Enunciado da Súmula nº 297 do STJ:"O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras. (STJ, Súmula 297, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/05/2004, DJ 09/09/2004, p. 149)

Volto-me, agora, à análise do mérito da ação.

Da análise dos autos, pode-se constatar que a autora celebrou, em 19/08/2015, "Termo de adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e autorização para desconto em folha de pagamento (pp. 123-125), pelo qual foi concedido um crédito na ordem de R$ 1.261,19 (um mil, duzentos e sessenta e um reais e dezenove centavos p. 48), cujo valor foi disponibilizado a autora e empós sacado em duas oportunidades, na data de 02/10/2015, no valor de R$ 1.065,94 (um mil, sessenta e cinco reais e noventa e quatro centavos pp. 48-49) e na data de 26/05/2017, no valor de R$ 195,25 (cento e noventa e cinco reais e vinte e cinco centavos p. 49).

Insta ressaltar que houve a juntada pela Instituição Financeira dos extratos referentes ao cartão de crédito supostamente disponibilizado, mas tal fato não gera a presunção de que a parte autora usufruiu do cartão, vez que, nos referidos extratos consta apenas a incidência dos juros referentes ao empréstimo via cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável (pp. 130-154).

Assim, ao se proceder uma análise daquela operação, forçoso concluir que tal prática redunda em significativo prejuízo a consumidora, na medida que impõe o desconto do valor mínimo indicado na fatura no benefício previdenciário do consumidor, inviabilizando, com esse agir, a efetiva quitação do empréstimo, pois o mínimo mensal cobrado corresponde, tão somente, aos encargos e juros do financiamento.

Nesse cenário, tem-se que as provas juntadas aos autos dão amparo a tese vertida à inicial, de forma a demonstrar que a parte autora não objetivava a contratação na forma que lhe foi imposta, de modo que o envio do cartão de crédito, na forma em que se deu, e as sucessivas cobranças que se seguiram, redundam em prática abusiva, porquanto consubstanciada em venda casada, pois, frise-se, o autor pretendia tão somente a contratação de empréstimo consignado.

[...]

E mais! Consoante se tem observado em demandas com o mesmo objeto, tal prática abusiva, bem difundida pelas instituições financeiras, induz o consumidor ao erro, já que, como visto acima, ainda que o contrato esclareça o "modus operandi" daquele empréstimo, tais informações não se revelam suficientes, eis que os aderentes são, em maioria, pessoas humildes, e, provavelmente, em grande necessidade, eis que sua capacidade de pagamento está comprometida com outros empréstimos, enquanto a instituição financeira, por outro lado, ciente do ganho fácil, opta em permitir tal situação alvitante, impondo seus termos agressivos e desproporcionais, ao invés de, simplesmente, advertir ao consumidor do óbvio, de que não possui saúde...

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