Acórdão Nº 0301376-27.2018.8.24.0016 do Quinta Câmara de Direito Público, 31-05-2022

Número do processo0301376-27.2018.8.24.0016
Data31 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0301376-27.2018.8.24.0016/SC

RELATOR: Desembargador ARTUR JENICHEN FILHO

APELANTE: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN APELADO: HOTEL TIROLESA LTDA

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação interposto pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - Casan contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Capinzal, assim relatada:

Trata-se de 'ação declaratória de inexigibilidade e repetição de indébito cumulada com consignação em pagamento e pedido de tutela de urgência antecipada' ajuizada por Hotel Tirolesa Ltda em face de Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN, ambas devidamente representadas e qualificadas nos autos, onde alegou ser indevida a cobrança de tarifa de água e esgoto empatamar fixo mínimo, multiplicado pelo número de unidades existentes, quando há apenas dois medidores no imóvel. Postulou a concessão de tutela antecipada para que a ré se abstenha de inscrever o nome do autor no cadastro de inadimplentes ou mesmo interrompa a prestação do serviço até a solução do litígio. Requereu também a inversão do ônus da prova, a consignação dos valores discutidos e a procedência do pedido, declarando a nulidade e inexistência do débito cobrado, comdevolução dos valores pagos a maior de forma dobrada, conforme artigo 42 do CDC.

Juntou documentos (fls. 14 a 34).

O pedido de tutela de urgência foi deferido às fls. 35 a 37.

Devidamente citada a ré apresentou contestação, sustentando a higidez da cobrança por estimativa por unidade de consumo e a legalidade dos dispositivos que fundamentam a cobrança das tarifas, além do modelo de cálculo. Pugnou, ao final, pela improcedência dos pedidos (fls. 56 a 91).

Houve réplica (fls. 269 a 291).

Em arremate assim dispôs o douto magistrado a quo:

Diante do exposto e com análise de mérito, conforme artigo 487, I, do CPC, julgo parcialmente procedente o pedido inicial formulado por Hotel Tirolesa Ltda em face de Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN, para confirmar a medida liminar e condenar a requerida a promover o faturamento das despesas de água por meio do consumo real.

Condeno a ré à restituição dos valores cobrados a maior calculados de forma simples, a serem apurados em fase liquidatória, que deverão sofrer o acréscimo de correção monetária pelo INPC, contados da data do adimplemento de cada fatura, e acrescidos de juros moratórios de 1% contados da citação, razão pela qual julgo extinto o processo. Condeno a requerida em custas, despesas processuais e em honorários advocatícios que arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Quanto os argumentos lançados no recurso de apelação valho-me do relatório formulado pelo douto membro do Ministério Público:

Sustenta a recorrente, preliminarmente (ainda que ao final do recurso), a prescrição parcial do direito reconhecido na sentença quanto ao ressarcimento de créditos relativos a período superior a noventa dias, com fulcro no artigo 26, II, §1º do Código de Defesa do Consumidor, ou, subsidiariamente, a três anos, com força no artigo 206, §3º do Código Civil.

No mérito, pugna a recorrente: a) a prevalência do Direito Administrativo sobre o Consumerista; b) o reconhecimento da legalidade da cobrança pela tarifa mínima; e c) a declaração de inconstitucionalidade da sentença por violação ao princípio da isonomia.

Defende que o faturamento pelo consumo real causará maior prejuízo ao consumidor, a partir da utilização da tarifa progressiva, bem como que a tarifa mínima serve como fomento à saúde pública, pois resulta em uso que permite "uma higiene efetiva" (fl. 379). Ademais, afirma que se todos os condôminos tiverem que ratear a tarifa sobre o valor real (e não a tarifa mínima multiplicada por unidades), quem utiliza menos pagará por quem usa mais.

Aduz, ainda, que em caso de manutenção da sentença, deve-se "afastar o pedido de repetição, injustamente deferido" (fl. 386). E, finalmente, postula o prequestionamento de diversos dispositivos legais, para requerer o provimento do reclamo, com a reforma da sentença (fls. 355-394).

Contrarrazões no Evento n. Evento 63, PET97 (origem).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Durval da Silva Amorim, no qual se manifestou pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso (Evento n. 36).

VOTO

Após análise dos autos, verifico que a questão debatida nos autos - assim como a própria admissibilidade do presente recurso - fora muito bem abordada pelo douto Procurador de Justiça.

Utilizo-me de seus fundamentos como razão de decidir neste voto. In verbis:

Cabe esclarecer que o recurso merece ser apenas parcialmente conhecido, pois há pontos que violam o princípio da dialeticidade. Para aclarar, salienta-se que os seguintes tópicos não se referem à sentença apelada, ou, sequer, às circunstâncias em comento:

a) "IV - Da violação da sentença ao princípio constitucional da isonomia - Fator de discrímen inconstitucional - Constitucionalidade do sistema de economias à luz da legalidade da tarifa mínima de água" (fls. 362-366); e

b) "3.2.2) Da violação ao Princípio da Legalidade. Da negativa de vigência de legislação estadual lato sensu. LEGALIDADE DO SISTEMA DE ECONOMIAS PRATICADO PELA COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN, NO ESTADO DE SANTA CATARINA. Normativa a respeito. Decreto Estadual n. 2.138/2009, Lei Federal 11.445/2007 e Resolução 004/2011-AGESAN. Possibilidade legal da cobrança de tarifa mínima e por economias" (fls. 367-377).

c) "V - IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA E JURÍDICA DE INSTALAÇÕES DE VÁRIOS HIDRÔMETROS. INTERPRETAÇÃO À DECISÃO DO STJ. DECISÃO QUE SUBMETE OS CONSUMIDORES A RATEAR DA MESMA FORMA O CONSUMO MAIOR DE ALGUNS CONDÔMINOS. INEFICÁCIA DOS ARGUMENTOS E OBJETIVOS ALMEJADOS NO RESP." (fls. 380-384)

Para esclarecer, importa frisar que tais teses recursais são genéricas, copiadas e coladas, que não impugnam diretamente a sentença em tela, o que viola o princípio da dialeticidade. Acerca do tema, pontua a doutrina que "deve o recorrente, por exemplo, sob pena de inadmissibilidade de seu recurso: a) apresentar as suas razões, impugnando especificamente os fundamentos da decisão recorrida (art. 932, III, CPC) [...]." [DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Fredie Didier Jr, Leonardo Carneiro da Cunha - 13 ed. Reform. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 124].

Outrossim, destaca-se:

No plano efetivamente jurisdicional, cabe ao relator apreciar e decidir pedido de tutela provisória (inciso II); não conhecer de recurso que se mostre inadmissível, prejudicado ou até mesmo daquele recurso que tenha impugnado apenas genericamente a decisão recorrida. De fato, quanto a esta última hipótese de não conhecimento, diz a parte final do inciso III do art. 932 que deverá o relator deixar de conhecer de recurso que "não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida". Na verdade, o que se pretende com esse dispositivo é desestimular as partes a redigir recursos que não sejam umbilicalmente ligados à decisão impugnada. Não é incomum que a apelação seja uma repetição da inicial ou da contestação: isto é indesejável. O recurso tem que impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, embora possa, é claro, repisar alguns argumentos de fato ou de direito constantes na peça inicial. Ademais, recursos que não atacam especificamente os fundamentos da decisão impugnada geram uma quase impossibilidade de exercício pleno à defesa, porque dificultam sobremaneira a resposta: de duas uma ou a parte responde ao recurso, ou sustenta que deve prevalecer a decisão impugnada. [Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1326-1327].

É imperativo que as partes percebam que ao Tribunal, salvo existência de nulidades, compete a revisão da sentença mediante apresentação de argumentos que questionem, invalidem ou modifiquem aqueles analisados pelo julgador na decisão de mérito.

Impossível, portanto, aceitar o questionamento de uma decisão sem argumentos que assim o façam, como já decidiu a Corte Catarinense:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DISPONIBILIZADO PELO SUS. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DOS ENTES FEDERADOS. RECURSO DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. RAZÕES RECURSAIS QUE REPRODUZEM, IPSIS LITERIS, A CONTESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE ENFRENTAMENTO DOS FUNDAMENTOS EXPOSTOS NA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO, NOS PONTOS. "O princípio da dialeticidade recursal exige pertinência entre as razões de fato e de direito expostas pela parte insurgente e que entende impositivas da...

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