Acórdão Nº 0301407-16.2015.8.24.0125 do Segunda Turma Recursal, 07-07-2020

Número do processo0301407-16.2015.8.24.0125
Data07 Julho 2020
Tribunal de OrigemItapema
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal



Recurso Inominado n. 0301407-16.2015.8.24.0125, de Itapema

Relatora: Juíza Margani de Mello




PROTESTO INDEVIDO. ENDOSSO-MANDATO. PRELIMINARES DE (I) IMPUGNAÇÃO AO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA CONCEDIDO AO RECORRENTE E (II) ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADAS. (I) CAPACIDADE FINANCEIRA DO RECORRENTE NÃO DEMONSTRADA. ÔNUS QUE INCUMBIA AO IMPUGNANTE. (II) INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE PODE SER RESPONSABILIZADA EM CASO DE EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES DO MANDATO OU POR ATO CULPOSO. MÉRITO. EMPRESA ENDOSSANTE QUE TRANSMITE ATOS DE COBRANÇA AO BANCO RECORRIDO POR ENDOSSO MANDATO. RESPONSABILIZAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO NOS CASOS DE EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES DO MANDATO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 476, DO STJ. DUAS HIPÓTESES RECONHECIDAS PELA JURISPRUDÊNCIA QUE SE ENCAIXAM NO CONCEITO INDICADO PELA CORTE SUPERIOR: (A) CIÊNCIA DO ENDOSSATÁRIO, POR NOTIFICAÇÃO/INFORMAÇÃO DO DEVEDOR OU DO ENDOSSANTE, SOBRE O PAGAMENTO PRÉVIO AO PROTESTO, E (B) CIÊNCIA DO ENDOSSATÁRIO SOBRE A FALTA DE HIGIDEZ DO TÍTULO. DUPLICATA MERCANTIL SEM ACEITE. COMPROVAÇÃO DA ENTREGA/PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS COMO REQUISITO DE EXIGIBILIDADE DO TÍTULO. DEVER DO ENDOSSATÁRIO DE EXIGIR DO ENDOSSANTE A APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS, SOB PENA DE SER RESPONSABILIZADO PELA REALIZAÇÃO DE PROTESTO DE TÍTULO INEXIGÍVEL/SEM HIGIDEZ. CONDUTA QUE CARACTERIZA EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES DO MANDATO. RESPONSABILIDADE DO ENDOSSATÁRIO RECONHECIDA. DANOS MORAIS PRESUMIDOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0301407-16.2015.8.24.0125, da comarca de Itapema 2ª Vara Cível, em que é recorrente Ivanei Maccalli, e recorrido Banco Bradesco S/A:



I - RELATÓRIO

Conforme autorizam o artigo 46, da Lei 9.099/95, e o Enunciado 92, do FONAJE, dispensa-se o relatório.

II - VOTO

Insurge-se o recorrente contra a sentença de pp. 130-133, da lavra da juíza Andréia Regis Vaz, que julgou parcialmente procedentes os pedidos por ele formulados, sustentando, em síntese, a ocorrência de abalo anímico indenizável.

Contrarrazões apresentadas pelo Banco nas pp. 172-185, impugnando a concessão do benefício da Justiça gratuita ao recorrente e arguindo sua ilegitimidade passiva.

Considerando (i) os documentos acostados nas pp. 18-21 e 161, (ii) que tratando-se de impugnação aos benefícios da justiça gratuita, o ônus da prova recai sobre o impugnante (TJSP; Apelação Cível 1001250-34.2018.8.26.0030; Relator (a): Lígia Araújo Bisogni; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Apiaí - Vara Única; Data do Julgamento: 26/03/2020; Data de Registro: 26/03/2020), e (iii) não tendo o recorrido apresentado outros fatos que possam ensejar complementação documental, mantém-se o deferimento do pedido de Justiça gratuita em favor do recorrente.

Pertinente à preliminar, como bem pontuado pela magistrada a quo, o mandatário pode responder pelos prejuízos causados ao consumidor em casos de endosso mandato, de modo que a instituição financeira é legítima para figurar no polo passivo da demanda (já que, no mérito, sua responsabilidade vai ser efetivamente analisada). Mantém-se, portanto, o afastamento da alegada ilegitimidade. Neste sentido: TJSC, Apelação Cível n. 0308199-79.2016.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 05-12-2019.

Em relação ao mérito, a controvérsia gira em torno da responsabilidade civil da instituição financeira por protesto supostamente indevido em casos em que atua através de endosso-mandato.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema, editando, inclusive, o verbete Sumular n. 476:



O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário.


Em que pese definir que a responsabilidade do endossatário se limita aqueles casos em que se verifica a extrapolação dos poderes conferidos através de mandato, o Superior Tribunal de Justiça não apontou, no verbete sumular, as hipóteses em que se caracterizaria o excesso. Coube, portanto, à doutrina e à jurisprudência fixarem os limites indicados pela Súmula.

No julgamento do recurso repetitivo n. 1.063.474/RS, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão – que culminou na edição da Súmula n. 476 – foi reconhecido que o apontamento do protesto após a ciência, pela instituição financeira endossatária, do pagamento anterior ou da falta de higidez do título caracterizaria extrapolação dos poderes de mandatário1Verifica-se, portanto, a existência de duas hipóteses.

(I) A primeira hipótese (ciência do pagamento anterior) caracteriza-se quando (i) todos os requisitos de exigibilidade do título apresentado para protesto forem comprovados pela instituição financeira e (ii) o devedor comprovar documentalmente que a instituição financeira endossatária foi notificada/informada por ele, ou pelo endossante, sobre o pagamento prévio ao protesto.

Nestes casos, a endossatária extrapola os poderes do mandato ao realizar protesto mesmo ciente do pagamento anterior e, portanto, deve ser responsabilizada. Pontua-se que, caso o devedor não comprove a cientificação da instituição financeira, a responsabilidade deve ser afastada.

(II) A segunda hipótese (falta de higidez do título) caracteriza-se quando o título encaminhado para protesto não preenche todos os requisitos de exigibilidade. É dever da instituição financeira endossatária conferir o preenchimento dos requisitos de exigibilidade e validade do título que pretende encaminhar para protesto, cabendo sua responsabilização nos casos em que o título protestado não seja exigível.

No caso das duplicatas mercantis e de prestação de serviços sem aceite, o comprovante de entrega da mercadoria/prestação de serviços é indispensável para a realização do protesto e caracteriza-se como requisito de exigibilidade do título.

A respeito, ensina Fabio Ulhoa Coelho (2019):


A duplicata de prestação de serviços está sujeita ao mesmo regime da duplicata mercantil. Apenas duas especificidades devem ser destacadas: a) a causa que autoriza sua emissão não é a compra e venda mercantil, mas a prestação dos serviços; b) o protesto por indicações depende da apresentação, pelo credor, de documento comprobatório da existência do vínculo contratual e da efetiva prestação dos serviços obrigada à escrituração do Livro de Registro de Duplicatas, à emissão de fatura ou nota fiscal-fatura discriminatória dos serviços contratados. (grifei)


E, também, colhe-se do inteiro teor do voto do Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do recurso repetitivo n. 1.063.474/RS:


Consta dos autos que o banco endossatário recebeu duplicata não aceita e sem nenhum comprovante da entrega da mercadoria ou da prestação de serviço e, ainda assim, indicou o título a protesto.

Em situação idêntica, já decidiu esta Corte que "ausente o aceite das duplicatas, cabe ao endossatário exigir do endossante a apresentação do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços, no momento em que realizado o endosso" (REsp 770.403/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 15/05/2006, p. 212).

Com efeito, no caso concreto, o título apontado a protesto não ostentava, primo icto oculi, condições de exigibilidade, razão pela qual, assim como entendeu o acórdão recorrido, tenho por configurada a conduta negligente do endossatário.

(sem grifos no original)



Diante deste cenário, (i) é responsabilidade do endossatário exigir do endossante documentos que comprovem a efetiva entrega do produto/prestação dos serviços cobrados através da duplicata no momento do endosso; e (ii) caracteriza a extrapolação dos poderes do mandato a realização de protesto de duplicata desacompanhada do comprovante de entrega/prestação do serviço, sendo inafastável nestes...

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