Acórdão Nº 0301433-55.2014.8.24.0058 do Quarta Câmara de Direito Civil, 19-11-2020

Número do processo0301433-55.2014.8.24.0058
Data19 Novembro 2020
Tribunal de OrigemSão Bento do Sul
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0301433-55.2014.8.24.0058, de São Bento do Sul

Relator: Des. Helio David Vieira Figueira dos Santos

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER E PERDAS E DANOS. COMPRA E VENDA DE CAMINHÃO E CARROCERIA. ALEGADA QUITAÇÃO DO PREÇO PACTUADO. NEGATIVA DE TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE PELA VENDEDORA. TESE DE DEFESA DE QUE O NEGÓCIO FOI DE LOCAÇÃO, E NÃO ALIENAÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA. REJEIÇÃO DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO DA REQUERIDA.

JUSTIÇA GRATUITA. PLEITO FORMULADO APENAS NESTE GRAU RECURSAL. CONCESSÃO, COM EFEITOS EX NUNC. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA.

ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVA DA COMPRA E VENDA. INSTRUMENTO CONTRATUAL APÓCRIFO. SUPOSTA DESISTÊNCIA DA TRATATIVA. VERSÃO FÁTICA CONTRÁRIA AO CONJUNTO PROBATÓRIO. INTENÇÃO DE VENDA ADMITIDA PELA RÉ EM SEU DEPOIMENTO PESSOAL. ASSUNÇÃO E QUITAÇÃO DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO PELA COMPRADORA. BENS A ESTA ENTREGUES NA ÉPOCA DAS NEGOCIAÇÕES. POSSE JAMAIS CONTESTADA PELA PROPRIETÁRIA REGISTRAL. CONSTITUIÇÃO DO DIREITO REAL COM A TRADIÇÃO (ART. 1.226 DO CÓDIGO CIVIL). EVENTUAL DISCORDÂNCIA DA VENDEDORA QUANTO AOS TERMOS DO CONTRATO NÃO LEVADA A CONHECIMENTO DA OUTRA PARTE. RESERVA MENTAL SEM EFICÁCIA (ART. 110 DO CC). ALMEJADO REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA À INSTITUIÇÃO CREDORA DO FINANCIAMENTO ANTES DA CONTRATAÇÃO COM A AUTORA. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DE ACORDO NESSE SENTIDO. ÔNUS QUE INCUMBIA À APELANTE. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS.

RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301433-55.2014.8.24.0058, da comarca de São Bento do Sul 1ª Vara em que é Apelante Alexandre Kuchler ME e Apelado Magnalat Distribuidora de Alimentos Ltda.

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. José Agenor de Aragão e o Exmo. Sr. Des. Selso de Oliveira.


Florianópolis, 19 de novembro de 2020.




Helio David Vieira Figueira dos Santos

Relator





RELATÓRIO

Magnalat Distribuidora de Alimentos Ltda ajuizou ação condenatória Alexandre Kuchler ME alegando que, em 24/01/2011, negociou com a empresa ré a compra de um caminhão e uma carroceria fechada e, após quitado integralmente o preço pactuado, a vendedora se negou a efetuar a transferência da propriedade, por motivo desconhecido, mesmo depois de notificada extrajudicialmente. Referiu, ademais, que a aquisição se deu para fins profissionais, e que sem o registro dos bens em seu nome, não pode utilizá-los como pretendia, suportando assim prejuízos materiais. Requereu a antecipação de tutela, para possibilitar a retirada do CRLV dos bens e impedir a sua alienação a terceiros, e, ao final, a transferência da propriedade e a condenação da requerida pelas perdas e danos.

Postergada a análise do pleito liminar, ante a ausência de assinatura da ré no contrato de p. 16/18 (p. 78).

Na contestação, a parte demandada aduziu que o ajuste firmado com a demandante foi de locação, e não venda. Arguiu que, conforme combinado verbalmente, a autora ficaria com a posse do caminhão e carroceria e, em contrapartida, assumiria a responsabilidade pelo pagamento das parcelas do financiamento contratado pela proprietária para aquisição dos veículos, até a quitação do negócio bancário, após o que se encerraria o aluguel. Disse não existir prova da alegada compra e venda, argumentando que a) os contratos juntados pela requerente encontram-se apócrifos; b) e-mails não têm "eficácia probante" se sua veracidade não é atestada pelo suposto emitente; e c) não recebeu da ré qualquer valor, senão os referentes aos boletos das mensalidades previamente pactuadas com o Banco Volkswagen S.A. Por fim, apontou a carência probatória quanto aos prejuízos relatados e ponderou que eventual condenação deve ser razoável. Pleiteou a improcedência dos pedidos e a condenação da autora às penas da litigância de má-fé (p. 97/110).

Houve réplica (p. 126/129).

Finda a instrução do feito, o juízo a quo concluiu que a intenção negocial era de venda, e não de locação, conforme confessado pelo representante da ré em seu depoimento, e considerou verossímil a versão da autora, segundo a qual o preço pactuado foi o do próprio financiamento, que ela quitou. Por outro lado, entendeu não ser cabível o ressarcimento de danos, porque não especificados. Assim, o pleito foi julgado parcialmente procedente, para determinar a transferência da propriedade dos bens pela ré à autora, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00, até o limite de R$ 150.000,00. Ante a sucumbência recíproca, cada litigante foi condenada ao pagamento de 50% das custas processuais, além de honorários advocatícios (p. 353/356).

A parte ré apelou. Em suas razões, insiste na versão apresentada na contestação, no sentido de que os documentos exibidos pela autora são insuficientes para demonstrar a intenção de venda, e por isso requer a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, pleiteia a condenação da apelada ao pagamento, à apelante, dos valores que haviam sido por esta despendidos para quitação do financiamento antes da negociação sub judice. Além disso, postula a concessão da justiça gratuita, sob o fundamento de que sua capacidade financeira foi alterada e, atualmente, não pode arcar com os ônus da litigância (p. 360/367).

Com as contrarrazões (p. 379/382), vieram os autos a este grau de jurisdição.

O anterior Relator deste recurso determinou a juntada de documentos para comprovação da dita insuficiência financeira (p. 392) e, cumprida a ordem (p. 394/403), deferiu a benesse (p. 405/407).

Este é o relatório.



VOTO

1. Aplica-se o Código de Processo Civil de 2015, na forma do Enunciado Administrativo n. 3, do Superior Tribunal de Justiça.

Inicialmente, cumpre esclarecer que, embora os documentos trazidos aos autos pela apelante nas p. 368/375 e p. 396/403 evidenciem suas dificuldades financeiras e justifiquem a concessão da gratuidade da justiça, o deferimento da benesse há de se operar ex nunc, alcançando, pois, as despesas recursais, assim como as alusivas a atos posteriores.

Nesse sentido:

[...] segundo o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, o qual continua sendo plenamente aplicado, a concessão do benefício somente produzirá efeitos quanto aos atos processuais relacionados ao momento do pedido, ou posteriores a ele, não sendo admitida, portanto, sua retroatividade (STJ, AgInt no AREsp 1373321/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 25/03/2019).

Destarte, quanto à condenação imposta na sentença, permanece a obrigação da recorrente.

Dito isso, presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

2. A apelante sustenta não haver prova da negociação dos bens objeto da lide – um caminhão e uma carroceria fechada – para fins de alienação. Reitera que os instrumentos contratuais anexados à inicial não apresentam sua assinatura e que os e-mails trocados entre a representante da autora e o suposto intermediário da avença não comprovam sua intenção de venda.

Porém, nada se diz no apelo sobre o fato de que a apelante, por meio de seu sócio-administrador, Alexandre Kuchler, admitiu que a natureza do negócio em discussão era de compra e venda, apesar de ter afirmado que esta não se perfectibilizou. É o que se extrai de seu depoimento pessoal:

[...] na época, realmente eu tive um problema com a empresa e eu tinha 9 caminhões pra vender; desses 9, alguns, o Gelson, que era o intermediário, passei pra mão dele, como ele tinha maior conhecimento; alguns negócios ele não tinha autorização nenhuma pra fechar negócio, ele intermediava, conversava, e após a...

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