Acórdão Nº 0301439-88.2015.8.24.0135 do Terceira Turma Recursal, 27-05-2020

Número do processo0301439-88.2015.8.24.0135
Data27 Maio 2020
Tribunal de OrigemNavegantes
ÓrgãoTerceira Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão


Terceira Turma Recursal

Alexandre Morais da Rosa


Recurso Inominado n. 0301439-88.2015.8.24.0135, de Navegantes

Relator: Juiz Alexandre Morais da Rosa

CORPO ESTRANHO EM PRODUTO ALIMENTÍCIO (LAGARTIXA/EXTRATO DE TOMATE) – FATO DO PRODUTO (ART. 14, DO CDC) CONSUBSTANCIADO PELA AMEAÇA À SEGURANÇA E SAÚDE DO CONSUMIDOR – DESNECESSÁRIA A CONSTATAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS FINAIS DO DANO (INTOXICAÇÃO) – VEROSSIMILHANÇA DA NARRATIVA EM CADA CASO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – DEVER DE INDENIZAR – QUANTUM INDENIZATÓRIO (R$ 10.000,00) – CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPOCIONALIDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O CDC definiu o estágio de ameaça à segurança como caracterizador do fato do produto/serviço (arts. 12 e 14, do CDC) e, portanto, não é necessário que o dano alcance as últimas consequências (intoxicação).

2. O ônus da prova (e eventual inversão) não recai de forma absoluta sobre uma das partes. Trata-se de uma distribuição dinâmica e dialética em que a exigibilidade da prova, a possibilidade das partes e a extraordinariedade das alegações adquirem significado no convencimento do julgador. A verossimilhança da narrativa é a apurada em cada caso concreto.

3. Sobre a oposição de provas negativas:

"[...] - Tanto a doutrina como a jurisprudência superaram a complexa construção do direito antigo acerca da prova dos fatos negativos, razão pela qual a afirmação dogmática de que o fato negativo nunca se prova é inexata, pois há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma afirmativa que pode ser provada, de modo que apenas as negativas absolutas são insuscetíveis de prova". (REsp 1050554/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 09/09/2009)

Que completa no corpo do acórdão:

"[...] Nessas hipóteses que, por sua natureza, têm dificuldades a ser esclarecidas, é o juiz obrigado a julgar o mérito com base em uma convicção de verossimilhança, porquanto tais dificuldades de prova não devem ser suportadas pela vítima, ainda mais em um campo como o do direito do consumidor.

Seria aplicável, portanto, a idéia de redução do módulo da prova defendida por Luiz Guilherme Marinoni, com base nos ensinamentos do processualista alemão Gerhard Walter. Destarte, vale destacar a observação de Marinoni no sentido de que "(...) algumas situações de direito material exigem que o juiz reduza as exigências de prova, contentando-se com uma convicção de verossimilhança." (Luiz Guilherme Marinoni, Formação da Convicção e Inversão do Ônus da Prova segundo as Peculiaridades do Caso Concreto, Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Ano III, nº 13, p. 66)".

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0301439-88.2015.8.24.0135, da Comarca de Navegantes 2ª Vara Cível, em que é Recorrente Odete Machado da Silva e Recorrido Cargill Agrícola S/A e Unilever Brasil Ltda.:



ACORDAM os integrantes da Terceira Turma Recursal, por unanimidade, confirmar a decisão que deferiu a gratuidade de Justiça à autora, retificar o valor da causa para o teto dos Juizados Especiais, conhecer e dar parcial provimento ao Recurso Inominado, para condenar a requerida (Cargill Agrícola S/A) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00, corrigidos monetariamente (INPC), desde a data deste julgamento, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação. Sem custas e honorários.


Florianópolis, 27 de maio de 2020.


Alexandre Morais da Rosa

Relator




















I – RELATÓRIO.

Dispensado nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/95.

II – VOTO.

Inicialmente, consideradas as circunstâncias apresentadas nos autos e a verossimilhança das alegações da autora sobre o estado de hipossuficiência (fls. 203/206), voto por confirmar a decisão que deferiu a gratuidade de Justiça e conhecer do Recurso Inominado.

Superada a admissibilidade, a recorrente se insurge contra sentença em que foi extinto o processo sem julgamento de mérito em relação à requerida Unilever, por reconhecimento da ilegitimidade passiva, e julgado improcedente o pedido de indenização por danos morais perante a Cargill Agrícola S/A.

O reconhecimento da ilegitimidade passiva não merece reparos. Restou incontroverso que a Unilever não fabrica o produto desde 28/02/2011.

Por outro lado, o pedido de indenização deve prosperar em relação à Cargill Agrícola S/A.

Trata-se de relação de consumo, dada a adequação das partes aos conceitos dos arts. e , do CDC, sendo aplicável a inversão do ônus da prova.

Sobre a incidência do CDC, observo que a tese defensiva e aquela adotada em sentença se amparam na hipótese de um vício do produto (art. 18, do CDC). Absolutamente, não é o caso dos autos. A presença de um animal morto (lagartixa) dentro de um produto alimentício (extrato de tomate) caracteriza manifesto fato do produto (art. 12, do CDC).

O vício do produto se define por elementos de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente (transcrito). Seria o caso do produto apresentar quantidade inferior ao previsto ou gosto mais salgado ou doce que o padrão.

Por outro lado, o fato do produto ocorre quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam (transcrito).

Um animal morto dentro de um produto alimentício é uma manifesta ameaça à segurança e saúde do consumidor. Neste ponto, é importante destacar que o fato da autora não ter ingerido a lagartixa ou se intoxicado não afasta o fato do produto, que guarda o risco de forma inerente.

O legislador definiu o ponto da mera ameaça à segurança como caracterizador do fato do produto/serviço e, portanto, não é necessário que o dano alcance as últimas consequências. E, a prevalecer a tese da recorrida, não existiria dano porque a ameaça não foi ingerida; se ingerida, não intoxicou; se intoxicada, agora a vítima já passa bem. Como dito, a análise se refere às ameaças intrínsecas do produto e não grau de exteriorização do dano – e que se diga de passagem também se mostra evidente (o dano) pela mera visão de uma lagartixa morta em algo que supostamente seria ingerido.

Superada a subsunção ao fato do produto, em atenção ao questionamento sobre o ônus da prova, observo que a autora manteve o produto guardado congelado para que a recorrida conferisse e realizasse sua própria perícia. E, sobre a oposição de prova negativa, é da jurisprudência:

"[...] - Tanto a doutrina como a jurisprudência...

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