Acórdão Nº 0301476-80.2014.8.24.0061 do Quarta Câmara de Direito Civil, 20-05-2021

Número do processo0301476-80.2014.8.24.0061
Data20 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0301476-80.2014.8.24.0061/SC



RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA


APELANTE: ADM DO BRASIL LTDA APELANTE: GLOBAL LOGISTICA E TRANSPORTE LTDA APELADO: IZABEL CRISTINA DE LIMA


RELATÓRIO


A bem dos princípios da celeridade e da economia processual adota-se o relatório elaborado na sentença, verbis (evento 14 - SENT60/origem):
Trata-se de ação de indenização ajuizada por Izabel Cristina de Lima em face de ADM do Brasil Ltda. e Global Logística e Transportes Ltda., todos(as) devidamente qualificados(as) nos autos, em razão de fato ocorrido em 24.09.2013, quando expressiva quantidade de fertilizante de propriedade da primeira ré, que se encontrava armazenada em galpão pertencente à segunda ré, situado neste município de São Francisco do Sul, entrou em combustão advinda de reação química, provocando, por conseguinte, a formação de vultosa cortina de fumaça que, imediatamente, atingiu diversos bairros da cidade.
Exultou a parte autora, em linhas gerais, os possíveis riscos à saúde humana, decorrentes da inalação da fumaça tóxica, além da necessidade dos moradores dos bairros afetados deixarem suas residências, o que ocasionou tumulto, medo e insegurança.
Em consequência, após tecer os fundamentos que entendeu embasar seu direito, pugnou pela condenação solidária das rés ao pagamento de indenização por danos morais, bem como das demais cominações de estilo. Pleiteou, por fim, a concessão do benefício da justiça gratuita em seu favor. Anexou documentos.
O beneplácito da gratuidade da justiça restou deferido.
As rés apresentaram resposta sob a forma de contestação, altercando, preliminarmente, a inépcia da inicial em razão da falta de documento pessoal da parte autora e de comprovante de residência em nome próprio. No mérito, aduziram, em suma, a ausência dos requisitos essenciais à responsabilização civil em face da inexistência de: a) ato ilícito, b) conduta negligente da ADM na contratação da Global, c) danos comprovados, e, d) nexo de causalidade em virtude da excludente de caso fortuito; além da não configuração da responsabilidade civil por dano ambiental. Requereram, ao final, a total improcedência do reclamo formulado na preambular. Aparelharam documentos.
Em réplica, a parte autora rechaçou as teses aventadas pelas rés, reeditando os argumentos expendidos na peça inaugural.
O juiz Gustavo Schwingel assim decidiu:
ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedente o pedido formulado por Izabel Cristina de Lima na presente ação indenizatória para, em consequência, condenar as rés ADM do Brasil Ltda. e Global Logística e Transportes Ltda., solidariamente, ao pagamento da quantia de R$ 1.500,00 em favor da parte autora, a título de danos morais, corrigidos monetariamente desde a data desta sentença (STJ, Súmula n. 362) e acrescidos de juros de mora a partir da data do evento danoso, qual seja, 24.09.2013 (CC, art. 398 e STJ, Súmula n. 54).
Condeno as rés, ainda, ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, a teor do art. 85, § 2º, do CPC/2015.
P. R. I.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se, procedendo-se às baixas de estilo.
Recorrem as rés (evento 19 - PET64/origem) alegando que os laudos acostados aos autos demonstram a ausência de nexo causal entre a conduta da ré e os eventos que supostamente lhe causaram danos. Asseveram que a autora não apresentou comprovante de residência em nome próprio e que não há outro meio de prova capaz de demonstrar o alegado direito senão os documentos já apresentados com a inicial e contestação.
Afirmam que "a petição inicial da Parte Autora fora distribuída sem a apresentação dos documentos essenciais para o deslinde da questão ou para comprovar o suposto direito da Parte Autora. Sendo assim, com a ausência do comprovante de residência em nome próprio, a Parte Autora não demonstrou, isto é, não há nenhuma prova de que ele se encontrava em casa por ocasião do evento supostamente danoso e que teve que deixar sua residência" (evento 19 - PET64/origem, p. 5); "não foi produzida prova alguma que demonstrasse que o Recorrido estava em sua casa no momento da reação química que gerou a liberação da cortina de fumaça, ou mesmo que se encontrava nas redondezas ou, ainda, na cidade quando da ocorrência do evento" (evento 19 - PET64/origem, p. 9) (grifos no original).
Defendem a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, sustentando que "nenhum dos requisitos necessários para enquadramento do Recorrido no conceito de consumidor por equiparação foi preenchido. Em primeiro lugar, não existe relação de consumo no caso concreto. Conforme demonstrado nos autos, a ADM, empresa que atua na importação e comercialização de fertilizantes, contratou a Global, que exerce atividades de armazenagem e estocagem de diversos produtos, para armazenar o fertilizante mineral NPK. [...] a relação jurídica entre a ADM e a Global, não é regida pelo Código de Defesa do Consumidor - mas sim pelo Código Civil, uma vez que a Global apenas prestou serviços de armazenagem para a ADM, não podendo ser considerada, de forma alguma, como destinatária final do produto. Por outro lado, também não existe relação de consumo entre as Recorrentes e o Recorrido. [...] se a relação jurídica entre as partes é inexistente, e não há evento de consumo (nem, portanto, acidente de consumo que justificaria falar-se na categorização de bystander), a equiparação do Recorrido à figura de consumidor é completamente absurda, pois não há relação de consumo envolvida no evento supostamente danoso" (evento 19 - PET64/origem, p. 12-13).
Considerando não haver relação de consumo, dizem que a responsabilidade civil rege-se pela regra geral do Código Civil, argumentando: "Desse modo, para que se configure o dever de indenizar, é necessário estarem preenchidos os seguintes requisitos legais: (i) ato ilícito imputável à Recorrente, sob a ótica dos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil; (ii) dano ressarcível; e (iii) nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano - elementos estes que não se encontram presentes no caso em tela. [...] e a atividade desenvolvida pela ADM, de importação e comercialização de fertilizantes, é lícita e expressamente regulamentada pelo governo, constituindo objeto de fiscalização pelo Ministério da Agricultura. Ademais, o fertilizante importado pela ADM é utilizado mundialmente de forma segura, e sua importação e comercialização são, adicionalmente, autorizadas por lei e regulamentadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ('MAPA')9. Os atos da ADM constituem exercício regular de direito - excludente da ilicitude expressamente prevista no artigo 188, I do Código Civil. Tampouco há que se falar em ato ilícito decorrente da suposta omissão voluntária, negligência ou imprudência da ADM, uma vez que o incidente representa caso fortuito (como se verá a seguir), e não decorre de falta de cautela, atenção, diligência ou cuidado da ADM. Assim que tomou conhecimento do incidente, a Recorrente imediatamente mobilizou a WGRA, empresa experiente no ramo de gerenciamento de riscos ambientais e especializada no atendimento de emergências químicas e identificação de impactos ambientais. A WGRA chegou prontamente ao local e atuou de modo integrado à Brigada de Combate a Incêndio da região, tomando medidas de contenção da reação química e de eliminação dos resíduos do sinistro e prestando esclarecimentos à população e às autoridades públicas" (evento 19 - PET64/origem, p. 13-14).
Prosseguem: "A responsabilização das Recorrentes também não resta configurada quando se avalia a escolha feita pela ADM de entregar o fertilizante para armazenamento na empresa Global. Isso porque a Global é empresa devidamente qualificada para a atividade de armazenamento do fertilizante mineral NPK, segundo licenças das autoridades competentes nas esferas federal, estadual e municipal. [...] o produto (em si) não teve relação direta com os supostos danos. O laudo extrajudicial destinado a avaliar as causas do incidente (Doc. 04 acostado à contestação da ADM e Global) atesta que o fertilizante, nas condições em que fora importado pela ADM, não seria hábil, por si só, a provocar a reação química em que se funda a causa de pedir desta demanda (Doc. 04 acostado à contestação da ADM e Global), mesmo porque o mesmo produto, proveniente do mesmo lote e do mesmo navio, foi armazenado no armazém de propriedade da empresa Platinum Log LTDA. ME, sem ter apresentado qualquer problema" (evento 19 - PET64/origem, p. 14-16).
Defendem não estarem comprovados os danos morais sofridos pela apelada, já que o fato caracteriza mero dissabor, acrescentando que, "conforme noticiado em jornais locais (Doc. 16 acostado à contestação da ADM e Global) e investigado pela própria OAB/SC, houve uma nítida captação de clientes, quiçá fomentação de litígio, por advogados para o ajuizamento massivo de ações idênticas contra a Global e a ADM" (evento 19 - PET64/origem, p. 19).
Subsidiariamente, dizem que "o dano moral, quando efetivamente existente, tem função única e exclusivamente compensatória. No âmbito da responsabilidade civil, a possibilidade de atribuição de qualquer outro objetivo à indenização, diferente da simples reparação do dano ao ofendido, contraria a letra da lei. [...] O que é inadmissível é a atribuição de um caráter especialmente pedagógico à indenização pelo dano moral. Isso porque o sistema jurídico brasileiro não é compatível com institutos como os punitive damages (danos punitivos de caráter exemplar) do direito americano. A importação dos institutos gestados em sistema jurídicos estruturalmente diferentes depende sempre de uma reflexão sobre a compatibilidade do instituto alienígena com o ordenamento jurídico nacional. Uma reflexão menos superficial conduz inexoravelmente à conclusão de que a natureza da indenização, por qualquer...

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