Acórdão Nº 0301486-04.2014.8.24.0004 do Primeira Câmara de Direito Público, 17-04-2020

Número do processo0301486-04.2014.8.24.0004
Data17 Abril 2020
Tribunal de OrigemAraranguá
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0301486-04.2014.8.24.0004, de Araranguá

Relator: Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO. ERRO MÉDICO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL E INDENIZAÇÃO DO PREJUÍZO MATERIAL (LUCROS CESSANTES E CIRURGIA ESTÉTICA). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.

1) RECURSO DO ENTE PÚBLICO.

ALEGADA INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA E NEXO DE CAUSALIDADE. TESE NÃO ACOLHIDA. PERITO QUE ATESTOU A INADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO MÉDICO. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO.

QUANTUM COMPENSATÓRIO DO ABALO MORAL. MINORAÇÃO. PRECEDENTES.

TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS DO DANO MATERIAL A PARTIR DO DIA DO ORÇAMENTO DA CIRURGIA. INSUBSISTÊNCIA. DATA DO EVENTO DANOSO. EXEGESE DO ENUNCIADO N. 54 DA SÚMULA DO STJ.

2) ADESIVO DA AUTORA.

LUCROS CESSANTES REFERENTES AO PERÍODO QUE NÃO TRABALHOU. PEDIDO NÃO ACOLHIDO. EXPERT QUE ATESTOU CATEGORICAMENTE A CAPACIDADE LABORAL. PLEITO DE MAJORAÇÃO DO VALOR DO DANO MORAL PREJUDICADO.

3) JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 870.947/SE) E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (TEMA N. 905). ADEQUAÇÃO DE OFÍCIO.

APELO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA REDUZIR O MONTANTE DA COMPENSAÇÃO DO DANO MORAL. ADESIVO DESPROVIDO. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS E FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301486-04.2014.8.24.0004, da comarca de Araranguá 1ª Vara Cível em que é Apelante Município de Araranguá e Apelado Alexandra Alves Borges:

A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, à unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do Município para minorar o valor da compensação do dano moral para R$ 5.000,00 e desprover o adesivo da autora. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Pedro Manoel Abreu e Jorge Luiz de Borba. Presidiu a sessão virtual o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Fernando Boller.

Florianópolis, 17 de abril de 2020.

Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

Relator


RELATÓRIO

Alexandra Alves Borges propôs "ação de indenização por danos estéticos e morais" em face do Município de Araranguá.

Alegou que: 1) no dia 20-5-2014 foi à Unidade de Pronto Atendimento - UPA porque havia lesionado a mão em casa; 2) constatado que se tratava de inchaço e edemas, o médico receitou a imobilização da região e injeção intramuscular (IM), que foi aplicada pela enfermeira; 3) após, passou a sentir muita dor e observou que estava com hematoma; 4) retornou à UPA no dia seguinte e verificaram que o local havia necrosado por causa da má aplicação da injeção; 5) foi encaminhada para o Hospital Regional para realização de cirurgia; 6) mesmo após o procedimento cirúrgico, a região não cicatrizou completamente; 7) em consulta a outro profissional, foi informada acerca da necessidade de uma cirurgia plástica para não ficar com um "buraco" e 8) trabalhava de forma autônoma como esteticista com renda de aproximadamente R$ 1.000,00 e, em razão desses transtornos causados por erro médico, ficou impossibilitada de laborar .

Postulou a compensação do dano moral e indenização por dano material (prejuízo estético e lucros cessantes).

Em contestação, o réu sustentou que: 1) os serviços médicos foram adequadamente prestados e que eventual reação adversa deve ser atribuída à falta de cuidado da requerente no pós atendimento; 2) não ficou demonstrado o nexo de causalidade; 3) inexiste abalo moral, e sim mero dissabor; 4) não há prova da atividade remunerada ou de que tenha deixado de auferir lucro no período e 5) a área está totalmente cicatrizada e não ostenta caráter permanente e 6) a autora deve ser condenada ao pagamento de multa por litigância de má-fé, porque distorceu a realidade dos fatos (f. 45/53).

Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:

Diante do exposto, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Alexandra Alves Borges para condenar o Município de Araranguá ao pagamento:

a) de indenização pelos danos morais, na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com juros a contar do evento danoso (20/05/2014), e correção monetária, a contar da presente decisão, de acordo com critérios de atualização previstos na Lei 11.960/2009;

b) de indenização pelos danos materiais - pertinentes aos gastos relativos à cirurgia estética - no valor de R$ 6.100,00 (seis mil e cem reais), além de juros de mora, a contar da data do evento danoso (20/05/2014), e correção monetária, a contar da data do orçamento (29/02/2016), de acordo com critérios de atualização previstos na Lei 11.960/2009.

JULGO IMPROCEDENTE, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, o pedido de lucros cessantes.

Diante da sucumbência recíproca, arcam as partes com custas - 70% para o requerido e 30% para a requerente -, isentada a parte ré, na forma do art. 35, h, da Lei Complementar Estadual 156/97. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios em favor do advogado da autora, estes que fixo em 10% sobre o valor da condenação. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor do advogado da parte ré, estes que estabeleço em 10% sobre o valor atualizado da causa. As verbas atinentes à parte autora ficam com a exigibilidade suspensa, na forma do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil.

Como houve também sucumbência quanto ao pedido indenizatório, que envolvia a prova pericial, condeno a parte ré ao pagamento de 70% do custo e autora, ao pagamento de 30% dos honorários do expert.

Todavia, como a parte autora é beneficiária da justiça gratuita e diante da denúncia do Convênio nº 81/2012 e da revogação da Circular nº 20/2015, intime-se o Estado de Santa Catarina para que, nos termos do art. 95,§3º, II, do CPC, proceda ao pagamento do valor de R$ 150,00 equivalente a 30% dos honorários periciais que devem ser arcados pela requerente (a ser corrigido monetariamente desde o arbitramento até a data do efetivo pagamento), no prazo de 15 dias, sob pena de sequestro de valores. A parte ré deve efetuar o pagamento de R$ 350,00 (a ser corrigido monetariamente desde o arbitramento até a data do efetivo pagamento), na forma do art. 91, §2º, do CPC. Autorizada desde já a expedição de alvará ao perito. (f. 153/161)

Ambas as partes recorreram.

O Município alegou que: 1) o expert afirmou que o edema pode ter sido causado pela demandante em momento posterior ao atendimento na UPA, razão por que não ficou demonstrado o nexo causal; 2) inexiste conduta ilícita, porque o perito não apontou imperícia no procedimento adotado; 3) o valor da compensação do dano moral deve ser minorado para R$ 3.000,00; 4) os juros moratórios devem incidir da data do orçamento da cirurgia e não do dia do evento danoso, porque o procedimento não foi realizado (f. 182/185).

A autora, em adesivo, postulou a condenação do requerido ao pagamento de lucros cessantes e a majoração da quantia do dano moral (f. 209/213).

Com as contrarrazões (f. 203/208 e 220/224), a d. Procuradoria-Geral de Justiça entendeu ausente o interesse ministerial (f. 218).


VOTO

Os recursos serão analisados conjuntamente, a partir de cada tema debatido.

1. Dever de indenizar

Tratando-se de ação ou omissão estatal, não há falar em elemento subjetivo (dolo ou culpa), que, na responsabilidade civil objetiva, é de somenos importância (CF, art. 37, § 6º). Basta a comprovação do ato ilícito, dano e nexo de causalidade.

No caso, diferentemente do que alega o Município, há prova do nexo de causalidade.

O expert atestou que:

[...] foi realizada injeção na região glútea de medicação anti inflamatória e analgésica. Tal procedimento foi realizado em região não usual (quadrante supero-interno da nádega, quando a técnica mais indicada é no quadrante supero-externo). [...]

É possível que houve imperícia na prática de administração do medicamento quanto a escolha do local, mas não é possível dizer se a técnica de aplicação propriamente dita houve ou não imperícia. O abscesso que a autora apresentou pode ter causas múltiplas, desde uma contaminação da seringa, agulha ou até problema próprio inerente da autora.

[...] os problemas eventualmente de ordem da autora poderia estar relacionado com baixa imunidade, porém se fala genericamente uma vez que não houve comprovação de tal fato. ( f. 96 e 115)

Como se vê, a injeção foi aplicada em local incomum, mas inexiste afirmação categórica de que a necrose decorreu disso, já que pode ter sido decorrência de problemas da autora, como a baixa imunidade.

Tais conclusões geram certa dúvida que, contudo, é dirimida por meio do prontuário médico que contém a informação de que a "paciente veio para avaliação médica devido a lesão/cicatriz na região glútea, devido a delimitação IM incorreta" (grifou-se) (f. 14).

Ainda, quando do retorno da autora à UPA, o médico assinalou a suspeita de necrose por Injeção Intramuscular e a encaminhou para o Hospital (f. 12). Vejamos:

Na ficha de internação há relato de que a demandante compareceu "apresentando lesão necrosada em região glútea após uso de diclofenaco IM" (f. 19).

Nos termos dos documentos médicos, não há registro de suspeita de a origem da necrose ser de problemas da demandante, e sim de aplicação errônea da injeção.

Como bem fundamentou a MM. Juíza Lígia Boettger Mottola:

Ficou devidamente demonstrado nos autos que a parte autora recebeu uma injeção intramuscular aplicada incorretamente, que, conforme bem salientou o perito, deu-se em local não usual, onde posteriormente surgiu uma área de necrose. Resta comprovada, portanto, a ação imperita da agente estatal, já que não se observaram as técnicas de aplicação em local adequado da referida injeção.

Por sua vez, competia à parte ré comprovar que a aplicação se deu em local correto, que foram empregadas as técnicas corretas de aplicação, que a...

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