Acórdão Nº 0301520-68.2016.8.24.0081 do Quarta Câmara de Direito Civil, 11-11-2021

Número do processo0301520-68.2016.8.24.0081
Data11 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0301520-68.2016.8.24.0081/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: PANELACO ALIMENTOS LTDA APELADO: LENECI CARNEIRO

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 121 dos autos de primeiro grau), por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Trata-se de ação indenizatória interposta por Leneci Carneiro em face de Agromaza - Indústria e Comércio de Cereais Ltda, ambos qualificados, visando a reparação de dano extrapatrimonial. Aduziu a autora ter adquirido 02 kg de arroz da marca Panelaço, lote 116, na data de 05/08/2016, e após ter preparado uma porção para o almoço e ingerir parte do produto preparado, constatou a presença de insetos. Diante da ingestão de produto contaminado, sentiu-se abalada psicologicamente, requerendo a condenação da ré em danos morais. Foi deferido o pedido de gratuidade da justiça, assim como determinada a inversão do ônus da prova (p. 16). Citada, a ré apresentou contestação às pgs. 26-31. Em sede preliminar, requereu a extinção do feito diante da ausência da autora à audiência de conciliação, ou alternativamente, a imposição de multa. Quanto ao mérito, afirmou, em síntese, que não há prova dos fatos nos autos, notadamente diante da ausência de qualquer documento comprobatório na narrativa contida na exordial. Asseverou que embora a responsabilidade seja objetiva, visto tratar-se de lide consumerista, não há prova do fato lesivo e do nexo de causalidade, atribuindo os fatos à culpa exclusiva do consumidor. Aludiu a existência de laudo relativo ao lote do produto, o qual demonstra a inexistência de impurezas e corpos estranhos. Ao final, aduziu que não há danos morais a serem indenizados, pois os fatos representam simples aborrecimento cotidiano. A autora apresentou réplica (pgs. 38-41). Instados a especificarem as provas que pretendiam produzir, a autora requereu a produção de prova testemunhal e pericial. A parte ré requereu a produção de prova pericial.O feito foi saneado e deferida a prova requerida pelas partes. O laudo pericial foi juntado às pgs. 106-119, e a prova testemunhal consta à p. 157. A autora apresentou alegações finais remissivas, em sede de audiência de instrução, enquanto a ré as apresentou por memoriais às pgs. 158-163.

O Magistrado julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil para o fim de condenar a ré ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) em favor do autor, a título de danos morais, devidamente corrigido pelo índice INPC/IBGE a partir da presente data e acrescido de juros de 1% ao mês a contar do evento danoso (05/08/2016). Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e na integralidade dos honorários periciais, além de honorários advocatícios, os quais fixo em 12% do valor da condenação, conforme art. 85, §2º do CPC.

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré interpôs apelação, na qual alega ter juntado aos autos seu alvará sanitário e o laudo de classificação de arroz beneficiado parboilizado polido do mesmo lote ao do objeto da demanda, subscrito por classificador competente para atestar a qualidade, que apontou a ausência de qualquer matéria estranha ou impureza no produto, ou seja, o arroz comprado pela apelada estava apto para o consumo.

Argumenta que o laudo pericial produzido nos autos por perito competente e de confiança do juízo concluiu ser impossível lhe atribuir qualquer responsabilidade pela contaminação do produto consumido, destacando que a impureza do produto não foi originada na unidade fabril, mas em locais em que as embalagens foram mantidas estocadas.

Assevera que o depoimento da testemunha arrolada intempestivamente pela apelada foi tomado na qualidade de informante, que se restringiu a apontar que a autora consumiu em um determinado dia o produto contaminado, sem que pudesse comprovar a origem de referida contaminação.

Ressalta que a conclusão do juízo de que a apelada não mantinha o produto em estoque em sua residência é mera convicção pessoal, sem encontrar respaldo probatório e o mínimo de prova que embase a pretensão da acionante.

Aduz que a apelada deveria produzir prova do momento e local em que o produto foi adquirido e consumido, além de ausente atestado médico de risco a saúde, o que afasta o pleito indenizatório, pois a ingestão do produto contaminado se resumiu a sensação de repugnância.

Requer o provimento do recurso, para que seja reformada a sentença e julgados improcedentes os pedidos deduzidos na peça vestibular, com a inversão dos encargos sucumbenciais.

Contrarrazões no evento 127.

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Observe-se que essa salutar alteração legislativa significou uma importante medida destinada à melhor gestão dos processos aptos a julgamento, pois permitiu a análise de matérias reiteradas e a apreciação em bloco de demandas ou recursos que versem sobre litígios similares sem que haja a necessidade de espera na "fila" dos feitos que aguardam decisão final, o que contribui sobremaneira na tentativa de descompressão da precária realidade que assola o Poder Judiciário em decorrência do assombroso número de lides jurisdicionalizadas.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

A controvérsia instaurada no presente recurso se refere a responsabilidade civil da apelante em razão da ingestão de arroz contaminado de sua fabricação pela apelada.

A fim de contextualizar a matéria fática, constata-se que na peça exordial da ação indenizatória por danos morais a consumidora alegou que, em 5-8-2016, "adquiriu no comércio local, dentre outros produtos 02 (dois) quilos de arroz da marça PANELAÇO, código de barra nº 7.897172500208, fabricado em 04/01/2016, validade 04/01/2017 - loto 1 16".

E, prossegue a autora na petição inicial (evento 1, petição 1, fl. 2):

Ocorre que a autora, no corre-corre do dia, já que trabalha fora, e ainda precisa cuidar dos afazeres domésticos, serviu-se do arroz e, somente depois da ingestão da primeira "garfada", constatou a existência de um bicho/inseto no prato da Autora e, outros foram encontrados dentro da panela do arroz.

Assim, afirmou que tal fato lhe causou ojeriza e indignação, devendo ser indenizada por danos morais em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Em contestação (evento 13), a ré, em síntese, aduziu a existência de laudo técnico atestando a ausência de corpo estranho ou impureza no lote dos produtos adquiridos pela autora, devendo ser afastado o pleito indenizatório.

Após a realização de prova pericial e a oitiva de um informante, sobreveio a sentença de parcial procedência, condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais, sob os seguintes fundamentos:

Conforme laudo pericial juntado às pgs. 106-119, os produtos apresentados pela autora apresentaram "uma espécie de teia, formada por fios de seda, sendo esta uma formação característica da larva de traça dos cereais (Ephestia Keuhniella), indicando que as mesmas estavam em seu processo de encasulamento. (...) Foi identificada a presença de diversas sujidades (farelos de arroz, restos metabólicos, entre outras) no interior das embalagens" (p. 106). Portanto, resulta suficientemente comprovada a contaminação do produto. Por outro lado, esclareceu o perito que referida contaminação ocorreu após procedimento de empilhamento das embalagens de arroz, a qual não se coaduna à técnica adotada pelo fabricante, posto fazer uso de dupla embalagem. Manifestou ainda que, considerando a data de fabricação e da aquisição do produto, possivelmente a contaminação tenha ocorrido no supermercado em que adquirido, ou na residência da autora, pelo tempo decorrido entre os fatos narrados na exordial e a data em que entregue o produto para perícia, posto que a fase de incubação até a fase larval leva em torno de 40 dias, tendo decorrido aproximadamente 07 meses (item 17, p. 111). Constatou ainda que houve perfurações apenas nas laterais das embalagens, o que denota que a contaminação tenha ocorrido enquanto o produto estava empilhado (item 17, p. 111), não havendo "indícios de violação intencional" (item 18, p. 111). Já da prova testemunhal, através de informante apresentado pela parte autora, vislumbra-se a confirmação de que esta, na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT