Acórdão Nº 0301526-74.2015.8.24.0028 do Câmara de Recursos Delegados, 29-03-2022
Número do processo | 0301526-74.2015.8.24.0028 |
Data | 29 Março 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Câmara de Recursos Delegados |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
AGRAVO INTERNO EM Apelação Nº 0301526-74.2015.8.24.0028/SC
RELATOR: Desembargador SALIM SCHEAD DOS SANTOS
AGRAVANTE: ANDLER BONETTI ZANETTE AGRAVADO: OSNI MAFIOLETTI
RELATÓRIO
Andler Bonetti Zanette, com fundamento nos arts. 1.021 e 1.030, § 2º, ambos do Código de Processo Civil, interpôs o presente agravo interno contra a decisão da 3ª Vice-Presidência desta Corte que, amparada em precedente do Supremo Tribunal Federal [ARE n. 748.371 RG/MT - (Tema 660)], negou seguimento ao recurso extraordinário (evento 118).
O agravante sustentou o equívoco da decisão agravada, porque não sria aplicável a tese firmada pela Suprema Corte no julgamento paradigmático (Tema 660). Nesta perspectiva, afirmou que o magistrado de primeiro grau não se pronunciara sobre o requerimento de prova pericial, violando diretamente aos princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal.
Fez outras considerações a respeito da matéria discutida nos autos e, por fim, requereu o provimento do presente agravo interno, para viabilizar o trâmite do recurso extraordinário (evento 124).
A parte agravada apresentou contraminuta, pugnando pelo desprovimento do recurso, com a manutenção integral da decisão combatida. Pleiteou, ainda, a majoração da multa por litigância de má-fé (evento 127).
Em sede de juízo de retratação, foi mantida a decisão agravada e determinou-se o encaminhamento do agravo interno à Secretaria da Câmara de Recursos Delegados, para oportuna inclusão em pauta, nos termos do Regimento Interno do Tribunal de Justiça (evento 130).
É o relatório.
VOTO
Imperativo anotar, ab initio, que o art. 1.030, I, "a" e "b", do Código de Processo Civil, assim determina:
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: I - negar seguimento:
a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos.
O § 2º, do art. 1.030, do diploma processual, por sua vez, estabelece que "da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021" e, não havendo retratação, como neste caso, o agravo será levado "a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta" (artigo 1.021, § 2º, do CPC).
No mérito, há que se desprover o agravo interno.
A 3ª Vice-Presidência deste Tribunal negou seguimento ao recurso extraordinário quanto à alegada violação ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, porque o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 748.371 RG/MT (Tema 660), reconheceu que se trata de matéria sem repercussão geral, quando necessário o exame de legislação infraconstitucional.
O Agravo em Recurso Extraordinário utilizado como paradigma está assim ementado:
Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral. (STF - ARE n. 748.371 RG/MT (TEMA 660), rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 06.06.2013).
Dos fundamentos do voto, extrai-se:
Inicialmente, verifico que o recurso extraordinário fundou-se em suposta violação ao princípio da ampla defesa, em virtude da ausência de intimação para manifestação acerca de cálculos referentes à purgação da mora que fora requerida.
Sobre o tema, relembro que a ampla defesa possui densidade constitucional, portanto admite, em situações excepcionais de manifesto esvaziamento do princípio, o acesso à jurisdição desta Suprema Corte, por meio de recurso extraordinário.
A propósito, assinalou a Corte Constitucional alemã: Na interpretação do direito ordinário, especialmente dos conceitos gerais indeterminados (Generalklausel), devem os tribunais levar em conta os parâmetros fixados na Lei Fundamental. Se o tribunal não observa esses parâmetros, então ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de observar; nesse caso, o julgado deve ser cassado no processo de recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde).
Não há dúvida, por outro lado, de que essa orientação prepara algumas dificuldades, podendo converter a Corte Constitucional em autêntico Tribunal de revisão.
É que, se a lei deve ser aferida em face de toda a Constituição, as decisões hão de ter a sua legitimidade verificada em face da Constituição e de toda a ordem jurídica. Se se admitisse que toda decisão contrária ao direito ordinário é uma decisão inconstitucional, ter-se-ia de acolher, igualmente, todo e qualquer recurso constitucional interposto contra decisão judicial ilegal.
Por essas razões, procura o Tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o Juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial. Não raras vezes, observa a Corte Constitucional que determinada decisão judicial afigura-se insustentável, porque assente numa interpretação objetivamente arbitrária da norma legal (Sie beruth vielmehr auf schlechthin unhaltbarer und damit objektiv willkürlicher Auslegung der angewenderen Norm).
Embora o modelo de controle de constitucionalidade exercido pelo Bundesverfassungsgericht revele especificidades em relação ao modelo brasileiro, é certo que a ideia de que a não-observância do direito ordinário pode configurar uma afronta ao próprio direito constitucional tem aplicação também entre nós.
Ressalte-se, ainda, que, no Brasil, os possíveis abusos cometidos na aplicação da lei como o afastamento completo de sua incidência podem configurar ofensa direta ao art. 97 da Constituição e à Súmula Vinculante 10 desta Corte, ensejando até mesmo a propositura de reclamação constitucional.
Não obstante todas essas premissas, verifico que a controvérsia no caso sob exame limita-se à suposta má aplicação da legislação infraconstitucional, sobretudo do Código de Processo Civil.
Registro que o Supremo Tribunal Federal tem, reiteradamente, negado seguimento monocraticamente a casos como este [...].
Ocorre que a repercussão geral, como sistemática de racionalização do julgamento de recursos extraordinários por meio da seleção de processos paradigmas de controvérsias, possibilita à Corte fixar diretriz sobre os temas controvertidos, para que o entendimento seja replicado nos processos repetitivos, pelos tribunais de origem.
Portanto, é preciso que o Supremo Tribunal Federal transponha a dificuldade de julgamentos monocráticos individualizados de processos repetitivos, cuja consequência é sempre a não admissibilidade, para racionalizar o julgamento dessas demandas natimortas. Verifico, ainda, que o mesmo raciocínio acima apresentado se aplica às questões em que se invocam violações aos princípios do contraditório, e do devido processo legal, bem como aos limites da coisa julgada. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a suposta afronta a tais postulados, se dependente de prévia violação de normas...
RELATOR: Desembargador SALIM SCHEAD DOS SANTOS
AGRAVANTE: ANDLER BONETTI ZANETTE AGRAVADO: OSNI MAFIOLETTI
RELATÓRIO
Andler Bonetti Zanette, com fundamento nos arts. 1.021 e 1.030, § 2º, ambos do Código de Processo Civil, interpôs o presente agravo interno contra a decisão da 3ª Vice-Presidência desta Corte que, amparada em precedente do Supremo Tribunal Federal [ARE n. 748.371 RG/MT - (Tema 660)], negou seguimento ao recurso extraordinário (evento 118).
O agravante sustentou o equívoco da decisão agravada, porque não sria aplicável a tese firmada pela Suprema Corte no julgamento paradigmático (Tema 660). Nesta perspectiva, afirmou que o magistrado de primeiro grau não se pronunciara sobre o requerimento de prova pericial, violando diretamente aos princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal.
Fez outras considerações a respeito da matéria discutida nos autos e, por fim, requereu o provimento do presente agravo interno, para viabilizar o trâmite do recurso extraordinário (evento 124).
A parte agravada apresentou contraminuta, pugnando pelo desprovimento do recurso, com a manutenção integral da decisão combatida. Pleiteou, ainda, a majoração da multa por litigância de má-fé (evento 127).
Em sede de juízo de retratação, foi mantida a decisão agravada e determinou-se o encaminhamento do agravo interno à Secretaria da Câmara de Recursos Delegados, para oportuna inclusão em pauta, nos termos do Regimento Interno do Tribunal de Justiça (evento 130).
É o relatório.
VOTO
Imperativo anotar, ab initio, que o art. 1.030, I, "a" e "b", do Código de Processo Civil, assim determina:
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: I - negar seguimento:
a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos.
O § 2º, do art. 1.030, do diploma processual, por sua vez, estabelece que "da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021" e, não havendo retratação, como neste caso, o agravo será levado "a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta" (artigo 1.021, § 2º, do CPC).
No mérito, há que se desprover o agravo interno.
A 3ª Vice-Presidência deste Tribunal negou seguimento ao recurso extraordinário quanto à alegada violação ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, porque o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 748.371 RG/MT (Tema 660), reconheceu que se trata de matéria sem repercussão geral, quando necessário o exame de legislação infraconstitucional.
O Agravo em Recurso Extraordinário utilizado como paradigma está assim ementado:
Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral. (STF - ARE n. 748.371 RG/MT (TEMA 660), rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 06.06.2013).
Dos fundamentos do voto, extrai-se:
Inicialmente, verifico que o recurso extraordinário fundou-se em suposta violação ao princípio da ampla defesa, em virtude da ausência de intimação para manifestação acerca de cálculos referentes à purgação da mora que fora requerida.
Sobre o tema, relembro que a ampla defesa possui densidade constitucional, portanto admite, em situações excepcionais de manifesto esvaziamento do princípio, o acesso à jurisdição desta Suprema Corte, por meio de recurso extraordinário.
A propósito, assinalou a Corte Constitucional alemã: Na interpretação do direito ordinário, especialmente dos conceitos gerais indeterminados (Generalklausel), devem os tribunais levar em conta os parâmetros fixados na Lei Fundamental. Se o tribunal não observa esses parâmetros, então ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de observar; nesse caso, o julgado deve ser cassado no processo de recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde).
Não há dúvida, por outro lado, de que essa orientação prepara algumas dificuldades, podendo converter a Corte Constitucional em autêntico Tribunal de revisão.
É que, se a lei deve ser aferida em face de toda a Constituição, as decisões hão de ter a sua legitimidade verificada em face da Constituição e de toda a ordem jurídica. Se se admitisse que toda decisão contrária ao direito ordinário é uma decisão inconstitucional, ter-se-ia de acolher, igualmente, todo e qualquer recurso constitucional interposto contra decisão judicial ilegal.
Por essas razões, procura o Tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o Juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial. Não raras vezes, observa a Corte Constitucional que determinada decisão judicial afigura-se insustentável, porque assente numa interpretação objetivamente arbitrária da norma legal (Sie beruth vielmehr auf schlechthin unhaltbarer und damit objektiv willkürlicher Auslegung der angewenderen Norm).
Embora o modelo de controle de constitucionalidade exercido pelo Bundesverfassungsgericht revele especificidades em relação ao modelo brasileiro, é certo que a ideia de que a não-observância do direito ordinário pode configurar uma afronta ao próprio direito constitucional tem aplicação também entre nós.
Ressalte-se, ainda, que, no Brasil, os possíveis abusos cometidos na aplicação da lei como o afastamento completo de sua incidência podem configurar ofensa direta ao art. 97 da Constituição e à Súmula Vinculante 10 desta Corte, ensejando até mesmo a propositura de reclamação constitucional.
Não obstante todas essas premissas, verifico que a controvérsia no caso sob exame limita-se à suposta má aplicação da legislação infraconstitucional, sobretudo do Código de Processo Civil.
Registro que o Supremo Tribunal Federal tem, reiteradamente, negado seguimento monocraticamente a casos como este [...].
Ocorre que a repercussão geral, como sistemática de racionalização do julgamento de recursos extraordinários por meio da seleção de processos paradigmas de controvérsias, possibilita à Corte fixar diretriz sobre os temas controvertidos, para que o entendimento seja replicado nos processos repetitivos, pelos tribunais de origem.
Portanto, é preciso que o Supremo Tribunal Federal transponha a dificuldade de julgamentos monocráticos individualizados de processos repetitivos, cuja consequência é sempre a não admissibilidade, para racionalizar o julgamento dessas demandas natimortas. Verifico, ainda, que o mesmo raciocínio acima apresentado se aplica às questões em que se invocam violações aos princípios do contraditório, e do devido processo legal, bem como aos limites da coisa julgada. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a suposta afronta a tais postulados, se dependente de prévia violação de normas...
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