Acórdão Nº 0301540-80.2019.8.24.0040 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 05-10-2021

Número do processo0301540-80.2019.8.24.0040
Data05 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0301540-80.2019.8.24.0040/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: ROSEMARIE FINK (AUTOR) ADVOGADO: VITOR LEONARDO SCHMITT BERNARDONI (OAB SC049331) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: ANDRÉ LUIS SONNTAG (OAB SC017910)

RELATÓRIO

ROSEMARIE FINK ajuizou "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral" (RMC) em desfavor de Banco BMG S.A., ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido firmado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito; 2) a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais; 3) a aplicação do CDC com a inversão do ônus da prova; 4) a repetição do indébito, em dobro, e; 5) o benefício da justiça gratuita (evento 1).

Contestação no evento 9.

Ato contínuo, sobreveio sentença da qual se extrai a seguinte parte dispositiva (evento 23):

"Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES (CPC, art. 487, I) os pedidos formulados na inicial para, em consequência, revisar o contrato de cartão de crédito consignado entabulado entre as partes, nos seguintes termos:

a) limitar os juros remuneratórios ao valor exato da taxa média de mercado, que deverá ser aferida mês a mês para as operações de crédito com recursos livres - taxa média de juros - pessoas físicas - cartão de crédito rotativo (código 22022);

Havendo saldo positivo, a ser apurado em liquidação, a repetição de indébito (simples) ou a compensação é direito que assiste à parte autora, atualizado monetariamente pelo INPC e acrescido de juros legais de mora (1% ao mês), a contar da citação.

Há que se observar, para revisão e repetição/compensação, a prescrição quinquenal.

Condeno cada parte ao pagamento de metade das custas processuais e de honorários advocatícios de sucumbência ao procurador do adverso, estes fixados em R$ 700,00, na forma do artigo 85, § 8º, do CPC.

Fica suspensa a exigibilidade da verba sucumbencial cujo pagamento competiria à autora, posto que beneficiária da justiça gratuita.".

A casa bancária apresentou recurso de apelação referente aos processos conexos (evento n. 33), em apertada síntese, que a sentença merece reforma tendo em vista que ficou amplamente demonstrado que houve a contratação da operação de empréstimo mediante cartão de crédito, bem como ficou evidente a autorização do requerente em relação ao descontos efetuados a título de reserva de margem consignável. Sustentou, também, a legalidade da modalidade de empréstimo via emissão de cartão de crédito com averbação de reserva de margem consignável e a impossibilidade de conversão da modalidade de cartão para empréstimo pessoal. Por derradeiro, pugnou pela improcedência dos pedidos inaugurais.

Irresignada com o decisum de primeiro grau, a parte autora também apresentou recurso de apelação (evento n. 28) pela reforma da sentença vergastada para: a) reconhecer a nulidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC); b) deferir a condenação da casa bancária por dano moral; c) condenação da parte ré em custas e honorários advocatícios; d) condenação do indébito em dobro.

Contrarrazões (evento n. 40).

Este é o relatório.

VOTO



Tratam-se de recursos de apelação interpostos pelas partes contra sentença que, no âmbito da presente ação declaratória c/c pleitos condenatórios, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que o autor, ora apelado, realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados no seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ademais, que a modalidade possui previsão legal e não deve ser considerada como modalidade abusiva.

A parte autora, por sua vez, sustenta que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado".

Entretanto, apesar de os referidos documentos estarem formalmente perfeitos e possuírem a assinatura do requerente, ora apelado, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção do demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo consignado, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que os próprios extratos bancários juntados pela casa bancárias, demonstram que não houve a utilização do cartão de crédito pela parte demandante para compras ou serviços. Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do recorrido, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelado, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção do requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade do requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que o requerente iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese o requerente ter lançado sua assinatura nos documentos, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade deste (apelado)...

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