Acórdão Nº 0301590-92.2015.8.24.0090 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 10-12-2020

Número do processo0301590-92.2015.8.24.0090
Data10 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0301590-92.2015.8.24.0090

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. PEDIDO CONTRAPOSTO APRESENTADO QUANDO A DEMANDA TRAMITAVA PERANTE O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL RECEBIDO COMO RECONVENÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DO AUTOR E DE IMPROCEDÊNCIA DA RECONVENÇÃO.

RECURSO DA RÉ-RECONVINTE.

ALEGAÇÃO DE QUE FOI DEMONSTRADO NOS AUTOS A MÁ QUALIDADE DO SERVIÇO ODONTOLÓGICO PRESTADO PELO AUTOR, RAZÃO PELA QUAL OS DOIS CHEQUES FORAM SUSTADOS E NÃO SÃO DEVIDOS. PLEITO EM RECONVENÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS E MATERIAIS SOFRIDOS. PROVA DOCUMENTAL ACOSTADA AO PROCESSO QUE NÃO DEMONSTRA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DO AUTOR, POIS APENAS APONTA QUE NOVE MESES APÓS SUA ÚLTIMA CONSULTA, A AUTORA PROCUROU OUTRO PROFISSIONAL, O QUAL NÃO CERTIFICOU A EXISTÊNCIA DE ERRO/NEGLIGÊNCIA POR PARTE DO AUTOR-RECONVINDO. PARTE AUTORA QUE, APARENTEMENTE, INSATISFEITA ABANDONOU O TRATAMENTO E BUSCOU OUTRO DENTISTA, TODAVIA, NÃO PROCEDEU À RESCISÃO DO CONTRATO, APENAS SUSTANDO O PAGAMENTO DOS DOIS CHEQUES PENDENTES. AUSÊNCIA DE QUALQUER DOCUMENTO CONTEMPORÂNEO INFORMANDO A FALHA DO SERVIÇO PRESTADO. FATOS ALEGADOS NÃO COMPROVADOS. ÔNUS QUE INCUMBIA À RECONVINTE. TESES AFASTADAS. SENTENÇA MANTIDA.

SUCUMBENCIAL RECURSAL. ÓBICE À MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS, PORQUANTO JÁ FIXADOS NO PERCENTUAL MÁXIMO QUE AUTORIZA O ARTIGO 85, § 2º, DO CPC.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301590-92.2015.8.24.0090, da comarca da Capital 6ª Vara Cível em que é Apelante Cleréa Bittencourt Éboli e Apelado Danúbio Heron Rodrigues.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Nunes Born, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Mariano do Nascimento e José Maurício Lisboa.

Florianópolis, 10 de dezembro de 2020.

Desembargador Luiz Zanelato

Relator


RELATÓRIO

Danúbio Heron Rodrigues ajuizou ação de locupletamento ilícito contra Cleréa Bittencourt Éboli, na qual requer o pagamento de R$ 3.657,70 (três mil seiscentos e cinquenta e sete reais e setenta centavos), referente ao inadimplemento de dois cheques dados em pagamento de serviço ortodôntico.

À fl. 14 foi determinada a emenda da petição inicial, o que foi cumprido às fls. 20-22.

Devidamente citada, a ré apresentou contestação cumulada com pedido contraposto (fls. 28-36), argumentando, em resumo, que houve falha na prestação do serviço, o qual sequer foi finalizado, motivo pelo qual sustou os dois cheques objetos da demanda. No pedido contraposto, alegou que precisou procurar outro profissional para refazer e finalizar o serviço, pugnando, assim por indenização por danos materiais e morais.

Réplica às fls. 52-64, requerendo o autor a procedência de seus pedidos e, consequentemente, a improcedência do pedido contraposto. Além disso, juntou documentos (fls. 65-73), sobre os quais a ré se manifestou (fls. 77-79).

Acerca das provas a serem produzidas, apenas a ré pugnou pelo depoimento pessoal das partes e de testemunhas (fls. 77-79 e 80).

Na audiência de instrução e julgamento (fl. 253), foi dispensada a oitiva das parte e testemunhas.

A demanda juntou novos documentos (fls. 254-264).

Alegações finais pelo autor (fls. 265-267)

O juízo do Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade determinou a remessa dos autos a uma das Varas Cíveis da Capital (fl. 270), que recebeu o processo e possibilitou às partes informarem as provas que pretendiam produzir (fl. 293), manifestando-se apenas o autor (fls. 296 e 297).

Na data de 27-3-2019, o juiz da causa, Dr. Fernando de Castro Faria, julgou procedentes os pedidos iniciais e improcedentes o pedidos da reconvenção, o que se deu nos seguintes termos (fls. 298-301):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por Danúbio Heron Rodrigues em desfavor de Cleréa Bittencourt Éboli, extinguindo o feito com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR a requerida ao pagamento da quantia de R$ 3.060,00 (três mil e sessenta reais), acrescida de correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambas as verbas desde o decurso do prazo de apresentação de cada título, por cuidar de mora ex re.

Por outro lado, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados em sede de reconvenção, extinguindo-a, da mesma forma, com resolução do mérito.

Condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que arbitro em 20% sobre o valor atualizado da condenação, nos moldes do art. 85, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, observado o procedimento das custas e nada requerido, arquivem-se.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação (fls. 305-310), pugnando, preliminarmente, pela concessão da gratuidade judiciária. No mérito, argumentou, em síntese, que: (a) os cheques foram sustados, em razão da falha no serviço prestado pelo autor; (b) o tratamento deveria acontecer nas duas arcadas, porém foi realizado apenas em uma, logo, os serviços prestados correspondem a apenas 50% do valor total; (c) os cheques foram sustados porque nunca lhe foi dada atenção para as queixas de dores; (d) teve que procurar outro profissional para corrigir/finalizar o procedimento; (e) a demanda proposta pelo autor deve ser julgada improcedente; (f) os pedidos contrapostos devem ser julgados procedentes para condenar o autor ao pagamento dos danos materiais, referentes ao segundo tratamento que teve que se submeter e de danos morais, pois a imperícia do autor trouxe profundo abalo ao seu íntimo.

Contrarrazões às fls. 315-319.

O recurso ascendeu ao Tribunal de Justiça e foi distribuído a esta relatoria por sorteio (fls. 315-319).

Em cumprimento ao despacho de fl. 324, a ré apresentou documentos (fls. 327-345).

Pela decisão de fls. 346-350 foi indeferida a gratuidade da justiça à apelante e oportunizada a comprovação do pagamento do preparo recursal, o que foi cumprido às fls. 352-354.

Retornaram os autos conclusos.

Este é o relatório.


VOTO

1. Juízo de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Anota-se que o pedido contraposto realizado na contestação, quando o feito ainda tramitava perante o Juizado Especial Cível, foi recebido pela sentença como reconvenção (fl. 300).

Nesse sentido, inclusive é a orientação jurisprudencial desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (ART. 267, III, CPC). SENTENÇA QUE DEIXOU DE SE MANIFESTAR SOBRE A RECONVENÇÃO. AÇÃO AJUIZADA NO JUIZADO ESPECIAL. FORMULAÇÃO DE PEDIDO CONTRAPOSTO NA CONTESTAÇÃO. POSTERIOR CONVERSÃO AO RITO ORDINÁRIO. PEDIDO CONTRAPOSTO QUE DEVE SER RECEBIDO COMO RECONVENÇÃO, EM RESPEITO AO PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. EXTINÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL QUE NÃO OBSTA O PROSSEGUIMENTO DA RECONVENÇÃO (ART. 317, CPC). NECESSIDADE DE ANÁLISE DA RECONVENÇÃO PELA MESMA SENTENÇA QUE JULGA A AÇÃO PRINCIPAL (ART. 318, CPC). SENTENÇA CITRA PETITA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA APRECIAÇÃO DO PLEITO RECONVENCIONAL. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível n. 2014.016188-2, de Araranguá, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 03-07-2014).

Desse modo, não há óbice para a apreciação dos pedidos da ré-reconvinte, logo, conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

2. Fundamentação

Cuida-se de apelação cível interposta contra a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação de locupletamento ilícito e, por consequência, julgou improcedentes os pedidos da reconvenção.

Insurge-se a ré-reconvinte sob o fundamento, em síntese, de que demonstrou que a sustação dos dois cheques se deu pela má na prestação do serviço do autor-reconvindo, o que foi demonstrado pelos documentos anexados ao processo.

Sabe-se que o cheque é título de crédito e que uma de suas principais características é a autonomia das obrigações cambiais, segundo a qual "o título de crédito configura documento constitutivo de direito novo, autônomo, originário e completamente desvinculado da relação que lhe deu origem" (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 434).

Na causa em apreço, no entretanto, não houve a circulação dos cheques objetos da ação, pois é fato incontroverso nos autos que as partes possuíam relação jurídica contratual, a qual pode ser debatida em sede de ação de locupletamento ilícito.

O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a possibilidade de discussão da causa debendi nas hipóteses em que o título de crédito não circulou, conforme emerge dos julgados que vão transcritos:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. AUTONOMIA E ABSTRAÇÃO. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO DA CÁRTULA. FALTA DE LIQUIDEZ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. "Não obstante sejam a autonomia e a abstração características dos títulos de crédito em geral, decorrendo disso a inoponibilidade de exceções pessoais, são garantias que somente se justificam em caso de título posto em circulação, e em relação ao terceiro de boa-fé (endossatário). Não havendo circulação, no entanto, estando, pois, ainda atrelado à relação jurídica originária...

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