Acórdão Nº 0301655-64.2017.8.24.0075 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 20-02-2020

Número do processo0301655-64.2017.8.24.0075
Data20 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemTubarão
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0301655-64.2017.8.24.0075

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS EM EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONSTRIÇÃO JUDICIAL QUE RECAIU SOBRE VEÍCULO DE POSSE DO AUTOR. SENTENÇA QUE REJEITOU O PEDIDO INICIAL, POR COMPREENDER IMPOSSÍVEL A TRANSFERÊNCIA DE BEM GRAVADO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA REALIZADA PELO EXECUTADO.

INSURGÊNCIA DO EMBARGANTE.

TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DE BEM MÓVEL QUE SE PERFECTIBILIZA COM A TRADIÇÃO. ELEMENTOS DE PROVA QUE DEMONSTRAM QUE O AUTOMÓVEL ESTAVA NA POSSE E USO DO TERCEIRO-EMBARGANTE ANTES DA CITAÇÃO DO EXECUTADO NA DEMANDA PRINCIPAL. PRESUNÇÃO LEGAL DE BOA-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE. NÃO COMPROVAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO. RESTRIÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO NO SISTEMA RENAJUD QUE DEVE SER DESCONSTITUÍDA.

"Quando se trata de contrato de compra e venda, entre particulares, de veículo automotor alienado fiduciariamente perante instituição financeira, deve-se distinguir os planos de validade e de eficácia do negócio jurídico. Não se pode dizer, respeitados os elementos previstos no art. 104 do Código Civil, que a compra e venda, entre particulares, de veículo alienado fiduciariamente perante alguma instituição financeira seja inválido, porquanto nosso ordenamento tutela tanto a posse como a propriedade e, por isso, conquanto em hipóteses tais não haja a transferência do domínio do bem - que até a quitação do financiamento pertente ao proprietário fiduciário -, o ato implica na validade da transmissão da posse direta. O negócio de compra e venda, em tais termos, não é inválido porque ausente a anuência do proprietário fiduciário tonando-se em relação a ele, portanto, apenas ineficaz.

Em tal cenário, inadimplido o contrato de financiamento com alienação fiduciária, o proprietário fiduciário terá condições de exercitar seu direito, esteja o bem em poder do devedor ou de terceiro adquirente. Se se trata, porém, de embargos opostos pelo terceiro adquirente em ação judicial proposta por um credor diverso, desprovido de qualquer garantia, principalmente da fiduciária, contra o devedor fiduciante, não se pode reconhecer a invalidade do negócio de compra e venda firmado entre devedor fiduciante e terceiro embargante apenas ao fundamento de ausência de anuência do proprietário fiduciário, haja vista que é possível a defesa exclusiva da posse do bem via embargos de terceiro.

[...]

Na forma do art. 1.046 do CPC/73, vigente à época da apreensão indevida e da propositura da ação, e do art. 674 do CPC/15, vigente por ocasião da prolação da sentença, são requisitos para a oposição de embargos de terceiro: (a) que o embargante seja possuidor da coisa; (b) que seja terceiro; e, (c) que esteja presente um ato de apreensão judicial. Demonstrados satisfatoriamente tais requisitos nos autos, de mister a procedência dos embargos [...]" (Apelação Cível n. 0001885-45.2010.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 14-6-2018).

ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. NEGLIGÊNCIA DO TERCEIRO EMBARGANTE EM NÃO PROVIDENCIAR O COMPETENTE REGISTRO DE AQUISIÇÃO DO VEÍCULO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO QUE DEU CAUSA À CONSTRIÇÃO INDEVIDA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 303 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CUSTAS E HONORÁRIOS SUPORTADOS PELO DEMANDANTE. EXIGIBILIDADE SUSPENSA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 98, § 6º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

"Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios" (Súmula n. 303/STJ).

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301655-64.2017.8.24.0075, da comarca de Tubarão 1ª Vara Cível em que é Apelante Roger Dorlei Stein da Silva e Apelado Banco do Brasil S/A.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Nunes Born, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Carlos Adilson Silva e Mariano do Nascimento.

Florianópolis, 20 de fevereiro de 2020.

Desembargador Luiz Zanelato

Relator


RELATÓRIO

Roger Dorlei Stein da Silva interpôs recurso de apelação da sentença de fls. 100-101, proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Tubarão, nos autos dos embargos de terceiro opostos em face do exequente, Banco do Brasil S/A, que rejeitou os embargos e condenou o embargante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa consoante o art. 98, § 6º, do Código de Processo Civil.

Exsurge dos autos que Roger Dorlei Stein da Silva opôs os embargos de terceiro em face do Banco do Brasil sob o argumento de que veículo o qual lhe pertence foi indevidamente alvo de constrição judicial nos autos da execução n. 0302618-43.2015.8.24.0075, porquanto o adquiriu legalmente. Requereu a concessão da justiça gratuita, da tutela antecipada, e, ao final, a procedência total do pedido inicial (fls. 1-7).

Devidamente citado (fl. 36), o réu apresentou contestação, argumentando, em síntese, a ocorrência de fraude à execução e ausência de boa-fé do terceiro (fls. 44-48).

Às fls. 49-56, a gratuidade judiciária foi concedida.

Na data de 27 de setembro de 2018, o juiz da causa, Dr. Edir Josias Silveira Back, prolatou sentença nos seguintes termos:

Os embargos de terceiro servem a quem, não sendo parte no processo, "sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo", podendo requerer "seu desfazimento ou sua inibição", nos moldes do artigo 674, caput, do Código de Processo Civil.

O embargante sustenta ter adquirido, em dezembro de 2015, o automóvel identificado pela placa MHO 9578.

Quando do referido negócio, todavia, já existia alienação fiduciária em favor de BV Financeira, o que foi devidamente lançado nos registros públicos do veículo (página 10, referente a 2014).

O dossiê eletrônico do automóvel, hoje consultado por este Juízo, demonstra que a alienação ainda permanece gravada sobre o bem.

Pelo contrato de alienação fiduciária, sabe-se, o devedor entrega ao credor a propriedade resolúvel e a posse indireta da coisa, permanecendo só e tão somente com a posse direta até que resolvido o negócio.

Significa dizer que Lírio da Silva não poderia transferir o veículo a ninguém pura e simplesmente porque a propriedade não lhe pertencia.

O negócio, ademais, deu-se à revelia da credora fiduciária, real proprietária do bem, daí porque revestido de clandestinidade e, portanto, incapaz de induzir posse justa ao terceiro embargante, isto nos conformes do artigo 1.208 do Código Civil.

Embora não desconhecido o teor do décimo artigo do Código de Processo Civil, não se consegue imaginar qualquer prévio argumento que pudesse afastar a conclusão decorrente do documento apresentado pelo próprio embargante na página 10, com teor hoje confirmado em consulta aos registros públicos.

Não possuindo o embargante propriedade ou legítima posse sobre o bem móvel, não há como dar resposta diversa da negativa ao pedido tal como formulado.

Ante o exposto,

REJEITO os embargos e, por conseguinte, condeno o embargante ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, deixando de ordenar a suspensão das correspondente exigibilidades porquanto consequência automática da gratuidade já concedida em grau de recurso.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, promova-se o translado de cópia à execução e, após, ao arquivo. (fls. 100/101).

Irresignado, o embargante interpôs recurso de apelação, argumentando, em síntese, que (a) a celebração da venda gozou de completa legalidade, uma vez que adquiriu um veículo de boa-fé, nos termos da lei, sem ciência de qualquer restrição que viesse a prejudicá-lo; (b) a tradição do bem ocorreu antes da citação do executado (e anterior proprietário); (c) quando da aquisição do automóvel, não existia qualquer gravame junto ao Certificado de Registro e Licenciamento de Veículos - CRLV que impedisse a transação; (d) na sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Federal de Tubarão, nos autos dos embargos de terceiro n. 5000390-47.2017.4.04.7207 o seu pedido foi acolhido, todavia por credor distinto, qual seja, Caixa Econômica Federal; (e) os ônus da sucumbência devem ser arcados pelo réu (fls. 105-110).

Contrarrazões apresentadas às fls. 123-126.

O recurso ascendeu ao Tribunal de Justiça e foi distribuído a esta relatoria por vinculação em razão dos agravo de instrumento n. 4011144.64.2017.8.24.0000 (fls. 120-122).

Este é o relatório.


VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Feitas estas digressões, conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

2. Fundamentação

O Banco do Brasil propôs a execução de título extrajudicial n. 0302618.43.2015.8.24.0075 contra Lírio da Silva - ME, o qual foi citado no dia 25-8-2015 (fl. 38), e, durante o prosseguimento da demanda, constatou-se a sua propriedade sobre o veículo Fiat Ducato placas MHO9578, motivo porque, em 7-6-2016, foi determinada a restrição judicial de transferência do bem no sistema Renajud (fl. 105).

Tal constrição motivou a propositura dos presentes embargos de terceiro por Roger Dorlei Stein da Silva, o qual...

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