Acórdão Nº 0301756-57.2017.8.24.0025 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 13-02-2020

Número do processo0301756-57.2017.8.24.0025
Data13 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemGaspar
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0301756-57.2017.8.24.0025, de Gaspar

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO OBJETO DE CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. JUÍZO DE ORIGEM QUE, AO ANALISAR A PEÇA EXORDIAL, BASEANDO-SE GENERICAMENTE NA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, NEGA VIGÊNCIA AO DECRETO-LEI N. 911/69 E, AFIRMANDO A AUSÊNCIA DE INTERESSE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA REQUERER A APREENSÃO DO VEÍCULO, DIANTE DA POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA DÍVIDA E CONTINUIDADE DO CONTRATO, EXTINGUE O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUTORA.

BUSCA E APREENSÃO PREVISTA NO DECRETO-LEI N. 911/69 QUE JÁ TEVE SUA CONSTITUCIONALIDADE REFERENDADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SENTENÇA DE ORIGEM QUE, NO MAIS, AO NÃO RECONHECER A POSSIBILIDADE DE BUSCA E APREENSÃO, IGNORA ORIENTAÇÃO FIRMADA EM SEDE DE PRECEDENTE DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA, QUAL SEJA, O RECURSO ESPECIAL REPETITIVO N. 1418593/MS, JULGADO PELA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. EXECUÇÃO DA GARANTIA CONTRATUAL QUE É LEGÍTIMA À PARTE CREDORA DIANTE DO ALEGADO INADIMPLEMENTE DA DEMANDADA, O QUE INDICA A EXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL HÁBIL AO PROCESSAMENTO DA DEMANDA NA ORIGEM. NECESSIDADE DE CASSAÇÃO DA SENTENÇA IMPUGNADA.

APELAÇÃO QUE DEVOLVE AO TRIBUNAL O CONHECIMENTO DE MATÉRIAS SUSCITADAS NA ORIGEM, AINDA QUE NÃO SOLUCIONADAS PELA SENTENÇA, EM ESPECIAL QUANDO O ACÓRDÃO REFORMA SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO (ART. 1.013, § 3º, I, DO CPC/2015). CAUSA QUE, CONQUANTO NÃO SE MOSTRE MADURA PARA JULGAMENTO DEFINITIVO DE MÉRITO, DADA A NÃO FORMAÇÃO DA RELAÇÃO PROCESSUAL, RECLAMA A ANÁLISE DA MEDIDA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO NÃO APRECIADA NA ORIGEM.

PETIÇÃO INICIAL QUE SE ENCONTRA ACOMPANHADA DE NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL ENVIADA PARA O ENDEREÇO DA DEVEDORA CONSTANTE DO CONTRATO. CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA, AINDA QUE POR TERCEIRA PESSOA, NO ENDEREÇO DA DEVEDORA CONSTANTE DO CONTRATO. MORA DEVIDAMENTE COMPROVADA. NECESSIDADE DE DEFERIMENTO DA MEDIDA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO, DEVENDO O PROCESSO SEGUIR SEU CURSO NA ORIGEM COM A OPERACIONALIZAÇÃO DA REFERIDA MEDIDA, A PARTIR DA APRESENTAÇÃO, PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUTORA, DO ORIGINAL DO TÍTULO DE CRÉDITO QUE INSTRUI A DEMANDA PARA A RESPECTIVA APOSIÇÃO DO CARIMBO PADRONIZADO MODELO 45 (QUARENTA E CINCO).

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301756-57.2017.8.24.0025, da comarca de Gaspar 1ª Vara Cível em que é/são Apelante(s) Banco Itau Veículos S/A e Apelado(s) Gisele Antunes.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer e dar provimento ao recurso, para o fim de cassar a sentença de origem e, recebendo a petição inicial, deferir a medida liminar de busca e apreensão, a partir do que deverá o processo retomar seu curso em primeiro grau de jurisdição. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Nunes Born, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Carlos Adilson Silva e Mariano do Nascimento.

Florianópolis, 13 de fevereiro de 2020.

Desembargador Luiz Zanelato

Relator

RELATÓRIO

Banco Itau Veículos S/A interpôs recurso de apelação cível (fls. 71-82) em face da sentença de fls. 54-67, que, proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Gaspar, extinguiu sem resolução de mérito a ação de Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária ajuizada pela instituição financeira apelante em face de Gisele Antunes.

Cuida-se, na origem, de ação de busca e apreensão aforada em 30-6-2017 pelo Banco Itaú Veículos S/A (fls. 01-05), tendo por objetivo a retomada de veículo financiado objeto de contrato de alienação fiduciária firmado com Gisele Antunes, diante da alegada inadimplência da parte demandada, que, das 48 (quarenta e oito) parcelas contratadas, teria deixado de honrar o pagamento das prestações ajustadas a partir daquela de número 42 (quarenta e dois), com vencimento em 26-8-2016. Juntou o contrato entabulado entre as partes, notificação extrajudicial de constituição em mora enviada à parte demandada por meio do Cartório de Títulos e Documentos, e extrato de evolução da dívida (fls. 38-52).

Sobreveio sentença prolatada em 4-7-2017 pelo magistrado Raphael de Oliveira e Silva Borges, da 1ª Vara Cível da comarca de Gaspar, que extinguiu o processo sem resolução de mérito, o que se deu nos seguintes termos (fls. 54-67):

Vistos etc.

1. Trata-se de ação de busca e apreensão proposta por Banco Itaú Veículos S.A., em face de Gisele Antunes, ambos qualificados, fulcrada em cédula de crédito.

A parte autora alega que a demandada realizou a avença estipulada na cédula de crédito em comento na data de 22-2-2013, com a obrigação de saldar a quantia de R$ 13.401,16 em quarenta e oito meses. Informa que a ré deixou de adimplir com os valores pertinentes, a partir da parcela de número 42 e, diante de tal fato, pugna pelo deferimento do pedido liminar de busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente.

Vieram os autos conclusos. É o relatório.

Decido.

2. Inicialmente, cumpre ressaltar que com o advento da Constituição Federal de 1988 houve a constitucionalização de grande parte do direito civil. Assim, o legislador ordinário quando da edição da nova Lei Civil procurou concretizar os atuais princípios democráticos e sociais buscado pelo Constituinte de 1988, motivo pelo qual, escolheu os postulados da eticidade e da socialidade como diretrizes da disciplina das obrigações e dos contratos, que por sua vez, foram consubstanciados nos princípios da boa fé objetiva (CC, arts. 113 e 422), da função social do contrato (CC, art. 421) e da conservação do contrato (CC, 317, 479 e 480), dentre outros; que nada mais são do que formas de concretização dos princípios constitucionais do respeito à dignidade da pessoa humana, justiça social, do devido processo legal substantivo e de alguns direitos fundamentais positivados no Carta Maior.

A saber, o novo Código Civil foi fundamentado em três diretrizes, a saber: a solidariedade, a eticidade e a socialidade, que inovaram os mecanismos de controle e os institutos de regência das relações jurídicas.

Nas relações contratuais se verificou uma grande influência dessas diretrizes, em razão do nítido afastamento da legislação civil de caráter individualista do Estado Liberal, para a introdução da nova concepção social do direito civil, respondendo aos ditames do Estado Democrático de Direito e à observância do princípio constitucional do respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).

Os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e da conservação do contrato, que hoje regem as relações contratuais, relativizaram os velhos princípios clássicos de regência dos contratos, dando às relações negociais verdadeiro sentido social.

O artigo 422 do Código Civil de 2002 prevê a obrigatoriedade das partes observarem o princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais, assim elas têm o dever de cuidado, lealdade, cooperação, transparência e informação, tanto na fase pré-contratual, como na de execução do contrato e na pós-contratual.

Já o princípio da função social do contrato veio para o fim de mitigar o princípio da relatividade (Jornada de Direito Civil - Enunciado n. 21 - Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito), trazer ao negócio jurídico uma conotação social, considerando os efeitos externos de determinada relação contratual, sem contudo descurar da própria eficácia interna do ato jurídico. Para que o contrato cumpra a sua função social, o seu conteúdo deverá possuir a justeza e a equidade necessárias a não interferir no bem comum, garantindo um maior equilíbrio e igualdade entre as partes, bem como estar livre de abusos decorrentes do poder econômico e social ou ainda do exercício abusivo de algum direito, vedando o aniquilamento de uma das partes em benefício da outra (proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana) (Jornada de Direito Civil - Enunciado n. 23 - Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana). Isto é, a manifestação de vontade deverá estar amparada na função social que determinado ato jurídico atenderá.

Sobre a função social do contrato ensina Nelson Rosenvald:

Feita essa introdução, no tocante ainda à função social dos contratos, parte da doutrina investe na sua bipartição em função social interna e externa. A justificativa que se lança é que, entre as partes, a função social teria o escopo de assegurar contratos mais equilibrados, garantindo maior igualdade e dignidade entre os contratantes; já externamente, transcenderia à polarização entre as partes e representaria o reflexo da relação contratual perante a sociedade, provendo a confiança nas relações sociais.

Internamente, a função social do contrato exerce a importante finalidade sindicante de evitar que o ser humano seja vítima de sua própria fragilidade ao realizar relação contratuais que, mesmo sob o pálido da liberdade contratual, culminem por institucionalizá-lo ou, como intuiu Kant, convertam a pessoa - que é um fim em si em meio para fins alheios.

No plano externo, a função social dos contratos liga-se diretamente à vertente da operabilidade, permitindo-nos desatar as amarras que prendem o objeto das obrigações, o direito à prestação consistente no bem da vida, no fato ou na abstenção do devedor às partes e aos seus...

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