Acórdão Nº 0301868-30.2016.8.24.0035 do Quarta Câmara de Direito Civil, 24-09-2020

Número do processo0301868-30.2016.8.24.0035
Data24 Setembro 2020
Tribunal de OrigemItuporanga
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão

ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0301868-30.2016.8.24.0035

Relator: Desembargador Selso de Oliveira

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA À UNIDADE CONSUMIDORA DO AUTOR (FUMICULTOR). ALEGADA DIMINUIÇÃO DA QUALIDADE DO FUMO EM PROCESSO DE SECAGEM. ESTUFA MOVIDA A ELETRICIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

INSURGÊNCIA DA RÉ.

APLICABILIDADE DO CÓDIGO CONSUMERISTA. PEQUENO FUMICULTOR VERSUS CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO (CELESC). VULNERABILIDADE FRENTE À DEMANDADA. ADEQUADA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA (ARTIGO 37, § 6º, CF, E ARTIGOS 14 E 22 DO CDC). CAUSAS EXCLUDENTES (CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR E CASO FORTUITO/FORÇA MAIOR) NÃO CARACTERIZADAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DEMONSTRADA. DEVER DE REPARAÇÃO MANTIDO.

"Mostra-se irrazoável a afirmação de que caberia ao fumicultor adquirir uma fonte alternativa de energia (gerador) a fim de prevenir-se contra eventuais prejuízos causados pela interrupção do fornecimento de energia, porquanto é dever da concessionária fornecer com adequada qualidade o serviço essencial por ela prestado" (TJSC, AC nº 0000413-41.2014.8.24.0143, rel. Des. Saul Steil, j. 25/4/2017).

"Não há falar em caso fortuito ou força maior se for possível à concessionária evitar o dano, uma vez que é manifestamente previsível a ocorrência de queda de energia em virtude das intempéries climáticas. A ocorrência de vento e chuva fortes não têm o condão de ser considerados caso fortuito, pois eventos como estes nada possuem de imprevisíveis e incomuns (TJSC, Des. Vanderlei Romer)" (AC nº 0001289-29.2014.8.24.0035, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 12/5/2016).

"A ocorrência de intempéries climáticas causadoras de danos em rede elétrica, porque evento previsível e ínsito à atividade, não configura caso fortuito ou de força maior capaz de afastar a responsabilidade civil da concessionária de energia elétrica por danos decorrentes da demora no restabelecimento do fornecimento do serviço" (Súmula 33 do Grupo de Câmaras de Direito Civil deste Tribunal. DJE nº 3048, de 26/4/2019).

DANOS MATERIAIS COMPROVADOS POR MEIO DE LAUDO TÉCNICO EXTRAJUDICIAL. DOCUMENTO ELABORADO POR PROFISSIONAL QUALIFICADO. DESISTÊNCIA TÁCITA DA PROVA PERICIAL. ADEMAIS, OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA (ARTIGO 5º, LV, DA CF). PRECEDENTE DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO DESTE TRIBUNAL. DEVER DE REPARAÇÃO DA INTEGRALIDADE DO VALOR APONTADO PELO EXPERT.

CONSECTÁRIOS LEGAIS. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. ADEQUADA CONTAGEM DOS JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO (ART. 405 DO CÓDIGO CIVIL), E DA CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DO EFETIVO PREJUÍZO (SÚMULA 43 DO STJ).

HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO (ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível0301868-30.2016.8.24.0035, da comarca de Ituporanga 1ª Vara em que é Apelante Celesc Distribuição S/A e Apelado Gualberto Osvaldo Schlichting.

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.



O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Helio David Vieira Figueira dos Santos, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Felipe Schuch.


Florianópolis, 24 de setembro de 2020.



Desembargador Selso de Oliveira

Relator




RELATÓRIO

A bem dos princípios da celeridade e da economia processual, adota-se o relatório elaborado na sentença, verbis (p. 75):


Trata-se de ação de indenização movida por Gualberto Osvaldo Schlichting contra Celesc Distribuição S/A, ambos qualificados nos autos. Objetiva a parte autora, basicamente, ser ressarcida de danos sofridos em razão da perda na qualidade de fumo que estava em processo de secagem e cura, em estufa que deixou de funcionar, por seguidas horas, em virtude da interrupção no fornecimento de energia elétrica, conforme dados informados na inicial. Valorou a causa, estimou os danos com base em laudo extrajudicial, juntou documentos e requereu a procedência da pretensão inaugural.

Citada, a parte ré apresentou resposta em forma de contestação.

Disse não ser caso de responsabilidade objetiva. Defendeu a ausência de culpa e a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica em casos emergenciais. Em suma, negou qualquer responsabilidade no evento. Impugnou o valor requerido pela parte autora. Aduziu ser necessária a realização de média ponderada entre as produções das safras anteriores e da safra reclamada. Pugnou pela improcedência do pedido inicial e juntou documentos.

Não houve réplica.

Determinou-se a realização de perícia judicial, mas a parte ré, intimada para apresentar quesitos e para recolher os honorários periciais, mesmo advertida das consequências de eventual inércia, não se manifestou muito menos depositou os honorários.


O magistrado Giancarlo Rossi assim decidiu (p. 84):


Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora contra Celesc Distribuição S/A., na forma do artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil e, em consequência, CONDENO a ré ao pagamento de R$ 7.153,50, devendo o valor ser corrigido a partir de 12/2/2016, pelo índice adotado pela e. Corregedoria Geral de Justiça (Provimento n. 13/95), com juros moratórios de 1% ao mês contados da citação.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, conforme art. 85, § 2º, do Novo Código de Processo Civil.


Apelou a ré, às p. 88-120, reiterando as deduções já colocadas na contestação, sobretudo no que diz com: a) a unilateralidade e parcialidade do laudo que acompanhou a exordial; b) a necessidade de realização de média ponderada entre as produções das safras anteriores e da safra reclamada, com fins a apurar se houve variação considerável na quantidade de fumo comercializada pelo autor; c) a possibilidade de instalação de gerador de energia na unidade consumidora do requerente, como meio de mitigar o próprio prejuízo; d) a ausência de demonstração do dano material alegado, dada a imprestabilidade do laudo que instruiu a petição inicial; e) o aumento da carga instalada na unidade do recorrido e a ausência de atualização dos dados cadastrais junto à sua base de dados, o que impossibilita a adequação da rede de abastecimento à demanda, e caracteriza culpa exclusiva do consumidor; f) o cumprimento de todas as metas estabelecidas pelo Poder Concedente, e o adimplemento das obrigações previstas no contrato de concessão firmado perante a ANEEL, tendo-se por adequado o serviço prestado; g) a ausência de preenchimento os pressupostos à configuração da sua responsabilidade, por ter a interrupção do serviço decorrido de fenômenos da natureza, resultando configurado o caso fortuito ou a força maior; h) a inaplicabilidade do Código Consumerista e a impossibilidade de inversão do ônus da prova, vez que o requerente não figura como consumidor final da energia ao utilizar a energia para curagem do fumo. Pede a reforma da sentença visando à improcedência, ou, subsidiariamente, que os juros de mora e a correção monetária incidam a partir da decisão, e não de cada laudo ou evento danoso.

Contrarrazões pelo autor às p. 128-133.

O recurso foi recebido no duplo efeito (p. 138).

VOTO

No Conflito de Competência nº 1002243-95.2016.8.24.0000, de relatoria do desembargador Newton Trisotto, julgado em 5/4/2017, assim ficou decidido:


Na vigência desse ato regimental compete às Câmaras de Direito Civil processar e julgar recurso originário de causa em que a pretensão consiste na reparação de danos, ainda que decorrentes de má prestação de serviço de energia elétrica.


Também se pronunciou a Câmara de Agravos Internos em Recursos Constitucionais e Conflitos de Competência, no Conflito de Competência nº 0005636-74.2018.8.24.0000 (relator o desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 28/9/2018), assentando: "Destarte, tratando-se de recurso atinente à reparação civil por danos materiais em face de concessionária de serviço público, a competência é de uma das Câmaras de Direito Civil deste Tribunal".

Outrossim, dispõe o artigo 372 do atual Regimento Interno deste Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em vigor desde 1º/2/2019: "Os processos distribuídos de acordo com as normas de competência anteriores à entrada em vigor deste regimento interno não serão redistribuídos, salvo disposição contrária ou nas hipóteses do art. 43 do Código de Processo Civil".

Não se fazendo presentes quaisquer das ressalvas previstas no artigo 43 do CPC, a competência está bem fixada.


1 Admissibilidade

A sentença foi prolatada e publicada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, à luz do qual o caso será apreciado, consoante o Enunciado Administrativo nº 3 do Superior Tribunal de Justiça.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.


2 Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

Argumenta a apelante não incidir o Código Consumerista à espécie, porque o uso de energia elétrica pelo autor dá-se no processo de cura e secagem do fumo (incremento da atividade), de modo que não pode ser considerado consumidor final do serviço.

Dispõe o artigo 2º do CDC: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

A despeito dessa conceituação legal, o STJ admite a aplicação da chamada Teoria...

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