Acórdão Nº 0301900-41.2018.8.24.0075 do Primeira Câmara de Direito Civil, 15-06-2023

Número do processo0301900-41.2018.8.24.0075
Data15 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0301900-41.2018.8.24.0075/SC



RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM


APELANTE: THIAGO BOGER E SILVA (AUTOR) ADVOGADO(A): GUILHERME DE FARIAS GONCALVES (OAB SC051203) APELADO: MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A. (RÉU) ADVOGADO(A): GILBERTO JOSÉ CERQUEIRA JÚNIOR (OAB RS048003)


RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Cível interposta por THIAGO BOGER E SILVA, contra sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Tubarão, que nos autos da "Ação de Cobrança c/c Danos Morais", n. 0301900-41.2018.8.24.0075, ajuizada contra MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A., julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial e condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 15% sobre o valor da causa (evento 23).
Em suas razões (evento 28), o apelante sustentou que por se tratar de uma relação de consumo, estabelecida mediante um contrato de adesão, "havendo dúvida quanto às cláusulas nele insertas, a interpretação se dará em favor do aderente (segurado) e, logicamente, contra o estipulante (seguradora)". Assim, "o mérito do caso em tela, está na divergência pelas partes acerca da característica "EXTREME" do bem segurado - fator este que influencia diretamente no montante indenizatório devido pela Apelada (seguradora) ao Apelante (segurado), já que o contrato firmado entre as partes prevê a cobertura do valor de 100% da tabela FIPE (veículo 0km) no caso de colisão, conforme consta na apólice". Dessa forma, "é dever da seguradora o de promover a VISTORIA PRÉVIA no bem móvel a ser segurado para, assim, investigar com primazia as informações prestadas pelo contratante. Ora, sabe-se que quando da contratação do seguro, os veículos segurados passam por uma vistoria, de sorte que a seguradora não pode alegar que o segurado tenha se omitido ou equivocado-se quanto às características do veículo a ser acobertado pela apólice. Ademais, na ocasião da contratação do seguro, é exigência corriqueira das seguradoras a apresentação de todos os documentos do veículo", não podendo o segurado arcar com a desídia e erro cometido pela seguradora.
Pugnou, assim, pelo provimento do recurso, para que os pedidos formulados na exordial sejam julgados procedentes.
Com as contrarrazões (evento 32), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
Recebo-os conclusos.
É o relatório

VOTO


O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, motivo pelo qual dele se conhece.
Narra o autor que possui contrato de seguro veicular junto à seguradora requerida e tendo ocorrido o sinistro, no qual houve a "perda total" do automóvel, caberia à parte requerida efetuar o pagamento de 100% da tabela FIPE (correspondente ao valor do veículo 0 km). Ocorre que, a ré teria realizado o pagamento de forma incorreta, visto que a indenização teve como referência modelo inferior ao do veículo segurado. Assim, há uma diferença de R$ 9.446,00 (nove mil, quatrocentos e quarenta e seis reais) que deve ser paga pela seguradora requerida, notadamente porque embora conste o modelo inferior na apólice, compete à seguradora realizar a adequada vistoria do veículo e promover a correta inserção das informações na apólice, razão pela qual tal equívoco deve ser suportado pela seguradora.
Em contrapartida, a seguradora ré sustenta que efetuou o pagamento de acordo com as informações constantes da apólice, ou seja, com base nos riscos previamente contratados. Argumentou que "consta na Apólice a tabela de referência de cotação do veículo, de modo que, havendo discordância com tal informação caberia ao autor noticiar a seguradora para correção. Todavia, tal fato não ocorreu, bem como as informações constantes na Apólice estão de acordo com a documentação do veículo, inexistindo razões para a insurgência", sobretudo porque "sobrevindo o sinistro, a seguradora efetuou o pagamento conforme Tabela Fipe no mês de pagamento relativo ao veículo que foi objeto de contratação, nos termos do código indicado quando da contratação".
Assim, a sentença objurgada julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial, sob o fundamento de que "o veículo segurado foi descrito no pacto securitário tendo por 'Marca/Modelo': 'AMAROK (C.Dup) 4MOTION 2.0T BI-TDI (H'. O 'certificado de registro e licenciamento de veículo' descreve o bem segurado como tendo 'MARCA/MODELO': 'I/VW AMAROK CD 4X4 HIGH' (página 26). A única menção à palavra 'EXTREME' se encontra na nota fiscal relativa ao veículo, isto após a indicação da 'potência' e 'capacidade'. Ao descrever o respectivo 'modelo', aquele documento fiscal indica 'VW/AMAROK CD 4X4 HIGHLINE', nada referindo a 'EXTREME'. Como sabido, o valor do prêmio é, sob cálculos atuariais, encontrado tendo em conta os limites do pacto securitário, especialmente dizendo respeito ao objeto do próprio seguro. No caso em exame, portanto, o autor pagou para ter a cobertura relativa a perda total do automóvel delimitado na apólice, sendo o correspondente prêmio calculado tendo por objeto o veículo tal qual descrito no 'certificado de registro' junto ao Órgão de Trânsito pertinente. Assim, para o caso de perda total, o autor tinha direito a cobertura relativa a '100% FIPE' do veículo apontado na apólice, o que não nega tenha adimplido a ré, não sendo contratual ou legalmente lícito obrigar à seguradora o pagamento de cobertura relativa a automotor distinto", entendimento que, com a mais respeitável vênia ao douto Magistrado a quo, não deve prevalecer.
Explico.
Nos termos do artigo 757 do Código Civil, "pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados".
E, nesse diapasão, Sergio Cavalieri Filho (in "Programa de Responsabilidade Civil", 12ª Edição. Ed. Atlas, São Paulo, 2015, p. 537), conceitua o contrato de seguro:
Contrato por meio do qual o segurador, mediante recebimento de um prêmio, assume perante o segurado a obrigação de pagar-lhe uma determinada indenização, prevista no contrato, caso o risco a que está sujeito se materialize em um sinistro. Segurador e segurado negociam as consequências econômicas do risco mediante a obrigação do segurador de repará-las. Enfim, o interesse legítimo do segurado, verdadeiro objeto do seguro, é a segurança, a tranquilidade, a garantia de que, se os riscos a que está exposto vierem a se materializar em um sinistro, terá condições econômicas de reparar as suas consequências.
Consigne-se, de antemão, repousar o contrato de seguro fundamentalmente no risco, na mutualidade e na boa-fé, elementos que formam uma verdadeira "trilogia" do contrato.
O risco, como cediço, é a possibilidade de dano decorrente de um acontecimento futuro e possível, mas que independe da vontade das partes. Aliás, estes devem ser previamente determinados na apólice contratada, a teor do art. 757 do Código Civil, considerando as características e necessidades pessoais de cada proponente.
A mutualidade, a seu turno, está concatenada com a solidariedade econômica entre os segurados, uma vez que a seguradora, a partir dos prêmios pagos, gerencia uma poupança coletiva ou um fundo para cobrir os prejuízos que possam advir dos sinistros, ou seja, uma verdadeira distribuição dos custos do risco comum (socialização das perdas).
De...

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