Acórdão Nº 0301914-30.2017.8.24.0020 do Quarta Turma de Recursos - Criciúma, 30-10-2018

Número do processo0301914-30.2017.8.24.0020
Data30 Outubro 2018
Tribunal de OrigemCriciúma
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão


ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

QUARTA TURMA DE RECURSOS


Recurso Inominado n. 0301914-30.2017.8.24.0020, de Criciúma

Relator Designado: Juiz Edir Josias Silveira Beck







AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C RESSARCIMENTO DE VALORES. MUNICÍPIO DE CRICIÚMA. BENEFÍCIO DENOMINADO BOLSA ATLETA. LEI MUNICIPAL N. 3.448/97 SUPOSTAMENTE REVOGADA PELA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 96/2013. DIREITO AO RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO PELO PERÍODO INICIALMENTE PREVISTO EM LEI. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDO APENAS O DA PARTE AUTORA.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0301914-30.2017.8.24.0020, da comarca de Criciúma, em que são recorrentes/recorridos Município de Criciúma e Gabriele de Oliveira Accordi


ACORDAM, em Quarta Turma de Recursos, por maioria, conhecer dos recursos e dar provimento ao interposto pela parte autora, negando aquele interposto pelo Município.


VOTO


No respeitante à reprisada alegação de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.448/97 e revogação desta norma pela Lei Complementar nº 96/2013, de se transcrever, como razões de fundamento, parte da sentença do ilustrado Dr. Pedro Aujor Furtado Júnior:


"(...) Definido que a parte autora faz jus ao bolsa-atleta, repito, nos termos da então vigente Lei Municipal n. 3.448/97, cumpre analisar os demais tópicos da defesa do município (afastando-os naturalmente) apenas para que não se alegue omissão.

II - Inconstitucionalidade da LM n. 3.448/97, por vício de iniciativa:

O argumento do Município é de que a alínea "d", do inciso II, do art. 31, da Lei Orgânica do Município, determina que a "concessão de subvenções e auxílios" é de "iniciativa privativa do Prefeito", enquanto a LM n. 3.448/97 foi formulada por um determinado vereador na época de sua edição, o que perfectibilizaria a inconstitucionalidade da Lei criadora do benefício.

A Lei n. 3.448/97 "concede bolsa de estudo ou ajuda de custo a atletas do Município que se destacarem em competições Estaduais ou Nacionais e dá outras providências" (grifo meu).

Ora, sabendo-se a lei "não contêm palavras inúteis", e que o direito é uma ciência e como tal tem vocábulos técnicos que não comportam a interpretação vulgar das palavras, em momento algum referida norma diz respeito a subvenção ou auxílio, cuja conceituação técnico-científica é diametralmente oposta à pretendida pelo ora réu, que de forma equivocada dá ao benefício pretendido pela parte autora uma extensão interpretativa que o mesmo não possui.

Quando o Direito Administrativo refere a subvenções cuida especificamente das subvenções sociais, que segundo o douto CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, "são transferências de recursos destinadas a acobertar despesas de custeio vale dizer, de manutenção efetuadas em prol de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional prestados por entidades sem fins lucrativos" (CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, Malheiros, 33ª edição, p. 845).

Faz sentido a Lei Orgânica estabelecer que são de iniciativa privativa do Executivo as leis que criam subvenções sociais, na medida em que destina do erário despesas para manutenção de uma entidade sem fins lucrativos, por toda a complexidade que envolve a sua criação desde o planejamento e a consecução de projetos.

Nada pode ser mais distante da subvenção social (sob o prisma dogmático) que a singela bolsa de estudo ou ajuda de custo a atletas amadores.

Mas não é só.

O Município ainda pretende que a bolsa de estudo (ou ajuda de custo) constitui o "auxílio" de que cuida a Lei Orgânica.

Apanhando-se um dicionário comum, tem-se que os termos "auxílio" e "ajuda" tem de fato similitude lexicográfica.

Nosso mui querido e saudoso Professor Antônio Houaiss, mestre dos mestres da arte do dicionário confere ao termo "ajuda" a sinonímia de "auxílio" (vide DICIONÁRIO HOUAISS, Sinônimos e Antônimos, Editora Objetiva, p 32).

O mestre CARLOS MAXIMILIANO ensinava que "todas as ciências, e entre elas o Direito, têm a sua linguagem própria, a sua tecnologia; deve o intérprete leva-la em conta; bem como o fato de serem as palavras em número reduzido, aplicáveis, por isso, em várias acepções e incapazes de traduzir todas as gradações e finura do pensamento. No Direito Público usam mais dos vocábulos no sentido técnico" (HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO, Forense, 16ª edição, p. 109).

Com a mesma premissa, eis excerto de voto do eminente Ministro Marco Aurélio, da Suprema Corte:

"Sempre tenho presente a premissa de que o Direito é ciência e, como tal, possui institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, havendo de se presumir que o legislador, especialmente o constituinte, haja atuado com técnica, atentando para o fato de que o esmero da linguagem é essencial à revelação do sentido correto da disposição normativa" (Revista de Direito Administrativo n. 193, p. 228, RMS 21.514, STF).

Daí o porque não se poder confundir a simples "ajuda de custo" (ou mesmo uma bolsa de estudo) com o complexo instituto do auxílio, que no âmbito do Direito Público é a transferência para despesa de capital, tendo "por finalidade investimentos, obras, equipamentos e instalações, previstos genericamente na lei de orçamento" (BANDEIRA DE MELLO, op cit, p. 845).

Correto portanto que a Lei Orgânica condicione as leis que criam auxílios à iniciativa do alcaide, pela influência direta na qualidade da lei orçamentária, onde deverão estar previstos genericamente.

Em síntese, as subvenções e auxílios que se mostram previstos na alínea "d", do inciso II, do art. 31, da Lei Orgânica do Município, guardam contornos próprios e adequados ao seu complexo conteúdo técnico-administrativo, justificando que as leis instituidoras sejam de iniciativa do Executivo, mas rigorosamente nada têm a ver com bolsas de estudo ou ajudas de custo, cuja natureza jurídica é bastante simples, com o único intuito (nobre aliás, desde que não abusivo) de incentivar atletas amadores a conquistarem melhores resultados em competições regionais ou nacionais, nada obstando que tal matéria tenha nascido das boas intenções do Legislativo de outrora.

A mácula defendida pelo Município, pois, não guarda senso e sentido técnico, pelo que afasto.

III - Da revogação "tácita" da Lei n. 3.448/97 pela LCM n. 96, de 14.02.2013:

Ora, basta a leitura do art. 6º, da Lei n. 3.448/1997, para se concluir que o controle da FME sempre existiu, o que apenas restou complementado na alínea "c", do art. 2º, da LCM n. 96, de 14.02.2013, sem que haja qualquer colidência ou revogação tácita de qualquer dos termos da lei anterior, ou muito menos alteração dos critérios então vigentes.

Se a concessão das bolsas de estudo e ajudas de custo ocorreu de forma indiscriminada, com pouco controle administrativo, com abusos ou excessos, ou mesmo com a infeliz possibilidade da fraude, a parte autora nada tem a ver com eventual imbróglio, tendo competido e pleiteado a tempo e modo o benefício legalmente previsto, tendo direito ao mesmo como foi convencionado na então vigente Lei Municipal. (...)" (págs. 238/240)


Embora sob técnica legislativa sofrível, a Lei Municipal nº 3.448/97 estabeleceu:


"Art. 1º. Aos atletas amadores que representam o Município e se destacarem em competição oficial estadual ou nacional, promovida por Entidade Governamental ou fundação pública, serão concedidas bolsas de estudo ou ajuda de custo, desde que o beneficiado continue representando o Município em competições oficiais.
§1º. Os atletas terão direito ao benefício desta Lei pelo período de 3 anos consecutivos, a contar do ano subseqüente ao que competiu.
§2º. Os atletas, cuja renda familiar exceder a quinze salários mínimos, não terão direito a usufruir desta Lei.
Art. 2º. O benefício de que trata o “caput” do artigo anterior, será válido para os seguintes níveis de ensino:
I - 1º grau;
II- 2º grau;
III- ensino superior.
Art. 3º. A concessão de bolsa de estudo referida no art. 1º desta Lei obedecerá a seguinte proporcionalidade:
I - primeiro lugar - 100% da bolsa;
II- segundo lugar - 70% da bolsa;
III- terceiro lugar - 50% da bolsa.
Art. 4º Obedecendo ao critério estabelecido no art. 3º desta Lei, ao atleta regularmente matriculado em estabelecimento de ensino da rede pública, será concedido bolsa de estudo de até 02 (dois) salários mínimos. (NR Lei nº 6138).
Art. 4º-A. Ao atleta que comprovadamente já concluiu o 2º grau, e não mais estiver estudando, será concedida ajuda de custo de até 02 (dois) salários mínimos em pecúnia, assim compreendidos:
I - O atleta que representar o município de Criciúma em competição estadual, poderá receber 01 (um) salário mínimo;
II - O atleta que representar o município de Criciúma em competição de nível estadual e nacional, cumulativamente, poderá receber 02 (dois) salários mínimos. (NR Lei nº 6138)."


Da norma transcrita é possível concluir que o benefício, uma vez concedido, perduraria por "3 anos...

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