Acórdão Nº 0301999-50.2017.8.24.0235 do Segunda Turma Recursal, 07-07-2020

Número do processo0301999-50.2017.8.24.0235
Data07 Julho 2020
Tribunal de OrigemHerval D'Oeste
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão




ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal





Recurso Inominado n. 0301999-50.2017.8.24.0235, de Herval D'Oeste

Relatora: Juíza Margani de Mello







AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO CONSIGNADO FIRMADO POR PESSOA ANALFABETA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA CAUSA, POR NECESSIDADE DE PERÍCIA, E PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO AVENTADOS APENAS EM SEDE DE RECURSO. INOVAÇÃO RECURSAL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA NULIDADE DO CONTRATO JÁ ACOLHIDO NA SENTENÇA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DOS RECURSOS NOS PONTOS. MÉRITO. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. ARTIGO 595, DO CÓDIGO CIVIL. FORMALIDADE LEGAL NÃO OBSERVADA. NULIDADE DA AVENÇA RECONHECIDA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PESSOA COM BAIXA INSTRUÇÃO E PARCOS RECURSOS FINANCEIROS. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL COMPROVADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. ARBITRAMENTO QUE DEVE ATENDER OS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSOS PARCIALMENTE CONHECIDOS, SENDO O DO BANCO NÃO PROVIDO E O DO CONSUMIDOR PARCIALMENTE PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0301999-50.2017.8.24.0235, da comarca de Herval D'Oeste Vara Única, em que é recorrentes/recorridos Abrilino Ribeiro e Banco Pan S/A:



I - RELATÓRIO

Conforme autorizam o artigo 46, da Lei 9.099/95, e o Enunciado 92, do FONAJE, dispensa-se o relatório.

II - VOTO

Tratam-se de recursos inominados interpostos pelo Banco Pan S/A e por Abrilino Ribeiro. Enquanto aquele alega, em síntese, (i) a incompetência do Juizado Especial Cível para o processamento e julgamento da causa, pela necessidade de realização de perícia, (ii) que a contratação foi regular, pois o consumidor tinha prévio conhecimento das obrigações que contraiu, (iii) a legalidade do contrato e a boa-fé objetiva; este pretende (i) o reconhecimento da nulidade do contrato, (ii) a repetição do indébito, em dobro, e (iii) o reconhecimento de danos morais indenizáveis.

Contrarrazões do Banco às pp. 131-154. Sem contrarrazões pela parte autora (p. 155).

Considerando os documentos acostados nas pp. 12-15, voto pelo deferimento do benefício da Justiça gratuita em favor do consumidor.

Em caráter preliminar, salienta-se que as teses de incompetência do Juizado Especial Cível para o processamento e julgamento da causa, em razão da suposta necessidade de prova técnica (Banco – pp. 23-37) e de repetição do indébito em dobro (consumidor – pp. 01-08) restaram suscitadas apenas em sede de recurso, não sendo enfrentadas pelo juízo de primeiro grau, hipótese que configura inovação recursal, não podendo ser agora analisadas, sob pena de supressão de instância (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4029201-33.2017.8.24.0000, de Blumenau, rel. Des. Monteiro Rocha, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 05-03-2020).

Anota-se, por oportuno, que na réplica (e não na inicial) até houve pedido de aplicação das penas previstas no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor (p. 77), mas (i) o pedido final não mencionava a dobra (Por todo o exposto, é medida de justiça a devolução dos valores havidos ilegitimamente com a devida repetição de indébito, mais correção monetária e aplicação de juros legais desde o evento danoso – p. 77), e (ii) é defeso ao autor modificar o pedido após a contestação, sem consentimento do réu (artigo 329, II, do CPC).

Além disso, por não existir interesse recursal do autor em pleitear aquilo que já obteve no provimento impugnado (reconhecimento de nulidade do contrato), voto pelo não conhecimento do recurso também neste ponto.

No mais, somente o reclamo do consumidor merece parcial acolhimento.

É cediço que o contrato firmado por pessoa analfabeta – quando não realizado de forma pública ou através de procurador constituído – deve obedecer os ditames do artigo 595, do Código Civil:



No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.



No caso, o contrato apresentado pela instituição financeira não foi assinado a rogo por pessoa de confiança do consumidor (pp. 51-54) e o Banco não comprovou, de forma satisfatória, que esclareceu devidamente os termos contratuais ao emitente (dever de informação, previsto no artigo 6º, III, do CDC), de modo que acertou o magistrado a quo ao decretar a nulidade da avença e a repetição do indébito, em conformidade com o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:



APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE RÉ. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO COMETEU ATO ILÍCITO. INSUBSISTÊNCIA. NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO COM PESSOA ANALFABETA, COM IMPRESSÃO DIGITAL. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. NULIDADE. EXEGESE DOS ARTS. 595 E 166, V, DO CÓDIGO CIVIL. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 182 DO DIPLOMA CIVILISTA. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. Quando a parte contratante for pessoa analfabeta, é necessário que seja assinado a rogo, com identificação da pessoa que assim assina, para conferir validade ao negócio. A assinatura a rogo será conferida por pessoa de confiança do analfabeto, pois subscreverá o documento na presença de duas testemunhas. Ausentes tais formalidades, há de se reconhecer a nulidade do contrato. (TJSC, Apelação Cível n. 2016.014079-8, de Joaçaba, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 03-05-2016). PLEITO DE AFASTAMENTO DO DEVER DE INDENIZAR. INACOLHIMENTO. FALHA NO SERVIÇO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CARACTERIZADO. DESCONTOS EFETUADOS DIRETAMENTE DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE PESSOA IDOSA E HIPOSSUFICIENTE. VERBA ALIMENTAR. ABALO ANÍMICO DELINEADO. PRECEDENTES DA CÂMARA. QUANTUM INDENITÁRIO. ESTIPÊNDIO QUE DEVE ADSTRIR-SE AO VIÉS PEDAGÓGICO DA COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. MINORAÇÃO AO PATAMAR DE R$ 3.000,00, MONTANTE ADEQUADO AO CASO CONCRETO E CÔNSONO AO VALOR FIXADO PELA CÂMARA EM SITUAÇÕES SEMELHANTES. DEVER DE RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS INDEVIDAMENTE DESCONTADAS QUE É CONSECTÁRIO LÓGICO DO RECONHECIMENTO DE INEXISTÊNCIA DE AVENÇA HÍGIDA FIRMADA ENTRE AS PARTES A LASTREAR AS COBRANÇAS EFETIVADAS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0300029-73.2015.8.24.0012, de Caçador, rel. Des. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 06-08-2019, sem grifos no original).



No que pertine aos danos morais, no entanto, verifico que a sentença merece reparo, isso porque uma vez nulo o pacto havido entre as partes, os descontos indevidamente realizados no benefício da autora configuram ato ilícito indenizável, presumidos os danos morais sofridos em razão da responsabilidade objetiva do banco réu, conforme preceituado no art. 14 do CDC, aplicável ao caso. (TJSC, Apelação n. 0300928-02.2018.8.24.0001, de TJSC, rel. Des. MARIANO DO NASCIMENTO, 1ª Câmara de Direito Comercial, j. 18-06-2020).

Destaca-se que Tal presunção decorre do caráter alimentar do benefício, assumindo contornos de maior relevância o fato de que se obstou ao autor, pessoa idosa, de origem indígena, de parcos recursos e sem escolaridade, desfrutar integralmente de remuneração que representa sua única fonte de renda. (TJSC, Apelação Cível n. 0301075-62.2017.8.24.0001, de Abelardo Luz, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 27-02-2020).

Em casos semelhantes, já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:



APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO BANCO RÉU. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO COM DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATOS PACTUADOS COM CONSUMIDORA IDOSA E ANALFABETA. CONDIÇÃO QUE, POR SI SÓ, NÃO O TORNA INCAPAZ. VULNERABILIDADE, CONTUDO, TÉCNICA. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO (CC, ART. 595). NECESSIDADE A FIM DE DAR EFETIVA CIÊNCIA À PACTUANTE ACERCA DOS TERMOS CONTRATADOS. DIREITO BÁSICO À INFORMAÇÃO (CDC, ART. 6.º, III). REQUISITO ESSENCIAL DE VALIDADE. NULIDADE QUE SE IMPÕE. EXEGESE DO ART. 166, IV E V, DO CC. NEGÓCIOS JURÍDICOS ANULADOS QUE RESULTAM NA...

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