Acórdão Nº 0302118-15.2015.8.24.0030 do Terceira Câmara de Direito Público, 08-06-2021

Número do processo0302118-15.2015.8.24.0030
Data08 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão










Apelação / Remessa Necessária Nº 0302118-15.2015.8.24.0030/SC



RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS


APELANTE: MUNICÍPIO DE IMBITUBA/SC (RÉU) APELADO: MARIA DE LOURDES OLIVEIRA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Imbituba, Maria de Lourdes Oliveira ajuizou ação "ordinária para fornecimento de medicamento com pedido de antecipação de tutela", contra o Município de Imbituba e o Estado de Santa Catarina, objetivando que os entes públicos providenciem e custeiem o fornecimento dos fármacos Seebri 50 mcg e Onbrize 150 mcg, necessários à manutenção do estado de saúde da paciente, porquanto portadora de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (CID 10 - J 44.9).
O pedido de antecipação de tutela foi deferido.
Citado, o Estado apresentou contestação suscitando, preliminarmente, que a receita médica não está em conformidade à recomendação COMESC n. 01/2012 e, por isso, a inicial deve ser indeferida; que possui alternativas terapêuticas hábeis a tratar da paciente; que o médico da parte autora deve ser intimado a se manifestar nos autos sobre a alegada inexistência de eficácia no tratamento disponibilizado pelo Poder Público; que não há prova da hipossuficiência da autora; que deve ser fixada contracautela.
O Município de Imbituba, também citado, contestou a lide afirmando que o Estado e a União também são responsáveis pelo fornecimento do tratamento médico requerido pela enferma; que é parte ilegítima para atuar no polo passivo da lide; que a União deve ser chamada ao processo; que não há prova de que os remédios são indispensáveis à manutenção do estado de saúde da enferma; que deve ser aplicada a Teoria da Reserva do Possível; que deve ser comprovada a hipossuficiência da autora; que deve ser realizada perícia médica e revogada a medida liminar concedida pelo juízo.
Impugnados os argumentos da contestação, realizou-se a prova pericial, cujo laudo foi juntado.
Após manifestação das partes, sentenciando o feito, o MM. Juiz, Dr. Welton Rubenich, julgou procedente o pedido inicial e determinou que os entes Públicos forneçam à paciente os medicamentos pleiteados na vestibular.
Irresignado, o Município interpôs recurso de apelação alegando que os honorários advocatícios devem ser reduzidos; que deve ser repartida a responsabilidade pelo fornecimento de tratamento médico entre os entes Públicos; que a União deve ser chamada ao processo; que deve ser aplicada a Teoria da Reserva do Possível; que deve ser comprovada a hipossuficiência da parte autora.
Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Superior Instância, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Alexandre Herculano Abreu, opinou pelo desprovimento do recurso

VOTO


Da Competência
É importante assinalar, inicialmente, que, na contestação e no recurso de apelação, o Município alegou sua ilegitimidade passiva "ad causam", sob o entendimento de que caberia à União o fornecimento do medicamento pleiteado na exordial.
Tal alegação foi rechaçada pelo Juízo, na decisão de saneamento do processo, publicada em 24.03.2017, com a seguinte fundamentação:
Outrossim, afasto também a prefacial de ilegitimidade passiva do município réu. Isso porque, é de sabença que o Sistema Único de Saúde, estabelecido pelo art. 198 da Constituição Federal e regulamentado pela Lei n. 8.080/90, descentralizou e ligou os recursos financeiros da União, Estados e Municípios, com o objetivo de aumentar a capacidade dos serviços, bem como a universalização do acesso à saúde, estabelecendo, com isso, a obrigação solidária entre os entes federativos.
Desse modo, em se tratando de devedores solidários, a parte pode exercer o seu direito contra quem entender mais conveniente. Acerca do tema, colhe-se da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: "Ocorrendo obrigação solidária das três esferas governamentais da Federação, quanto à garantia de proteção à saúde dos cidadãos, a obrigação de fornecer medicamentos necessários e adequados poderá ser exigida de um ou de todos os entes." (AC 2012.012820-2, rel. Des. Jaime Ramos, j. em 29/05/2012).
Chamamento ao processo:
No que tange ao chamamento ao processo da União, alegado preliminarmente pelo Município de Imbituba, de igual modo não merece deferimento, porquanto o entendimento jurisprudencial das Cortes Superiores é uníssono em reconhecer que a responsabilidade solidária dos Entes que compõem a Federação, no que toca à prestação da saúde, não constitui óbice ao chamamento individual de cada um deles para atender ao cidadão que reclama o fornecimento de medicamentos.
Colhe-se da Jurisprudência:
"FORNECIMENTO DE FÁRMACOS AÇÃO PROPOSTA EM FACE DO MUNICÍPIO NO QUAL RESIDE O AUTOR - CHAMAMENTO DA UNIÃO E DO ESTADO - DESNECESSIDADE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS TRÊS ESFERAS DE PODER POLÍTICO EM ASSEGURAR O DIREITO À SAÚDE AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E RISCO DE LESÃO À ORDEM E SAÚDE PÚBLICAS INCAPAZES DE DESOBRIGAR O ENTE PÚBLICO DO DEVER DE ASSEGURAR AMPLO E INTEGRAL ACESSO À SAÚDE HIPOSSUFICIÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS DO PACIENTE - COMPROVAÇÃO DISPENSADA ANTE UNIVERSALIDADE E IGUALDADE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE (ART. 196 DA CF) MEDICAMENTO NÃO PADRONIZADO - IRRELEVÂNCIA NA HIPÓTESE - NECESSIDADE DO TRATAMENTO REQUERIDO EVIDENCIADA - PROVA PERICIAL CONCLUSIVA SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ESTABELECIDOS CONSOANTE CRITÉRIOS LEGAIS (CPC, LEI N. 1.060/50 E LC ESTADUAL N. 156/07) REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO". (Reexame Necessário 2012.012090-7, de Lages, Des. Gaspar Rubick).
Assim, impertinente o pedido de formação de litisconsorte passivo necessário e o chamamento da União Federal, eis que, evidenciada a responsabilidade solidária dos entes federativos, é possível exigir de qualquer um deles o cumprimento (Evento 30, CERT64).
Entretanto, nas razões de apelação, embora a questão não tenha sido tratada na sentença, o Município alega, novamente, a necessidade de participação da União no processo, assim como afirma ser parte ilegítima a atuar no polo passivo da lide.
Entrementes, o Supremo Tribunal Federal discutiu e definiu tese jurídica acerca do Tema 793, referente ao Recurso Extraordinário n. 855.178, julgado com repercussão geral, em cujos embargos de declaração se decidiu por reafirmar a solidariedade da obrigação entre os entes da federação, mas estabelecer a obrigatoriedade de participação da União nos processos em que se discute o fornecimento de medicamento não padronizado pelo SUS, com o consequente deslocamento da competência para a Justiça Federal.
Veja-se:
"Tema 793 - Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro" (tese firmada em 23.05.2019).
O art. 23, inciso II, da CF/88, estabelece a competência concorrente da União, Estados e Municípios no que tange a saúde e assistência pública, razão pela qual é solidária a obrigação entre federativos os integrantes do sistema.
Além disso, a Lei Federal n. 8.080/90, estabelece serem solidárias todas as esferas do Poder Público para o cumprimento das obrigações relativas à saúde. Ainda, o art. 15, da referida lei, dispõe que o Sistema Único de Saúde delegou aos Estados da Federação a administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados à saúde. Por sua vez, o art. 17, inciso VIII, atribui competência "à direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS)" para "em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde" (inciso VIII), sem afastar a legitimidade passiva do Município, dado que, consoante o art. 18, compete "à direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) .... V - dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde" do que se pode concluir, mais uma vez, que a responsabilidade relativa aos cuidados com a saúde da população é solidária, incluindo também a União.
No acórdão concernente aos embargos de declaração, relatado pelo Min. Edson Fachin, que proferiu o voto vencedor, já que o Relator originário, Min. Luiz Fux, foi vencido, datado de 16.04.2020, manteve-se o entendimento de solidariedade referente à obrigação do fornecimento de medicamentos pelos entes públicos, porém se determinou o direcionamento, pela autoridade judicial, do cumprimento ao ente responsável conforme as regras de repartição de competência para fornecimento de medicamento ou tratamento e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro:
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. "1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. "2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos...

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