Acórdão Nº 0302145-86.2019.8.24.0020 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 19-11-2020

Número do processo0302145-86.2019.8.24.0020
Data19 Novembro 2020
Tribunal de OrigemCriciúma
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0302145-86.2019.8.24.0020

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR.

PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGADA FALTA DE OPORTUNIZAÇÃO DE JUNTADA DA SEGUNDA VIA DO COMPROVANTE DE PAGAMENTO DA PARCELA CUJO PAGAMENTO É CONTROVERSO. DOCUMENTO QUE DEVERIA TER SIDO ANEXADO À INICIAL OU JUNTO À RÉPLICA (ARTIGO 373, I, DO CPC). PARTE AUTORA QUE INSISTIU NA TESE DE QUE O COMPROVANTE ILEGÍVEL SER SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR O PAGAMENTO. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. AUSÊNCIA DE VÍCIO NO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.

"Não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide sem a produção das provas que a parte pretendia produzir quando o magistrado entender que o feito está adequadamente instruído com os elementos indispensáveis à formação de seu convencimento.

MÉRITO. ARGUMENTOS QUANTO AO ÓBICE EM RESPONSABILIZAR O CONSUMIDOR PELA MÁ QUALIDADE DO PAPEL TERMOSSENSÍVEL UTILIZADO PELAS CASAS BANCÁRIAS PARA A IMPRESSÃO DE COMPROVANTES DE PAGAMENTO. AÇÃO PROPOSTA NA ORIGEM FUNDADA NA OBRIGAÇÃO DE FAZER DO RÉU DECORRENTE DA QUITAÇÃO DA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO FIRMADA ENTRE AS PARTES. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR CORRESPONDENTE À COMPROVAÇÃO DE QUE EFETUOU O PAGAMENTO INTEGRAL DA DÍVIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO DE UMA DAS PARCELAS, QUE RESULTOU NA INCLUSÃO DO NOME DO AUTOR NOS CADASTROS DOS MAUS PAGADORES. COMPROVANTE DE PAGAMENTO ANEXADO À PETIÇÃO INICIAL COMPLETAMENTE ILEGÍVEL. PARTE AUTORA QUE PODERIA TER SOLICITADO UMA SEGUNDA VIA À INSTITUIÇÃO QUE RECEBEU O PAGAMENTO OU TER EFETUADO CÓPIA DO COMPROVANTE QUANDO AINDA LEGÍVEL. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR NÃO COMPROVADO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 373, I, DO CPC. TESE AFASTADA. SENTENÇA MANTIDA.

"[...] o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo a máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente." (THEODORO, Humberto Júnior. Curso de direito processual civil, Volume I, 38ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 381).

HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. AFASTAMENTO DAS TESES RECURSAIS QUE IMPÕE A MAJORAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA A QUE CONDENADO NA ORIGEM O AUTOR, ORA RECORRENTE. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. EXIGIBILIDADE DA VERBA QUE, TODAVIA, SE MANTÉM SUSPENSA, POR GOZAR O AUTOR DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302145-86.2019.8.24.0020, da comarca de Criciúma 1ª Vara Cível em que é Apelante Luiz Carlos Marcílio de Souza e Apelado BV Financeira S/A Crédito Financiamento e Investimento.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, e por majorar, em 2% (dois por cento) do valor atualizado da causa, os honorários de sucumbência devidos ao patrono da parte apelada, ressalvados os efeitos da gratuidade da justiça nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Nunes Born, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Mariano do Nascimento e José Maurício Lisboa.

Florianópolis, 19 de novembro de 2020.




Desembargador Luiz Zanelato

Relator





RELATÓRIO

Luiz Carlos Marcílio de Souza ajuizou ação de obrigação de fazer c/c pedido de indenização por dano moral contra BV Financeira S/A Crédito Financiamento e Investimento, na qual requer que o réu promova a baixa do gravame sobre o veículo que foi objeto de alienação fiduciária, bem como seja condenado ao pagamento de indenização por danos morais.

Ao receber a inicial, o magistrado de origem concedeu a gratuidade da justiça ao autor, indeferiu a inversão do ônus da prova e determinou a citação do réu (fl. 35).

Devidamente citado (fl. 38), o réu apresentou contestação (fls. 39-48), argumentando, em síntese, que: (a) o contrato firmado entre as partes possui a parcela n. 32 em atraso, com vencimento em 26-8-2016; (b) não foi encontrado qualquer contato do autor nos sistemas do banco; (c) o comprovante de pagamento da parcela é ilegível; (d) a negativação nada tem a ver com parcela n. 2 mencionada pelo autor; (e) agiu no exercício regular de seu direito, inexistindo dano moral a ser indenizado; (f) eventual dano moral dever ser fixado em valor razoável.

Réplica às fls. 70-75.

Na data de 30-5-2019, o juiz da causa, Dr. Sérgio Renato Domingos, prolatou sentença de improcedência dos pedidos iniciais, nos seguintes termos (fls. 76-80):

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos demandados por Luiz Carlos Marcílio de Souza na Ação de Obrigação de Fazer c/c pedido de Indenização por Danos Morais movida em face de BV Financeira S/A Crédito Financiamento e Investimento, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, ex vi do artigo 85, §2º, do CPC, observado o art. 98 do mesmo Código.

P.R.I.

Transitada em julgado e cumprido o art. 320 do CNCGJ, arquivem-se.


Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 84-92), arguindo, preliminarmente, o cerceamento de defesa, pois não foi oportunizado ao autor providenciar a segunda via do comprovante da parcela n. 32. No mérito, argumentou, em resumo, que: (a) há prova nos autos de que notificou o banco acerca da quitação do contrato, para que providenciasse a baixa do gravame, o qual permaneceu inerte; (b) não pode ser responsabilizado pelo desgaste natural do comprovante impresso em papel termossensível, o que sequer foi sua escolha; (c) necessária a inversão do ônus da prova, pois há nos autos fortes indícios de que a parcela n. 32 está quitada, devendo a demanda ser julgada procedente.

Contrarrazões às fls. 97-103.

O recurso ascendeu ao Tribunal de Justiça e foi distribuído a esta relatoria por sorteio (fls. 105-107).

Este é o relatório.





VOTO

1. Juízo de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Feitas estas digressões, conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

2. Fundamentação

2.1. Preliminar – Cerceamento de Defesa

O apelante atribui ao magistrado de primeiro grau o cometimento de violação do direito de ampla defesa, pelo julgamento antecipado da lide, sem oportunizar ao autor anexar a segunda via do comprovante de pagamento da parcela n. 32.

Com efeito, incumbe ao juiz, como destinatário da prova, aferir sobre a necessidade ou não de sua realização e determinar os meios necessários à instrução, descartando as provas inúteis e protelatórias.

Tal máxima é assentada pela redação do parágrafo único do artigo 370 do Código de Processo Civil: "O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias."

Na espécie, ao apresentar a réplica (fls. 70-75), o autor não pugnou por prazo para a comprovação de que a parcela n. 32 estava quitada, argumentando apenas de que há prova nos autos quanto ao pagamento da referida prestação.

Tratando-se de pedido de obrigação de fazer decorrente da quitação do contrato firmado entre as partes, é ônus do autor, na petição inicial comprovar o fato constitutivo do direito que alega, e não esperar que o juízo determine que o faça.

Sobre a questão, assim prevê o Código Civil:


Art. 319. O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada.


Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.


Acerca do tema, ensina Maria Helena Diniz:


[...] O recibo é, pois, o instrumento da quitação. É preciso lembrar que o ônus da prova do pagamento cabe ao devedor ou a seu representante, por se tratar de um dos fatos extintivos da obrigação. [...]

A quitação poderá ser dada não só pelo recibo, que é o meio normal, mas também pela devolução do título, se tratar, é óbvio, de débitos certificados por um título de crédito.". (Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. II, p. 227-228).


Para Hamid Charaf Bdine Júnior, o art. 320 do Código Civil "expressa a possibilidade de a quitação ser conferida por instrumento particular e seu parágrafo único admite que se confira eficácia ao documento que não contiver os requisitos do caput, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida. O dispositivo deixa evidente a necessidade da prova escrita da quitação." (PELUSO, Cezar (Coord.) Código Civil Comentado. Barueri: Manole, 2015, p. 278, grifou-se).

Acrescenta-se, ainda, os ensinamentos de Washington de Barros Monteiro:

O devedor que paga tem direito a quitação regular (art. 320 do Cód....

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