Acórdão Nº 0302157-62.2017.8.24.0023 do Terceira Câmara de Direito Civil, 29-09-2020

Número do processo0302157-62.2017.8.24.0023
Data29 Setembro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0302157-62.2017.8.24.0023

Relator: Desembargador Marcus Tulio Sartorato

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS (ARRAS) E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OBRA NÃO EDIFICADA. DEMANDA AJUIZADA EM FACE DO CONSTRUTOR E DA IMOBILIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA EM RELAÇÃO AO PRIMEIRO RÉU E SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM RELAÇÃO À SEGUNDA RÉ. APELO DOS AUTORES. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DISCUSSÃO EM RELAÇÃO À RESPONSABILIDADE DA CORRETORA. ALEGADA AUSÊNCIA DE PRÉVIA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA (LEI N. 4.591/64). IRREGULARIDADE QUE, TODAVIA, NÃO CAUSOU DANO À PARTE AUTORA. DANOS RESULTANTES DA NÃO ENTREGA DA OBRA PELO PROMITENTE VENDEDOR. VENDA DA UNIDADE A MAIS DE UM COMPRADOR. CONSTRUTOR CONDENADO POR ESTELIONATO. FRAUDE QUE DEVE SER IMPUTADA APENAS A ESTE. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DA IMOBILIÁRIA E OS PREJUÍZOS SOFRIDOS. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA EM CASOS ANÁLOGOS. DANO MATERIAL. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. ARRAS CONFIRMATÓRIAS QUE DEVERÃO SER RESTITUÍDAS EM DOBRO. EXEGESE DO ARTIGO 418 DO CÓDIGO CIVIL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL EM RELAÇÃO AO PRIMEIRO RÉU. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

"Inexiste nexo causal entre o ato do corretor de intermediar a venda de imóvel sem prévia incorporação e posterior rescisão do contrato em razão da demora na entrega das obras, de modo que é inviável condenar esse profissional pelo pagamento de indenização por prejuízos decorrentes do inadimplemento da construtora. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0303157-77.2015.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 18-07-2017).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302157-62.2017.8.24.0023, da comarca da Capital 3ª Vara Cível em que são Apelantes Deonir Luis Gevinski e outro e Apelados Diego Rodrigues Vieira Veras e outros.

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso e arbitrar honorários recursais nos termos do voto. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores, o Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni e o Exmo. Sr. Des. Saul Steil.

Florianópolis, 29 de setembro de 2020.

Desembargador Marcus Tulio Sartorato

Presidente e Relator


RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado às fls. 192/193, por revelar com transparência o que existe nestes autos, in verbis:

Deonir Luis Gevinski e Sonia Maria Ricardo Gomes ajuizaram "ação de rescisão contratual por inadimplemento" contra Diego Rodrigues Vieira Veras e Imobiliária JJ Imóveis, ambos qualificados.

Alegaram, em síntese, que, no ano de 2015, firmaram contrato de compra e venda de um apartamento localizados no bairro Ingleses do Rio Vermelho.

Asseveraram que, decorridos os prazos previstos na avença, não houve a entrega do imóvel, em razão de inexplicada paralisação da obra, tendo o construtor desaparecido sem dar solução ao empreendimento.

Mencionaram que, além do descumprimento dos prazos e abandono da obra, constatou-se que o primeiro réu vendeu a unidade a outros compradores, fato que foi amplamente noticiado na mídia e ensejou o decreto de prisão preventiva do construtor (autos nº. 0003447-88.2017.8.24.0023) pela prática de crime de estelionato.

Pugnaram, em sede de tutela de urgência, a constrição de tantos bens quantos bastem para garantir a restituição dos valores adimplidos pelos autores.

No mérito, requereram que seja declarada a existência de relação contratual entre as partes, com a consequente resolução contratual por inadimplemento, nos termos do artigo 475 do Código Civil, retornando ao status quo ante das partes, bem como condenação dos réus ao pagamento das arras em dobro.

A tutela de urgência restou parcialmente deferida para determinar o cadastro de restrição de transferência dos veículos de propriedade do réu Diego pelo Sistema RENAJUD (fls. 95/98).

Citada, a Imobiliária JJ Imóveis apresentou contestação, pugnando pelo chamamento ao processo da corretora Bruna Mayara Marques e aventando a preliminar de ilegitimidade. Manifestou-se, quanto ao mérito, que não deu causa á resolução da avença (fls. 117/121).

Também devidamente citado, o réu Diego apresentou contestação, sustentando ser inverídica a informação de que teria aplicado um golpe nos adquirentes dos apartamentos. Refutou o dever de pagamento das arras confirmatórias em dobro e propugnou pela improcedência dos pedidos (fls. 149/155).

Em seguida, aportou aos autos contestação de Bruna Mayara Marques Fonseca, aventando a preliminar de ilegitimidade no tocante ao pleito de rescisão da avença. Sustentou, ainda, que não pode ser responsabilizada pelo atraso na entrega da obra, requerendo a improcedência dos pedidos (fls. 166/169).

Houve réplica.

Este, na concisão necessária, o relatório.

A MM.ª Juíza de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca da Capital, Dra. Taynara Goessel, decidiu a lide nos seguintes termos (fls. 199/200):

Ante o exposto:

1) JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação proposta por Deonir Luis Gevinski e Sonia Maria Ricardo Gomes contra Imobiliária JJ Imóveis e Bruna Mayara Marques Fonseca, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Em favor dos procuradores dos requeridos, fixo honorários a serem pagos pelos autores no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil.

2) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação proposta por Deonir Luis Gevinski e Sonia Maria Ricardo Gomes contra Diego Rodrigues Vieira Veras, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil para, em consequência, RESOLVER o contrato de compra e venda firmado entre as partes, CONDENANDO o réu à devolver os valores que foram pagos, com incidência de correção monetária, pelos índices da Corregedoria-Geral da Justiça, a contar do mês de cada pagamento (Súmula n. 43 do STJ) e juros de mora desde a citação (art. 405 do Código Civil).

Mantenho a decisão que deferiu parcialmente a tutela de urgência.

Em face da sucumbência recíproca, as partes devem pagar as custas processuais, na proporção de 80% para o réu e 20% para o autor. Devem, ainda, arcar com os honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, ex vi do disposto no art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil, respeitando-se o mesmo percentual para cada um dos litigantes. Suspenso o pagamento pelos autores, uma vez que devem ser beneficiados com a Gratuidade da Justiça.

P.R.I.

Transitada em julgado, arquive-se com as devidas baixas.

Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação (fls. 204/210), no qual alegam, em suma, que o corretor deve responder solidariamente pelos danos resultantes do contrato sub judice, ainda mais nos casos em que a sua culpa está devidamente comprovada. Aduzem que, embora não seja dever do corretor efetivar a inscrição da incorporação imobiliária, deve ele, na condição de intermediador da venda, alertar o cliente e não realizar o negócio, sob pena de responsabilização solidária, com fundamento no art. 723 do Código Civil e no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Afirmam, ainda, a necessidade da parte ré restituir em dobro a importância paga a título de arras. Asseveram que a magistrada deixou de se manifestar acerca do pedido subsidiário de condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, em caso de não acolhimento do pedido de indenização das arras em dobro. Com base nesses argumentos, postulam a reforma da sentença com a consequente inversão dos ônus sucumbenciais.

Contrarrazões às fls. 216/220 e 226/229.


VOTO

1. No presente recurso, os autores pretendem que a imobiliária seja responsabilizada solidariamente pelos danos que sofreram em decorrência da contratação intermediada por ela, referente à compra de um apartamento cuja entrega não foi realizada na data prevista e cuja incorporação imobiliária não fora efetivada anteriormente à venda.

A sentença considerou que inexiste responsabilidade da segunda ré pela omissão contratual acerca do fato de que a unidade vendida ainda não possuía a devida incorporação imobiliária, conforme exige a Lei n. 4.591/1964, agindo com acerto a magistrada a quo.

Isso porque, a circunstância de a unidade ter sido vendida sem incorporação imobiliária, embora possa ser criminalmente apurada nos termos da legislação específica, não gerou dano à parte autora. O dano, como se vê, resultou do atraso na entrega da obra, o que é relatado na inicial, inclusive. Nesse cenário, não há como imputar qualquer responsabilidade ao corretor.

Segue-se, aqui, a linha da sentença (fl. 199):

Ou seja, de fato houve a venda de alguns apartamentos em duplicidade ou até multiplicidade, porém os corretores de imóveis ou as imobiliárias intercederam em isolada negociação de cada imóvel, não caracterizando, portanto, a prestação faltosa do serviço.

Não há nos autos qualquer indício que desabone a intermediação do corretor, houve atuação com prudência e diligência, o objeto é lícito sob a perspectiva que os autores e o intermediador tinham da contratação, não havia qualquer impedimento legal que obstasse a formalização do negócio. Pelo exposto, então, comprovado nos autos que o inadimplemento contratual operou-se por culpa exclusiva do réu Diego, e colaboração que é tratada no processo criminal, inclusive pelos indicativos claros de fraude nas operações imobiliárias, lícita é a resolução contratual, com a devolução dos valores pagos em razão do inadimplemento da obrigação contratual.

A jurisprudência desta Corte tem diferenciado, em casos idênticos a este, a...

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