Acórdão Nº 0302163-78.2018.8.24.0041 do Segunda Turma Recursal, 11-08-2020

Número do processo0302163-78.2018.8.24.0041
Data11 Agosto 2020
Tribunal de OrigemMafra
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão




ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal





Recurso Inominado n. 0302163-78.2018.8.24.0041, de Mafra

Relatora: Juíza Margani de Mello







RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PRODUÇÃO DE FUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPROVAÇÃO DO NEXO CAUSAL E DOS DANOS ATRAVÉS DA APRESENTAÇÃO DE LAUDO TÉCNICO. INEXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. PROVA VÁLIDA. ENTENDIMENTO DO TJSC EM INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA DAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE (CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR E CULPA EXCLUSIVA DO PRODUTOR). ENTENDIMENTO DO TJSC E DAS TURMAS RECURSAIS. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE MINORAÇÃO DO QUANTUM. NÃO ACOLHIMENTO. LAUDO TÉCNICO VÁLIDO PARA QUANTIFICAR OS PREJUÍZOS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO PONTUAL E CONCRETA. TESE DE APURAÇÃO DA QUANTIA EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0302163-78.2018.8.24.0041, da comarca de Mafra 2ª Vara Cível, em que é recorrente Celesc Distribuição S/A, e recorridos Édino Schermak e Evaldo Schermak:



I - RELATÓRIO

Conforme autorizam o artigo 46, da Lei 9.099/95, e o Enunciado n. 92, do FONAJE, dispensa-se o relatório.

II – VOTO

Trata-se de recurso inominado interposto pela Celesc Distribuição S/A, alegando, em síntese, que (i) a recorrente não possui qualquer responsabilidade sobre os prejuízos suportados pelos recorridos; (ii) a interrupção da energia elétrica foi causada por caso fortuito/força maior, inexistindo nexo causal para sua responsabilização; (iii) incabível a aplicação da responsabilidade objetiva e do Código de Defesa do Consumidor; (iii) não há como classificar o tema de fundo desta ação como serviço essencial (p. 143); (iv) os fatos ocorreram por culpa exclusiva dos consumidores, os quais não se preveniram instalando gerador, tampouco atualizaram seus dados cadastrais informando o aumento da carga instalada em sua unidade consumidora. Pleiteia a reforma integral da sentença ou, subsidiariamente, a redução da condenação na razão de 1/3 do suposto prejuízo ou, ainda, a liquidação por arbitramento.

Contrarrazões apresentadas às pp. 151-161.

O reclamo não merece acolhimento.

Inicialmente, convém pontuar que a responsabilidade da recorrente é objetiva, por força do disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, de forma que a sua responsabilização depende, unicamente, da comprovação do nexo causal e dos danos, sem necessidade de prova de culpa.

Sobre a responsabilidade objetiva, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a essencialidade do serviço, colhe-se o seguinte julgado:



APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. FATO DO SERVIÇO. PLANTADOR DE FUMO. SECAGEM INTERROMPIDA. PERDA NA QUALIDADE DO PRODUTO. APLICAÇÃO DO ART. 37, § 6º, DA CF E DO DIPLOMA CONSUMERISTA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MATERIAIS, DEVIDAMENTE COMPROVADOS. LAUDO TÉCNICO PRODUZIDO UNILATERALMENTE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO PONTUAL E CONCRETA. DOCUMENTO VÁLIDO PARA QUANTIFICAR OS PREJUÍZOS. MATÉRIA APRECIADA EM INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 405 DO CC E SÚMULA 43 DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. OBSERVÂNCIA DO ART. 85, §§ 2º E 11º, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (...)

Antes de adentrar no mérito propriamente dito, importa consignar, diferentemente do que apregoado no recurso, que é inegável que a relação jurídica existente entre a prestadora do serviço público de distribuição de energia elétrica e a parte autora é de consumo, uma vez que, a toda evidência, enquadram-se nos conceitos de fornecedor e consumidor de que tratam os artigos e , §2º, do Código de Defesa do Consumidor, sendo, pois regida pelas normas consumeristas.

Nesse sentido é o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça:

A orientação adotada pela jurisprudência do STJ é a de se aplicar o CDC na hipótese de serviço público prestado por concessionária, e o seu pagamento é a contraprestação, que deverá ser efetuada em forma de tarifa. (AgRg no AREsp n. 32.052/RJ, rel. Ministra Diva Malerbi (Des. convocada do TRF 3ª Região), j. 21.3.2016).

Esclareça-se que a despeito de a energia elétrica ser utilizada no processo de secagem do fumo produzido na propriedade rural do demandante, não se caracteriza propriamente como um insumo dessa produção, do que se conclui que os serviços foram adquiridos na qualidade de destinatário final, equiparando-se à figura do consumidor. Nesse sentido: Embargos Infringentes n. 2010.049262-0, de Ituporanga, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 8.9.2010, dentre outros.

Por outro lado, afigura-se induvidosa a vulnerabilidade técnica, jurídica, fática ou informacional do autor, pequeno produtor de fumo, em relação à concessionária de serviço público, situação que reforça a possibilidade de aplicação da legislação consumerista com base na aplicação da teoria finalista aprofundada, mitigada, adotada pelo STJ, conforme extrai-se do precedente, colhido a título de ilustração:

(...) A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade, o que foi configurado na hipótese dos autos. (...) (AgRg no AREsp 837.871/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. em 26.4.2016, DJe 29.4.2016) (...)

Sabe-se que a Celesc, ora ré/apelante, sociedade de economia mista concessionária de serviço público, é alcançada pela regra do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, segundo o qual

(...) as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Bem a propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "a responsabilidade civil da concessionária de serviço público é objetiva, sendo suficiente à configuração do dever de indenizar, a comprovação da ação/omissão, do dano e do nexo causal" (AgRg no AREsp 530.822/PE, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 26.4.2016, DJe 5.5.2016) (...)

A responsabilidade da concessionária decorre da natureza da atividade desenvolvida, considerado essencial, independentemente de culpa (...)

Sendo inegável que a relação jurídica existente entre a prestadora do serviço público de distribuição de energia elétrica e a parte autora é de consumo, aplicáveis, ainda, as normas consumeristas, em especial os artigos 6º, incisos VI e VII, e 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor: (...)

Como prestadora de serviço público considerado essencial é obrigada, assim, a manter o fornecimento regular de energia elétrica, sob pena de responder pelos danos advindos da deficiente ou má prestação de seus serviços, somente se eximindo de responsabilidade se provasse que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, incisos I e II) ou, ainda, mediante comprovação de que o evento danoso derivou de caso fortuito ou força maior. (...) (TJSC, Apelação Cível n. 0300251-12.2015.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Des. Sebastião César Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 09-11-2017 – grifou-se).



Para comprovar os fatos constitutivos de seu direito, os recorridos apresentaram laudo técnico firmado por engenheiro agrônomo, o qual atesta que a interrupção de energia elétrica perdurou por quase 20 (vinte) horas e quais foram os prejuízos à produção/safra dela decorrentes (pp. 15-16). O laudo em questão serve como prova, posto que a impugnação da concessionária é extremamente genérica – tanto em contestação (pp. 39-40), quanto em grau recursal.

A respeito, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já se manifestou em incidente de uniformização de jurisprudência:



INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIVERGÊNCIA, ENTRE AS CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTES DA INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA, OCASIONANDO O PERECIMENTO DO PRODUTO (FUMO), QUE SE ENCONTRAVA EM FASE DE SECAGEM EM ESTUFA, SUBMETIDA À VENTILAÇÃO MOVIDA POR ENERGIA ELÉTRICA. NECESSIDADE, SALVO HIPÓTESES EXCEPCIONAIS, DE OPORTUNIZAR O CONTRADITÓRIO QUANDO DEMONSTRADA, OBJETIVA E FUNDAMENTADAMENTE, O INTERESSE EM OUTRAS PROVAS. POSSIBILIDADE, TODAVIA, DE UTILIZAÇÃO DA PERÍCIA UNILATERAL, QUANDO AUSENTE CONTESTAÇÃO PONTUAL E CONCRETA. (TJSC, Pedido de Uniformização de Jurisprudência em Apelação Cível n. 2014.044805-2, de Itaiópolis, rel. Des. Ricardo Roesler, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 09-09-2015).



Restaram comprovados, portanto, o nexo causal e os danos suportados...

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