Acórdão Nº 0302206-56.2018.8.24.0092 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 30-01-2020

Número do processo0302206-56.2018.8.24.0092
Data30 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0302206-56.2018.8.24.0092, da Capital - Bancário

Relatora: Desa. Subst. Bettina Maria Maresch de Moura

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). ARGUIÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO AUTOR.

JUSTIÇA GRATUITA. DECISÃO JÁ EXARADA NOS MOLDES PLEITEADOS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. TEMAS APRECIADOS EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E CONFIRMADOS EM SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PLEITO NÃO CONHECIDO NOS PONTOS.

VÍCIO DE CONSENTIMENTO. TESE ACOLHIDA. CONSUMIDOR INDUZIDO A ERRO. AUSÊNCIA DE CLARA INFORMAÇÃO SOBRE A MODALIDADE DO CONTRATO FIRMADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E PRÁTICA ABUSIVA EVIDENCIADA. NULIDADE DA AVENÇA. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE.

RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE E DE FORMA DOBRADA. SUBSISTÊNCIA. APLICAÇÃO DA PENALIDADE PREVISTA NO ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PERMITIDA A COMPENSAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 368 DO CÓDIGO CIVIL. INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS, À RAZÃO DE 1% A.M. (UM POR CENTO AO MÊS), A CONTAR DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO DESEMBOLSO.

DANO MORAL. PERTINÊNCIA. ABALO ANÍMICO PRESUMIDO. VALOR INDENIZATÓRIO. ARBITRAMENTO EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA DA DATA DO ARBITRAMENTO. SÚMULA 362 DO STJ. JUROS MORATÓRIOS DA DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54 DO STJ.

ÔNUS SUCUMBENCIAIS INVERTIDOS.

RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302206-56.2018.8.24.0092, da Comarca da Capital - Bancário, 2ª Vara de Direito Bancário da Região Metropolitana de Florianópolis, em que é Apelante Dolcidio Silveira e Apelado Banco BMG S/A.

A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer parte do recurso de apelação e, nesta, dar-lhe provimento, nos termos da fundamentação. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Tulio Pinheiro, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Gilberto Gomes de Oliveira.

Florianópolis, 30 de janeiro de 2020.

Bettina Maria Maresch de Moura

Relatora


RELATÓRIO

Dolcidio Silveira ajuizou "Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Repetição de Indébito, Indenização por Danos Morais e Pedido de Tutela de Urgência" contra o Banco BMG S/A, objetivando, em síntese, a declaração de inexistência da contratação de cartão de crédito consignado com desconto de Reserva de Margem Consignável - RMC. Alegou que sua pretensão, ao buscar os serviços do Réu, seria a de realizar empréstimo consignado comum, surpreendendo-se, após a contratação, com descontos de 5% (cinco por cento) sobre os seus rendimentos de aposentadoria, os quais seriam estritamente relativos aos encargos moratórios do mútuo e não destinados à amortização do importe emprestado. Sustentou não ter recebido cartão de crédito algum. Pugnou pela concessão da justiça gratuita, a inversão do ônus probatório, a exibição do contrato e a condenação do Réu à restituição em dobro dos descontos realizados nos últimos cinco anos, bem como ao pagamento por indenização por danos morais, sugerindo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Subsidiariamente, fez pedido de readequação / conversão do negócio jurídico constituído entre as partes para empréstimo consignado de natureza comum, com a amortização dos valores já descontados via RMC, com base no montante à época contratado. Por fim, requereu a antecipação dos efeitos da tutela a fim de que a financeira se abstivesse de proceder o desconto de RMC no benefício da Autora (fls. 1/30).

Às fls. 44/50 foi indeferida a liminar pretendida, concedida a gratuidade da justiça e invertido o ônus da prova.

Citado (fl. 54), o Réu apresentou contestação (fls. 56/78). Argumentou que o Autor, de forma espontânea, contratou serviço de cartão de crédito consignado, tendo prévio conhecimento das cláusulas contratuais. Defendeu a inexistência de vícios nas negociações. Discorreu acerca da inobservância do dever de ressarcir valores e da ausência de danos morais, uma vez que não foram descontados valores a título de "empréstimo sobre a RMC". Subsidiariamente, pugnou pela fixação razoável de eventual indenização por abalo, além da devolução dos valores recebidos pela Autora em razão da prévia relação contratual (fl. 77).

Houve réplica (fls. 226/235).

Sobreveio sentença (fls. 236/243), tendo o Magistrado a quo julgado improcedentes os pedidos, nos seguintes termos:

[...] Ante o exposto e, por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados na inicial por DOLCIDIO SILVEIRA contra BANCO BMG S/A.

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), ex vi do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (CPC, art. 98, §3º). [...]

Irresignado, o Autor apelou (fls. 247/268). Em suas razões, pugna pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova, e repisa os argumentos manifestados na exordial, no sentido de que não fez uso do cartão de crédito. Alega a existência de vício de consentimento, uma vez que acreditava estar celebrando contrato de empréstimo consignado e não cartão de crédito com reserva de margem consignável. Destaca o desrespeito pela instituição financeira, ao dever de informação previsto na legislação consumerista. Requer, ao final, a reforma da sentença e a condenação do Réu ao pagamento de indenização por dano moral, sugerindo o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), bem como a restituição dúplice e outras cominações legais. Fez pedido pela concessão da Gratuidade da Justiça.

Com as contrarrazões (fls. 272/789), ascenderam os autos a esta Corte.

Este é o relatório.


VOTO

1. Da admissibilidade do recurso

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento da apelação.

Neste sentido, é orientação do Superior Tribunal de Justiça, através do Enunciado Administrativo n. 3:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC."

In casu, o recurso deve ser conhecido apenas em parte.

É consabido que a motivação é pressuposto de admissibilidade recursal, sendo obrigatória a exposição dos fundamentos de fato e de direito, nos quais se embasa a parte recorrente para pleitear o pronunciamento do órgão julgador sobre a decisão hostilizada, nos termos do artigo 1.010, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015, in verbis:

Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: [...] II - a exposição do fato e do direito;

Neste contexto, Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha fundamentam que "a apelação deve conter argumentos que, ao menos, tentam rechaçar a conclusão a que chegou a sentença atacada" (Curso de Direito Processual Civil - Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, 9ª edição, 3º vol., Salvador: JusPodivm, 2011, p. 105).

E, para finalizar, o eminente doutrinador Araken de Assis expõe que:

"O fundamento do princípio da dialeticidade é curial. Sem cotejar as alegações do recurso e a motivação do ato impugnado, mostrar-se-á impossível ao órgão ad quem avaliar o desacerto do ato, a existência de vício de juízo (error in judicando), o vício de procedimento (error in procedendo) ou o defeito típico que enseja a declaração do provimento. A motivação do recurso delimita a matéria impugnada (art. 515, caput). É essencial, portanto, à predeterminação da extensão e profundidade do efeito devolutivo. Por outro lado, a falta da motivação prejudica o contraditório: desconhecendo as razões do recorrente, o recorrido não pode se opor eficazmente à pretensão recursal." (Manual dos recursos. 2ª. edição São Paulo: RT, ano 2008, pg. 98). (g.n.)

Na hipótese, não se extrai interesse do Apelante/Autor no que tange ao pedido de inversão do ônus da prova, com base do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que expressamente albergado na decisão interlocutória de fls. 44/50, posteriormente confirmado em sentença (fl.239). E, no presente caso, a documentação de referência ao contrato em discussão foi apresentada pelo Réu/Apelado, restando analisado pelo Juízo a quo à luz dos pedidos exordiais e das normas de regência.

De igual modo, também não se vislumbra interesse em ver mantida a gratuidade da justiça. Isso porque, na sentença, o douto magistrado a quo assim decidiu (fls. 236/243):

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), ex vi do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (CPC, art. 98, §3º). (g.n.)

Assim, ausente dialeticidade quanto aos pontos acima elencados.

No mais, presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço parcialmente do recurso de apelação.

2. Do mérito

2.1 Da nulidade do contrato por vício de consentimento

Na vestibular, sustentou o Recorrente a nulidade da avença celebrada, por vício de consentimento, uma vez que assinou contrato para emissão de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com desconto em seu benefício previdenciário, induzida por informações equivocadas da Casa Bancária. Ressaltou que...

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