Acórdão Nº 0302256-89.2014.8.24.0038 do Segunda Câmara de Direito Civil, 23-01-2020

Número do processo0302256-89.2014.8.24.0038
Data23 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0302256-89.2014.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Rubens Schulz

APELAÇÕES CÍVEIS (2). AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. DEMANDA PROPOSTA EM FACE DA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE E NOSOCÔMIO CONVENIADO. NEGATIVA DE COBERTURA PARA REALIZAÇÃO DE PARTO CESARIANO, DE URGÊNCIA, EM RAZÃO DE CARÊNCIA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIAS DAS ACIONADAS.

MÉRITO. PROCEDIMENTO DE URGÊNCIA. COMPLICAÇÃO NO PROCESSO GESTACIONAL. TAQUICARDIA FETAL PERSISTENTE ATESTADO PELOS PROFISSIONAIS DO NOSOCÔMIO CONVENIADO. ARTS. 12, VII, "C" E 35-C, II, DA LEI 9.656/1998. DEVER DE ATENDIMENTO. HIPÓTESE QUE EXCEPCIONA O PRAZO DE CARÊNCIA. ATO ILÍCITO EVIDENCIADO. NOSOCÔMIO DE IGUAL MODO RESPONSÁVEL POIS SABEDOR DA URGÊNCIA NO ATENDIMENTO E DA NORMA APLICÁVEL À ESPÉCIE.

DANO MORAL. NOTÁVEL O ABALO DECORRENTE DA NEGATIVA DE PROCEDIMENTO URGENTE PARA NASCIMENTO DO FILHO. ANGÚSTIA, TRANSTORNO E SOFRIMENTO, NA VÉSPERA DO PARTO. INCERTEZAS E POSSIBILIDADE DE MAIORES COMPLICAÇÕES GESTACIONAL. SITUAÇÃO QUE FOGE DO MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DEVER DE REPARAR DE AMBOS OS DEMANDADOS.

QUANTUM. VALOR ARBITRADO EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ATENÇÃO, ADEMAIS, COM O CARÁTER INIBIDOR E PEDAGÓGICO AOS CAUSADORES DO DANO, BEM COMO, COMPENSATÓRIO, À VÍTIMA.

CORREÇÃO MONETÁRIA. ADEQUAÇÃO, DE OFÍCIO, A PARTIR DO ARBITRAMENTO (SÚM. 362, STJ).

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA ESTABELECIDA ADEQUADAMENTE, NA FORMA DO ART. 20, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973.

PREQUESTIONAMENTO DESNECESSÁRIO.

RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302256-89.2014.8.24.0038, da comarca de Joinville (5ª Vara Cível), em que é Apelante Bradesco Saúde S/A e outro e Apelado Pamela Francisca Larré Paiva.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento e, de ofício, adequar a incidência da correção monetária da verba indenizatória a partir do arbitramento (Súmula. 362 do STJ).

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Jorge Luis Costa Beber, presidente com voto, o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz e a Exma. Sra. Desa. Rosane Portella Wolff.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2020.

Desembargador Rubens Schulz

RELATOR

Documento assinado digitalmente

Lei n. 11.419/2006


RELATÓRIO

Pâmela Francisca Larré Paiva ajuizou esta ação indenizatória em face de Bradesco Seguros e Associação Beneficente Evangélica de Joinville perante o Juízo da 5ª Vara Cível da comarca de Joinville. Aduziu que, na condição de empregada da empresa Sintex Indústria de Plásticos, aderiu a plano de saúde oferecido pela empregadora e cujo pacto firmou com a ré Bradesco em 17-12-2013. Disse que, estando grávida e no curso do contrato de plano de saúde, enquanto submetia-se a ultrassonografia de rotina, foi informada de quadro grave emergencial de "taquicardia fetal", razão pela qual passou por consulta de emergência. Neste instante, a equipe médica do hospital réu constatou a necessidade premente de realização de parto cesareano de emergência, procedendo à internação da autora. Ocorreu que, no instante dos preparativos para a cirurgia, foi informada de que o procedimento não seria possível pois o plano não garantiu cobertura das despesas ao argumento de não cumprimento de carência mínima. Disse que não tinha condições para custear à sua expensa a despesa do procedimento e que, diante disto, não dispondo também de outro meio de transporte, se viu obrigada a dirigir-se de ônibus até a maternidade pública Darcy Vargas para realizar o procedimento pelo sistema público de saúde. Asseverou que, dando entrada na maternidade pública às 21h do mesmo dia, deu à luz a sua filha Sophia, em meio a todo o constrangimento, angústia, temor e medo causado pela situação. Sustentou que a situação foi causada por ato perpetrado pelos réus ao negar a realização do procedimento de emergência e que tal fato lhe causou grave constrangimento. Requereu fossem as rés condenadas no pagamento de indenização por dano moral.

Citada, a ré Bradesco Saúde apresentou a contestação alegando preliminar de falta de interesse de agir; no mérito, disse que houve boa-fé na negativa da cobertura, que o procedimento postulado pela autora exigia carência mínima de 300 (trezentos) dias, que a autora não havia cumprido o período mínimo para tanto e que a legislação confere faculdade de conferir prazo emergencial e urgencial de 24 horas, não constituindo este um dever. Arguiu ainda que o fato não constituiu dano moral indenizável e postulou a improcedência do pleito inicial (fls. 79-97).

A ré Associação Beneficente Evangélica de Joinville não respondeu (fl. 172).

Com a manifestação à contestação (fls. 165-170), o Magistrado Singular proferiu a sentença, conferindo procedência aos pleitos da inicial e condenando os réus a pagar à autora o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de indenização por dano moral, quantia à ser acrescida de correção monetária e juros de mora, ambos contados da citação. Ainda, condenou as rés, solidariamente, ao pagamento das custas e honorários ao patrono da autora, fixado em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação (fls. 173-175).

Irresignados, ambos os réus interpuseram apelação.

O réu Bradesco Saúde S/A alega que "o atendimento de emergência foi devidamente liberado, todavia, para o procedimento de parto cesariano (conforme documento médico de fls. 25), o prazo de carência é de 300 dias". Assim, narra que apenas cumpriu com as condições preestabelecidas no contrato de plano de saúde, não havendo falar em responsabilidade decorrente da negativa de procedimento. Destaca que o atendimento de emergência/urgência foi prestado, contudo o procedimento cirúrgico de cesariana não tinha cobertura, não podendo a responsabilidade da negativa do nosocômio no atendimento ser imputada a operadora do plano de saúde. Sustenta que a interpretação do contrato deve ser restritiva, não podendo ser imputado à operadora do plano de saúde mais coberturas do que as efetivamente contratadas, quando mais as expressamente excluídas. Tocante ao abalo moral, limita seu descontentamento ao quantum estabelecido pois se mostra exagerado. Pretende, também, a redução da verba honorária, caso mantida a procedência dos pedidos. Prequestiona dispositivos legais para eventual interposição de recurso à Corte Superior (fls. 178-194).

Por sua vez, a ré Associação Beneficente Evangélica de Joinville aduz que a interrupção na continuidade do tratamento foi regular porquanto o prazo de carência para o procedimento não havia escoado e, no caso, não se tratava de procedimento de urgência/emergência. Assim, com a informação de ausência de cobertura, e não tratando o caso de urgência/emergência, agiu corretamente com a interrupção do tratamento e encaminhamento da paciente a hospital público. Refuta o dano anímico alegado e o nexo causal entre este e as atitudes tomadas pelo nosocômio. Sustenta, subsidiariamente, que eventual responsabilidade deverá recair exclusivamente em face da operadora do plano de saúde que negou o atendimento, não havendo falar em condenação solidária. No mais, assevera que a indenização mostrou-se exagerada merecendo redução caso mantida a sentença (fls. 196-216).

Com as contrarrazões pela autora (fls. 241-274), os autos vieram a este Tribunal de Justiça.

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os requisitos legais, conhecem-se dos recursos das acionadas e passa-se a sua análise à luz do Código de Processo Civil de 1973, porquanto a sentença foi publicada ainda na sua vigência (18-2-2016, fl. 176).

1 RESPONSABILIDADE CIVIL

De início, esclarece-se que ao caso mostram-se aplicáveis as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, ante a natureza consumerista da relação firmada entre as partes, tratando-se a autora de consumidora e os réus de fornecedores de serviços, nos termos do art. 3º, do mencionado diploma legal, in verbis:

Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1°. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2°. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Por esta razão, é inegável a aplicabilidade das normas protetivas ao consumidor no caso - matéria que, inclusive, restou sumulada pelo eg. Superior Tribunal de Justiça (Súm. 608, STJ).

A apreciação da lide, portanto, deve ser feita com este prisma consumerista.

Neste ponto, convém relembrar que a apelada sustentou que lhe foi recusado o atendimento hospitalar, mais precisamente, realização de parto cesariano em situação de urgência/emergência, em razão de "taquicardia fetal sustentava de desacelerações sem contratação" (fls. 25-26), vendo-se desamparada e tendo que se deslocar através de transporte público para hospital público para realização do procedimento, situação que lhe acarretou abalo anímico.

Em defesa, sustentam os réus/apelantes que inexiste ato ilícito que lhes seja imputável: o plano de saúde porque agiu dentro do pactuado, em razão da existência de prazo de carência (de 300 dias) para o procedimento operatório desejado; o nosocômio, por ter apenas encerrado o tratamento iniciado por seus profissionais em razão da negativa de cobertura da operadora; no ponto, disse ainda que não era caso de emergência/urgência.

Muito bem.

De acordo com art. 186, complementado pelo art. 927, ambos do Código Civil, "aquele que, por ação ou omissão voluntária,...

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