Acórdão Nº 0302380-12.2018.8.24.0045 do Quarta Câmara de Direito Público, 27-05-2021

Número do processo0302380-12.2018.8.24.0045
Data27 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0302380-12.2018.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador ODSON CARDOSO FILHO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: ADELIA OTACILIA FAUSTINO DA SILVA APELADO: GISELI CRISTIANE GARCIA DE MEDEIROS APELADO: FABIANA LOPES DA SILVA APELADO: ELIS REGINA HEINZEN GARCIA APELADO: EDVAN HELIO GARCIA APELADO: IVONETE DE QUADROS GARCIA APELADO: ODAIR DA SILVA JUNIOR APELADO: VANESSA CAROLINE EGER JASPER APELADO: CARLOS EDUARDO JASPER APELADO: PRISCILA LUIZA GONCALVES APELADO: ANGELO KAROL FERREIRA APELADO: DAGOBERTO JEAN GARCIA APELADO: ROZENE MARIA GARCIA APELADO: MATILDE CECILIA DA SILVA APELADO: SOLANGE ANTUNES DE OLIVEIRA GARCIA APELADO: MARCELO HELIO GARCIA APELADO: MAURA GERBER FENILLI APELADO: FRANCIELLY KRISTINY DA ROSA SOUZA APELADO: ANSELMO ALVARO GARCIA APELADO: JAQUELINE JACINTO GARCIA APELADO: LEANDRO MARTINS DE MEDEIROS APELADO: JORGE HENRIQUE FENILLI

RELATÓRIO

Na comarca de Palhoça, Adelia Otacilia Faustino, Angelo Karol Ferreira, Priscila Luiza Gonçalves Ferreira, Carlos Eduardo Jasper, Vanessa Caroline Eger Jasper, Dagoberto Jean Garcia, Ivonete de Quadros Garcia, Edvan Helio Garcia, Elis Regina Heizen Garcia, Fabiana Lopes da Silva, Odair da Silva Junior, Francielly Kristiny da Rosa, Giseli Cristiane Garcia de Medeiros, Jaqueline Jacinto Garcia, Anselmo Alvaro Garcia, Jorge Henrique Fenilli, Maura Gerber Fenilli, Leandro Martins de Medeiros, Marcelo Helio Garcia, Solange Antunes de Oliveira Garcia, Matilde Cecilia da Silva e Rozene Maria Garcia ajuizaram, com fulcro na Resolução CM n. 8/2014 deste Tribunal de Justiça, ação de regularização fundiária (Projeto Lar Legal).

Aduziram que a área objeto de regularização é denominado de "Loteamento Álvaro José Garcia", em Palhoça, com certidão negativa de registro expedida pelo competente Cartório de Registro de Imóveis. Sustentaram que a ocupação dos lotes ocorreu de forma plenamente consentida, ainda que de modo informal, tendo os postulantes adquirido as áreas por meio de contratos de compra e venda, exercendo a posse para fins habitacionais e, na conformação atual da localidade, com o cumprimento dos parâmetros urbanísticos delineados pelo ente público municipal.

Assim, considerando que o pleito, além de observar o procedimento previsto na Resolução deste Sodalício, está em consonância com o princípio constitucional da função social da propriedade, requereram a declaração de domínio e a expedição de título hábil a consolidar a propriedade individualizada em favor de cada um dos demandantes.

Determinada a emenda da petição inicial (Evento 4 - 1G), os autores apresentaram esclarecimentos (Evento 7 - 1G).

Foi concedido o benefício da Justiça gratuita (Evento 12 - 1G).

Intimada a União (Evento 29 - 1G), o Estado (Evento 28 - 1G) e o Município de Palhoça (Evento 30 - 1G), assim como citados eventuais interessados por meio de edital (Evento 31 - 1G), o prazo para manifestação transcorreu in albis (Evento 35 - 1G).

O Ministério Público se manifestou pela improcedência dos pedidos, conferindo ao seu parecer o caráter de arguição incidental de inconstitucionalidade (Evento 40 - 1G).

Na sequência, após manifestação da parte autora (Evento 45 - 1G), a magistrada a quo julgou a pretensão procedente, "para declarar o domínio sobre as respectivas áreas individualizadas nas plantas e memoriais descritivos acostados aos autos, servindo a presente decisão como título para registro no Ofício de Registro de Imóveis, resolvendo o mérito da causa com base no art. 487, I, do CPC/2015" (Evento 47 - 1G).

Opostos embargos de declaração pelo Parquet (Evento 54 - 1G), foram estes rejeitados (Evento 57 - 1G).

Insatisfeito, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, com vistas à reforma da sentença e à improcedência dos pedidos. Em suas razões, afirma, em síntese, que a Resolução n. 8/2014 do Conselho da Magistratura deste Tribunal de Justiça estabelece flexibilização dos requisitos para regularização fundiária, contraria disposições insertas na legislação federal e, assim, consiste em usurpação da função legislativa do Parlamento Federal, já que compete à União legislar sobre direito civil e registros públicos (art. 22, I, da CF); referida inconstitucionalidade, já levantada pelo Parquet em parecer que antecedeu a decisão de mérito, foi ignorada na sentença, a qual, por conseguinte, padece de nulidade por falta de fundamentação (art. 489, § 1º, IV do CPC) e negativa de jurisdição (Evento 64 - 1G).

Com contrarrazões (Evento 68 - 1G), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 15).

Os demandantes requereram a juntada de documentos (Evento 18).

A Quarta Câmara de Direito Civil não conheceu do reclamo e determinou sua redistribuição a uma das Câmaras de Direito Público (Evento 24).

É o relatório.

VOTO

O recurso apresenta-se tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido; recebo-o também em seus efeitos legais (arts. 1.012, caput, e 1.013, caput, do CPC).

O Ministério Público alega, preliminarmente, a nulidade da sentença que julgou procedente o pedido de regularização fundiária, por afronta ao art. 489, § 1º, IV, do CPC, sob o argumento de que a manifestação do Parquet, apontando vício de inconstitucionalidade da Resolução CM n. 8/2014 deste Tribunal de Justiça não foi alvo da decisão hostilizada, pelo que, consequentemente, é nula, por falta de fundamentação. No mérito, sustenta ofensa ao art. 22, I, da Constituição Federal, uma vez que o Projeto Lar Legal configuraria usurpação de competência privativa da União para legislar sobre direito civil e registros públicos.

1. De saída, no que tange à alegada nulidade do decisum por ausência de motivação, colhe-se da sentença (Evento 57 - 1G):

A Resolução n. 08/2014 do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina instituiu o "projeto Lar Legal", o qual tem por finalidade viabilizar a regularização de ocupações fundiárias não planejadas/autorizadas administrativamente, consolidadas fisicamente, mas precárias de registro, conferindo aos residentes destas, geralmente pessoas de parcos recursos, uma moradia condigna, com acesso a equipamentos e serviços públicos básicos, que é um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988. Trata-se, portanto, de iniciativa de desburocratização em prol do exercício da cidadania, que parte do pressuposto de "que a atual função do Direito não se restringe à solução de conflitos de interesses e a busca de segurança jurídica, mas em criar condições para a valorização da cidadania e promoção da justiça social", conforme consta na exposição de motivos da citada Resolução. [...] No tocante à posição do Ministério Público, insta ressaltar que o resultado deste processo não tem o condão de interferir em qualquer procedimento de iniciativa intentada pelo parquet. Dita iniciativa, não descura das precauções mínimas, a fim de se poder aferir, com segurança, a legitimidade do pleito e assegurar os direitos de eventuais terceiros interessados. Uma série de documentos é exigida e, sobretudo, a participação do Poder Público Municipal é fundamental. Também o Estado e a União devem ser cientificados a respeito da existência do procedimento, observando-se, no caso específico, que não houve oposição. Lindeiros, caso não sejam autores da demanda, devem ser igualmente citados e, no caso em tela, não houve insurgência. Aliás, se resistência houvesse e se fosse fundada, o procedimento, aí sim, tornar-se ia inadequado, hipótese em que aos interessados não restaria outro caminho senão o contencioso. Destarte, pela farta documentação juntada aos autos, percebe-se que se trata de área consolidada cujas características se imbuem em perfeita consonância com os lídimos preceitos do "Projeto Lar Legal" ora invocado. Para arrematar, importante consignar que, surgindo futuramente eventuais prejudicados, não restarão desamparados, uma vez que, nos termos do art. 14 da Resolução "o registro poderá ser retificado ou anulado, parcialmente ou na totalidade, por sentença em processo contencioso, ou por efeito julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou se julgado sobre fraude à execução". (grifei)

O excerto aborda, de forma explícita, o parecer do Ministério Público, rechaçando a ventilada inconstitucionalidade da Resolução CM n. 8/2014, haja vista o seu caráter procedimental, de concretização da legislação federal e do texto constitucional, especialmente no que toca aos direitos fundamentais à moradia e à propriedade - observada, nesse caso, sua função social.

Nesse sentido, destaco que, em caso análogo ao presente, também oriundo da Comarca de Palhoça, este Sodalício assim já decidiu:

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA - "PROJETO LAR LEGAL" - NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - ASPECTO CONTROVERTIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EXPLICITAMENTE ABORDADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA - VÍCIO INEXISTENTE - IRREGULARIDADE NO DIAGNÓSTICO SOCIOAMBIENTAL...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT