Acórdão Nº 0302388-97.2016.8.24.0064 do Segunda Câmara de Direito Civil, 05-08-2021

Número do processo0302388-97.2016.8.24.0064
Data05 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0302388-97.2016.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador RUBENS SCHULZ

APELANTE: DELFINO GUEDES (AUTOR) APELANTE: MARIA SALESIA CRISTOVAO (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Delfino Guedes ajuizou esta Ação de Reintegração de Posse em face de Maria Salésia Cristóvão perante o Juízo da 2ª Vara Cível da comarca de São José. Alegou que adquiriu o imóvel constituído do terreno, lote n. 116 localizado no Loteamento Parque Residencial Araucária, em abril de 1996. Disse que edificou uma casa no imóvel e, pouco tempo depois, deixou o imóvel em razão de ter tomado posse em cargo público no Distrito Federal. Arguiu que, no ato, deixou o imóvel aos cuidados de seu cunhado Renato, a título de comodato, e este, por sua vez, cedeu o imóvel a terceiros para moradia com a mesma natureza. Argumentou que Renato deixou o imóvel, momento em que firmou contrato verbal de locação com terceiros que não conheceu, com negócio intermediado por um vizinho (Antônio) que passou a cuidar de seu imóvel. Ocorreu que, em 2011, foi informado por Antônio que o imóvel havia sido invadido, com ocupação sem sua autorização. Pugnou pelo deferimento de Justiça Gratuita e, ao final, que o Juízo concedesse ordem de reintegração, bem como condenasse a ré a indenizar os prejuízos decorrentes da alegada invasão.

O Juízo de origem deferiu a gratuidade e determinou a citação (evento 10).

Citada, a ré ofereceu contestação arguindo em preliminar a falta de interesse de agir. No mérito, destacou que passou a ocupar a casa ainda em 1998, tendo obtido a posse do imóvel em péssimas condições. Disse que fez as melhorias necessárias para que o imóvel pudesse ser habitado, qual seja, edificação de telhado, de muro, pintura, instalação de revestimentos, esquadrias, além de pedir a ligação de serviços de água e de energia elétrica. Requereu o deferimento de Justiça Gratuita e, por fim, pugnou pela improcedência (evento 15).

Com a manifestação do autor, o Juízo proferiu decisão saneando a lide, fixando pontos de controvérsia e deferindo a produção de prova oral (evento 27).

Na audiência de instrução foram os depoimentos do autor, da ré e de uma testemunha (evento 43).

Apresentadas as alegações finais pelas partes, sobreveio então a sentença em que a Magistrada julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, determinando a reintegração do autor na posse do bem, mas somente depois que este indenizasse a ré pelas benfeitorias realizadas, cabendo à demandada o direito de retenção. Ainda, condenou a ré a pagar custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), ficando suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade (evento 50).

Insatisfeito, o autor interpõe apelação. Argumenta preliminarmente a nulidade do julgado, pois entende que a sentença foi extra petita ao reconhecer o direito a indenização por benfeitorias; no ponto, sustenta que a decisão recorrida extrapolou os limites do pedido inicial ao deferir a reintegração de posse somente após a indenização pelas benfeitorias feitas pela ré, até porque esta não formulou pedido de indenização pelas benfeitorias, nem produziu prova das melhorias que supostamente realizou. No mérito, aduz ainda que, se mantida a ordem de indenizar as benfeitorias, então a sentença deveria proceder à compensação com a indenização buscada pelo autor na peça inicial. Por fim, assevera que honorários sucumbenciais devem ser majorados, fixando em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado. Pugna pelo conhecimento e provimento do apelo, com a reforma do julgado (evento 55).

A ré, ciente do recurso do autor, interpõe recurso adesivamente, sustentando que o imóvel estava abandonado quando a ré entrou na posse e que o autor perdeu a posse por deixar de exercer esse direito. Pugna pelo conhecimento e provimento do apelo adesivo, com a reforma da sentença, conferindo improcedência aos pleitos do autor (evento 62)

Apresentadas as respectivas contrarrazões, os autos foram encaminhados a este Tribunal de Justiça.

Vieram-me conclusos.

VOTO

De início, destaca-se que a apreciação dos presentes recursos, em detrimento de outros que estão há mais tempo conclusos neste gabinete, não afronta o critério cronológico de julgamento dos processos, previsto no art. 12 do Código de Processo Civil de 2015. Ao revés, valendo-se da interpretação do parágrafo 2º do referido artigo, tratando-se de causa relativamente simples, antecipar o seu julgamento privilegia a celeridade e a economia processual e contribui para o desafogamento do Judiciário, uma das diretrizes da novel legislação.

Assim, presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade da apelação do autor e do recurso adesivo da ré, conhece-se de ambos os recursos e passa-se a sua análise.

1 NULIDADE DA SENTENÇA

Aduziu o autor que a sentença ultrapassou os limites objetivos postos na petição inicial e na contestação ao determinar que a reintegração aconteça somente depois de indenizadas as benfeitorias.

Com o devido respeito pelo entendimento exposto na decisão recorrida, tenho que o alegado deva prosperar.

O artigo 492 do CPC preceitua que "é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado".

Na mesma linha, à exegese do artigo 141 do mesmo diploma processual, "o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte".

Então, se de um lado a decisão não pode conceder mais do que o que fora postulado (ultra), do mesmo modo não poderá apreciar pedido estranho ao debate dos autos e/ou não constante da peça inicial (extra).

No caso em tela, muito embora não se tenha dúvidas de que a requerida tenha realizado benfeitorias no imóvel (conforme constará adiante nestes fundamentos), não consta de sua contestação o pedido da indenização por benfeitorias e o consequente direito de retenção.

A teor do art. 1.219 do Código Civil "o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis".

Contudo, a indenização cabida ao possuidor de boa-fé que, pelo comando judicial, venha a deixar a posse, carece de prévio pedido feito nos autos, necessariamente.

Ora, "benfeitorias podem, conforme a modalidade e o título subjetivo, render indenização e retenção ao réu em ação na qual que seja discutida a sua posse". Contudo, "a reparação depende de reconvenção ou, em ações dúplices como a possessória, de pedido na contestação. Fora daí, deve ser pleiteada por ação autônoma. Já a retenção, exceção de direito material, reclama arguição na contestação, ou haverá perda da prerrogativa" (TJSC, Apelação n. 5002880-29.2020.8.24.0067, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 20-07-2021).

Este é também o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.RETENÇÃO DA COISA POR BENFEITORIAS. DIREITO QUE NÃO FORA EXERCIDO NA CONTESTAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DESCABIMENTO. AÇÃO AUTÔNOMA COM O MESMO FIM. INADMISSIBILIDADE.1. Embargos à execução opostos em 30/06/2016. Recurso especial interposto em 25/08/2018 e concluso ao Gabinete em 07/12/2018.2. O propósito recursal consiste em dizer acerca da possibilidade de oposição de embargos de retenção por benfeitorias na hipótese dos autos, ante a sucessiva modificação da lei processual a respeito da matéria.3. Embora o art. 744 do CPC/73, em sua versão original, previsse a oposição de embargos de retenção por benfeitorias em sede de execução de sentença judicial, a reforma implementada pela Lei 10.444/2002 suprimiu essa possibilidade. A partir de então, a retenção por benfeitorias pode ser pleiteada em embargos apenas nas execuções de títulos extrajudiciais para entrega de coisa certa.4. Desde a reforma da Lei 10.444/2002, cabe ao possuidor de boa-fé, quando demandado em ação que tenha por objeto a entrega da coisa (restituição), pleitear a retenção por benfeitorias na própria contestação, de modo a viabilizar que o direito seja declarado na sentença e possa, efetivamente, condicionar a expedição do mandado restituitório.5. Não arguida na contestação, opera-se a preclusão da prerrogativa de retenção da coisa por benfeitorias, sendo inadmissível o exercício da pretensão em embargos à execução ou impugnação e, tampouco, a propositura de ação autônoma visando ao mesmo fim.6. A preclusão do direito de retenção não impede que o possuidor de boa-fé pleiteie, em ação própria, a indenização pelo valor das benfeitorias implementadas na coisa da qual foi desapossado.7. Recurso especial conhecido e provido.(REsp...

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