Acórdão Nº 0302435-02.2014.8.24.0045 do Quarta Câmara de Direito Público, 29-10-2020

Número do processo0302435-02.2014.8.24.0045
Data29 Outubro 2020
Tribunal de OrigemPalhoça
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0302435-02.2014.8.24.0045, de Palhoça

Relatora: Desa. Subst. Bettina Maria Maresch de Moura

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR.

AQUISIÇÃO DE IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL, NA REGIÃO LOCALIZADA NOS "CAMPOS DE ARAÇATUBA OU MACIAMBU", PERTENCENTE AO ESTADO DE SANTA CATARINA. IMPOSSIBILIDADE. PARTICULAR QUE EXERCE MERA DETENÇÃO DO BEM. OCUPAÇÃO IRREGULAR POR OUTROS, QUE NÃO DESQUALIFICA A ÁREA. EXEGESE DOS ARTS. 183, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 102 DO CÓDIGO CIVIL, E DA SÚMULA 340 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DO DECISUM, QUE SE IMPÕE.

ESTIPÊNDIOS RECURSAIS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 85, §§ 1° E 11. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM BENEFÍCIO DO PATRONO DA PARTE RECORRIDA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302435-02.2014.8.24.0045, da Comarca de Palhoça, 3ª Vara Cível, em que é Apelante Valdecir de Souza Wolff e Apelado Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, fixando-se honorários recursais. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Odson Cardoso Filho, com voto e dele participou a Exma. Sra. Desa. Sônia Maria Schmitz.

Florianópolis, 29 de outubro de 2020.

Bettina Maria Maresch de Moura

Relatora

RELATÓRIO

Adoto o relatório de primeiro grau (fls. 168/171), por bem retratar o processado:

"Valdecir de Souza Wolf ajuizou ação de usucapião, devidamente qualificado nos autos.

Alegou, em síntese, que é possuidor de um terreno localizado na Travessa Evadio Broeting, no bairro Praia do Sonho, nesta Comarca, com área de 4.530,50m².

Narrou que os antigos possuidores venderam-lhe uma parte menor de um terreno, os quais já detinham a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini há 27 anos.

Sustentou que o terreno não está certificado no Registro de Imóveis porque se trata de uma área superficial e não possui cadastro imobiliária correspondente.

Por fim, requereu a procedência do pedido para que seja declarada a propriedade do imóvel usucapiendo. Formulou os pedidos de praxe, valorou a causa e acostou documentos.

Determinada a emenda da inicial para apresentação de documentos faltantes (fl. 31), o que foi atendido às fls. 33/40 e 57/58.

Os confrontantes foram citados (fls. 120 e 131).

Intimadas por via postal, as Fazendas Públicas da União, do Estado e Município quedaram-se inertes.

O Ministério Público manifestou-se pela citação do Estado de Santa Catarina, uma vez que a área a ser usucapida pertence ao ente estatal, assim como pleiteou a expedição de ofício à FATMA para esclarecimentos acerca do terreno objeto da demanda (fl. 136), o que foi deferido à fl. 137.

Ofício da FATMA e informações técnicas sobre a área a ser usucapida (fls. 145/147).

O Estado de Santa Catarina apresentou contestação sustentando, em resumo, que o terreno é bem público e, portanto, não pode ser objeto de usucapião, motivo pelo qual postulou a improcedência da demanda e acostou documentos (fls. 148/153).

Houve réplica (fls. 158/162).

O Ministério Público manifestou-se pela improcedência do pedido às fls. 166/167".

O litígio foi assim decidido na origem:

"[...] Ante o exposto, com esteio no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na peça inaugural.

Condeno o autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado e sem pendências, arquive-se".

Irresignado, o Autor interpôs apelação (fls. 178/183). Em suas razões, suscita, preliminarmente, a intempestividade da contestação ofertada pelo Estado de Santa Catarina, requerendo seu desentranhamento e aplicados os efeitos da revelia, por versar a causa, sobre direito patrimonial disponível. No mérito, assevera que "os imóveis públicos vagos, principalmente as terras devolutas, são passíveis de usucapião com base no princípio da função social da propriedade e no princípio da dignidade humana (moradia)", sobretudo quando inseridos em área já ocupada com "diversas residências". Alega que "há compatibilidade legal entre o domínio privado e a delimitação da área de preservação ambiental, sendo passível de ser havido por particulares via prescrição aquisitiva". Afirma que "o Poder Executivo está na iminência de pedir à Alesc o desarquivamento do Projeto de Lei Estadual n. 214/2017, que autoriza a doação de imóveis no Município de Palhoça/SC, a fim de que sejam regularizados inúmeros imóveis em situação irregular na região do Maciambú", de modo que "não há que se falar na impossibilidade de usucapião sobre o imóvel objeto da lide". Requer o provimento do recurso para reformar a sentença, com o reconhecimento da revelia do Estado de Santa Catarina e a procedência do pedido, declarando-se "o domínio do apelante sobre o imóvel usucapiendo". Junta documentos às fls. 184/292.

Com contrarrazões (fls. 298/303), os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva (fls. 311/316), pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Este é o relatório.


VOTO

1. Da admissibilidade

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento da apelação.

Neste sentido, é orientação do Superior Tribunal de Justiça, através do Enunciado Administrativo n. 3:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC."

Por outro lado e no que se refere ao preparo, tem-se que na decisão prolatada nos embargos de declaração opostos pelo Autor, suprida a omissão da sentença quanto à suspensão da exigibilidade dos encargos de sucumbência (fls. 296/297), em vista das benesses da gratuidade da justiça que foram deferidas precariamente à fl. 31.

Em consequência, presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

Anote-se entretanto, que inviável a análise dos documentos encartados com a apelação, por não se tratarem de documentos novos, tampouco justificada a apresentação somente nesta oportunidade. De igual forma, como se verá, seriam irrelevantes para o desfecho da demanda.

2. Do recurso

Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado na Ação de Usucapião ajuizada pelo Apelante Valdecir de Souza Wolff.

2.1 Da preliminar

Assevera o Apelante/Autor a intempestividade da contestação ofertada pelo Estado de Santa Catarina, devendo ser desentranhada e aplicados os efeitos da revelia, por versar a causa sobre direito patrimonial disponível.

Conquanto suscitada na réplica (fl. 158), a prefacial não foi analisada na sentença.

Nada obstante, é de ser rejeitada.

Por óbvio, mera notificação anterior da parte, não geraria a incidência dos efeitos da revelia, o que só poderia ocorrer, em decorrência de efetivo ato de citação.

Por outro lado e ao contrário do esposado pelo Recorrente, não se trata de direito patrimonial disponível do Estado, pelo que, eventual manifestação tardia, não excluiria a obrigatória análise sobre a situação de bem público, circunstância inclusive, a ser verificada de ofício, pelo juízo.

Prescreve o art. 345, inciso II do CPC/15:

Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:

I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;

II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis; [...]

Assim, afasta-se a preliminar.

2.2 Do mérito

Assevera o Apelante/Autor que "os imóveis públicos vagos, principalmente as terras devolutas, são passíveis de usucapião com base no princípio da função social da propriedade e no princípio da dignidade humana (moradia)", sobretudo quando inseridos em área já ocupada com "diversas residências". Alega que "há compatibilidade legal entre o domínio privado e a delimitação da área de preservação ambiental, sendo passível de ser havido por particulares via prescrição aquisitiva". Afirma que "o Poder Executivo está na iminência de pedir à Alesc o desarquivamento do Projeto de Lei Estadual n. 214/2017, que autoriza a doação de imóveis no Município de Palhoça/SC, a fim de que sejam regularizados inúmeros imóveis em situação irregular na região do Maciambú", de modo que "não há que se falar na impossibilidade de usucapião sobre o imóvel objeto da lide".

Sem razão.

Dispõe a Constituição Federal:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

[...]

§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

E o Código Civil:

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

Além disso, a temática está sumulada no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião" (Súmula 340).

Pois bem.

O Apelante/Autor objetiva a aquisição da propriedade de uma área contendo 4.530m², na Travessa Evadio Broeting, Praia do Sonho, em Palhoça/SC, da qual é mero detentor desde o ano de 2003, por força do instrumento particular de "Contrato de Compra e Venda de Terreno à Vista", celebrado com José Ferreira de Oliveira e Maria Isabel de Oliveira (fls. 19/20).

Referido imóvel não possui registro imobiliário próprio, pois pertence a uma área maior, do...

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