Acórdão Nº 0302475-10.2015.8.24.0025 do Sexta Câmara de Direito Civil, 12-04-2022

Número do processo0302475-10.2015.8.24.0025
Data12 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0302475-10.2015.8.24.0025/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO

APELANTE: IZOLENE VIEIRA (AUTOR) ADVOGADO: IVENS DEBORTOLI DUARTE (OAB SC040361) APELADO: OI S.A. - EM RECUPERACAO JUDICIAL (RÉU) ADVOGADO: WILSON SALES BELCHIOR (OAB SC029708)

RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório de sentença:

Trata-se de ação indenizatória c/c pedido de repetição do indébito, promovida por Izolene Vieira, em face de OI S/A.A autora, salienta que é contratante de linha telefônica junto à parte ré, e que, vem sendo cobrada mensalmente por diversas ligações que não realiza. Por isso, postula pela repetição em dobro do indébito, bem como pela reparação a titulo de dano moral.A liminar foi parcialmente deferida, determinando que a parte ré se abstenha de efetuar cobranças de ligações para o número 47 - 99316744.A parte ré, por sua vez, esclarece que as cobranças são devidas, pois o serviço foi efetivamente prestado e que, portanto, trata-se de exercício regular de um direito. Dessa forma, postula pela improcedência da ação.Instada, a parte autora restou silente sobre a contestação.Vieram os autos conclusos.É o relatório. Decido.

A parte dispositiva é do seguinte teor:

Dispositivo.Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, para:CONDENAR o réu à restituição dos valores cobrados e pagos da autora, de forma simples, atualizados moiamente pelos índices da CGJSC desde os respectivos descontos e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação por se tratar de relação contratual. O respectivo valor deverá ser devidamente apurado e liquidado em fase de cumprimento de sentença.Mantenho a liminar deferida.DEIXAR DE CONDENAR o réu ao pagamento de Danos morais.Condeno a parte ré, a título de honorários sucumbenciais, ao pagamento de R$-1.500,00 (mil e quinhentos reais), na forma do artigo 85, §8 do CPC. (REsp 1746072/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 13-2-2019, DJe 29-3-2019).P.R.I.Transitada em julgado e cumpridas as formalidades legais, arquive-se, com as devidas baixas.



Inconformada, a parte autora interpôs apelo (evento 40), aduzindo, em breve síntese, que, em sentença, foram reconhecidas como indevidas as cobranças impugnadas, sendo que, tendo por diversas vezes solucionar a controvérsia em sede extrajudicial, a repetição do indébito deve ser efetuada na forma dobrada. Ainda, defende que a requerida deve ser condenada ao pagamento de indenização pelo abalo anímico causado, na importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), vez que a situação extrapola o mero aborrecimento.

Contrarrazões foram apresentadas no evento 48.

Em decisão (evento 57), a 3ª Turma Recursal - Florianópolis (Capital) conheceu e negou provimento ao reclamo.

Opostos aclaratórios pela apelante (evento 62), foram acolhidos para, diante do reconhecimento da incompetência da 3ª Turma de Recursos para o julgamento do apelo em razão do feito ter tramitado pelo procedimento ordinário, revogar a decisão do evento 57 e determinar o encaminhamento dos autos a uma das Câmaras de Direito Civil desta Corte de Justiça.

Após, vieram-me os autos conclusos.

Este é o relatório.



VOTO

Ab initio, convém assentar que a publicação da decisão objurgada ocorreu na vigência do novo Código de Processo Civil. Logo, o caso será analisado sob a égide do referido regramento, consoante preconiza o Enunciado Administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça.

Satisfeitos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Como visto, trata-se de apelação cível interposta por Izolene Vieira, no bojo da presente "ação de indenização por danos morais decorrente de ato ilícito c/c pedido de liminar c/c repetição de indébito", movida por si em desfavor de Oi S/A perante o juízo da comarca de Gaspar (1ª Vara Cível), o qual julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais.

Pretende a recorrente a reforma da sentença a fim de que a ré seja condenada à repetição do indébito na forma dobrada e ao pagamento de indenização por danos morais.

Urge consiganar que a ilicitude do ato restou devidamente caracterizada, posto que transitou em julgado seu reconhecimento.

Isso dito, convém anotar que o caso em deslinde atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, porquanto autora e ré se enquadram, de forma precisa, nos conceitos de consumidor e fornecedor estampados nos arts. 2º e 3º, estes da legislação de regência, respectivamente, "ex vi":

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Em face da normativa inserta ao artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, tem-se que o réu responde objetivamente "pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços" - no que se inclui os atos em contenda.

Acerca dessa temática, convém transcrever os ensinamentos de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves:

Assim como ocorre com o produto, o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança necessária que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo de seu fornecimento; o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido. (In: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 164).

E, antes de adentrar à análise do "meritum causae", impõe destacar que, nada obstante à inversão do ônus da prova - "ope legis" (art. 14, do CDC) ou "ope judicis" (art. 6º, inc. VIII, do CDC) - a inversão do "onus probandi" não exime a parte consumidora de demonstrar minimamente os fatos constitutivos do direito, sobretudo porque não se pode impor à ré o encargo de produzir prova negativa.

Este, inclusive, é o entendimento assentado pelo Órgão Especial deste Sodalício: "A inversão do ônus da prova não exime o consumidor de trazer aos autos indícios mínimos do direito alegado na inicial quando a prova lhe diga respeito" (Súmula n. 55).

A propósito, pertinente colacionar os ensinamentos do prof. Humberto Theodoro Júnior:

O mecanismo da inversão do ônus da prova se insere na Política Nacional das Relações de Consumo, com o objetivo de tutelar o consumidor, e deve ser aplicado até quando seja necessário para superar a vulnerabilidade do consumidor e estabelecer seu equilíbrio processual em face do fornecedor. Não pode, evidentemente, ser um meio de impor um novo desequilíbrio na relação entre as partes, a tal ponto de atribuir ao fornecedor um encargo absurdo e insuscetível de desempenho.Ressalte-se que não pode resultar da inversão o ônus para o fornecedor de provar o fato constitutivo do direito pretendido pelo consumidor. O que se impõe ao fornecedor é a prova dos fatos que, segundo sua defesa, excluiriam a responsabilidade que o demandante lhe imputa. Fatos esses que normalmente não se teriam de ser provados, se não existisse nem mesmo o começo de prova das alegações do demandante. Se a inicial nada demonstra que, pela verossimilhança ou pela experiência da vida, se pode ter como indícios da veracidade dos fatos constitutivos do direito, nenhum sentido teria a inversão de que cogita o CDC. O consumidor sucumbirá pela completa ausência de suporte fático-jurídico capaz de sustentar sua pretensão. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 59).

Destarte, forçoso concluir, em suma, que a inversão do ônus da prova não exime a autora de comprovar minimamente os fatos constitutivos de seu direito, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil.

Nesse norte, em relação à devolução dos valores pagos indevidamente, convém asseverar que o art. 42 do microssistema protetivo prevê que "o consumidor cobrado em qualquer quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo disposição justificável".

Acerca do tema, válidas as lições de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin:

No sistema do Código Civil, a sanção só tem lugar quando a cobrança é judicial, ou seja, pune-se aquele que movimenta a máquina do Judiciário injustificadamente.Não é esse o caso do Código de Defesa do Consumidor. Usa-se aqui o verbo cobrar, enquanto o Código Civil refere-se a demandar. Por conseguinte, a sanção, no caso da lei especial, aplica-se sempre que o fornecedor (direta ou indiretamente) cobrar e receber, extrajudicialmente, quantia indevida.[...]Exatamente por regrar, no iter da cobrança, estágio diverso e anterior (mas nem por isso menos gravoso ao consumidor) àquele tratado pelo CC é que o CDC impõe requisito inexistente na norma comum. Note-se que, ao revés do que sucede com o regime civil, há necessidade de que o consumidor tenha, de fato, pago indevidamente. Não basta a simples cobrança. No art. 940, é suficiente a simples demanda.[...]No Código Civil, só a má-fé permite aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé quanto a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição.O...

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