Acórdão Nº 0302544-08.2018.8.24.0067 do Segunda Câmara de Direito Público, 19-04-2022

Número do processo0302544-08.2018.8.24.0067
Data19 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0302544-08.2018.8.24.0067/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA

APELANTE: SERBET - SISTEMA DE ESTACIONAMENTO VEICULAR DO BRASIL LTDA APELANTE: ANDRÉ DE SOUZA MAFRA APELANTE: RICARDO PEDRO BOM FILHO APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações cíveis interpostas por SERBET - Sistema de Estacionamento Veicular do Brasil Ltda., Ricardo Pedro Bom Filho e outro, bem como pelo Município de São Miguel do Oeste contra sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de São Miguel do Oeste, que, em ação popular ajuizada por André de Souza Mafra e Ricardo Pedro Bom Filho em desfavor do Município de São Miguel do Oeste e SERBET, julgou parcialmente o pedido formulado na inicial para declarar a ilegalidade do Decreto Municipal n. 8.878/2017 no que diz respeito à possibilidade de "regularização" do "Aviso de Cobrança de Tarifa - ACT" via pagamento de "Tarifa de Pós-Utilização", substitutiva da multa por infração à legislação de trânsito, condenando os réus ao pagamento das custas do processo e honorários advocatícios arbitrados mediante análise equitativa na quantia fixa de R$ 15.000,00.

Extrai-se da parte dispositiva:

"Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos, com base no art. 487, I, do CPC, para DECLARAR a nulidade do Decreto Municipal n° 8.878/2017, APENAS no que concerne à possibilidade de "Regularização" do "Aviso de Cobrança de Tarifa-ACT" via o pagamento de "Tarifa de Pós-Utilização".

Corolário lógico de deslinde proposto, CONFIRMO a Decisão Interlocutória de fls. 280/286.

Em atenção aos demais pedidos esboçados, reitero o posicionamento já firmado por esta magistrada à fl. 330 desses autos eletrônicos de que, não cabe a esse juízo determinar ou autorizar a retificação de ato suspenso, tendo em conta que a Lei nº. 4.717/1965, assim prevê expressamente em seu artigo primeiro: "qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedade de economia mista [...]".

Sem mais, por força da sucumbência, condeno os Réus, ao pagamento das custas processuais, bem como dos honorários advocatícios, estes, que fixo em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), na razão de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) cada.

PUBLIQUE-SE.

REGISTRE-SE.

INTIMEM-SE.

OPORTUNAMENTE, ARQUIVE-SE"

O SERBET e o Município de São Miguel do Oeste suscitam a preliminar de falta de interesse de agir, uma vez que a ação popular teria sido manejada em proveito próprio, apenas buscando o recebimento de elevado percentual a título de honorários advocatícios, bem como impugnam o valor dado à causa: R$ 5.000.000,00.

Quanto ao mérito, discorrem sobre a competência dos municípios para dispor sobre o estacionamento rotativo e sua regulamentação, razão pela qual seria válido o "Aviso de Cobrança de Tarifa - ACT" para pagamento da "Tarifa de Pós-Utilização" (eventos 68 e 72, 1G).

Já os autores requerem a vinculação dos honorários advocatícios a percentual sobre o valor da causa, conforme previsão do art. 85, §§ 3° e 5°, do CPC (evento 69, 1G).

Foram apresentadas as contrarrazões.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e parcial provimento dos recursos interpostos por SERBET e pelo Município de São Miguel do Oeste, tão somente no ponto que trata da adequação do valor atribuído à causa.

Deixou de intervir no mérito do recurso interposto pelo autores populares, uma vez que restrito aos honorários de advogado, interesse de natureza meramente patrimonial (evento 15, 2G).

É o relatório.

VOTO

Os recursos devem ser conhecidos, porquanto satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

1. Dos recursos interpostos por SERBET e pelo Município de São Miguel do Oeste:

1.1 Falta de interesse de agir:

De acordo com o art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".

A mera possibilidade de condenação do ente público demandado ao pagamento de honorários advocatícios em ação popular, cujo arbitramento fica a mercê de decisão judicial, independentemente dos valores sugeridos na peça pórtica, não infirma a legitimação para a causa e o interesse processual.

1.2 Impugnação ao valor da causa:

Muito embora os requerentes tenham se baseado em dados concretos a fim de indicar o valor da causa, utilizando o número de "avisos de irregularidade" expedidos pela concessionária para calcular a média diária e, assim, indicar possível repercussão econômica da demanda, a presente ação não possui conteúdo econômico imediatamente aferível.

Os valores provenientes da cobrança da tarifa, bem como aqueles que poderiam ter sido obtidos por meio da aplicação das penalidades de trânsito pelos agentes administrativos ao longo do período de operacionalização tarifária, não influenciam na resolução do mérito da questão sob exame.

Assim como advertiu a douta Procuradoria-Geral de Justiça, o sistema de valoração da causa atribuído às ações coletivas é peculiar, "(...) tendo em vista o fato de seu proveito econômico não estar, necessariamente, vinculado ao benefício patrimonial, direto ou imediato, de determinado conjunto de pessoas, muitas vezes representando os danos suportados por cada um pertencente àquele grupo, de forma individual" (STJ, REsp 1.712.504/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 10-04-2018, DJe 14-06-2018).

Desse modo, sabendo-se que o valor da causa é matéria de ordem pública, podendo ser arguida a qualquer tempo e grau de jurisdição, deve ser corrigido em razão da demanda não possuir proveito econômico imediato e ser de valor inestimável, conforme o disposto nos arts. 292, § 3º, e 293 do CPC, totalizando-a em R$ 10.000,00.

A propósito, colhe-se julgado do STJ:

"DIREITO FALIMENTAR. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APURAÇÃO DO SALDO DE CUSTAS. ART. 63, II, DA LEI 11.101/05. VALOR DA CAUSA. EXPRESSÃO PECUNIÁRIA QUE DEVE REFLETIR O BENEFÍCIO ECONÔMICO DA AÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL. SÚMULA 280/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.

[...] 4- O valor da causa é matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo julgador a qualquer tempo e grau de jurisdição, não se sujeitando aos efeitos da preclusão. Precedentes.

[...] 10- Recurso especial não provido." (REsp 1.637.877/RS, Rel. Mina. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 19-10-2017, DJe 30-10-2017)

No mesmo sentido, desta Corte de Justiça:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REVISÃO E EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS C/C PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. JUSTIÇA GRATUITA. INDEFERIMENTO. DECLARAÇÃO DO AGRAVANTE QUE INFORMA A SUA HIPOSSUFICIÊNCIA. ARTS. 98 E 99, CAPUT E § 3º, AMBOS DO CPC/2015 C/C ART. 1º DA LEI 7.115/1983. OUTROS DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS DO RECORRENTE. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. VALOR DA CAUSA QUE, NAS AÇÕES REVISIONAIS DE ALIMENTOS, DEVE CORRESPONDER À DIFERENÇA ENTRE O VALOR PLEITEADO E AQUELE QUE VEM SENDO PAGO, MULTIPLICADO POR DOZE MESES, ASSIM COMO, TRATANDO-SE DE AÇÃO DE EXONERAÇÃO, O VALOR DA CAUSA DEVE CORRESPONDER AO VALOR ANUAL DA PENSÃO QUE O AUTOR PRETENDE VER-SE EXONERADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. [...] II. Considerando que o valor da causa é matéria de ordem pública, diante de sua relevância e consequências práticas, pois estabelece o tipo de procedimento adequado, fixa as competências originária e recursal, serve de base para o recolhimento das custas iniciais, é parâmetro, em alguns casos, para a fixação de honorários advocatícios, limita a produção de prova exclusivamente testemunhal, serve como padrão para a fixação de multa por litigância de má-fé e prática de ato atentatório à dignidade da justiça, tem o julgador o poder-dever de fiscalizá-lo de ofício." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4015683-10.2016.8.24.0000, de Blumenau, rel. Joel Figueira Júnior, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 31-01-2019)

Em hipótese similar ao caso dos autos, assim decidiu a Terceira Câmara de Direito Público no julgamento da Apelação n. 0303163-73.2018.8.24.0022, de relatoria do eminente Des. Ronei Danielli:

"[...] Não obstante a diligência dos requerentes ao buscar parâmetros concretos capazes de indicar o repercussão econômica da lide - com a comparação das receitas obtidas pela concessionária de serviços análogos de estacionamento rotativo no Município de Porto União com procedimento semelhante -, a natureza da ação e a natureza do direito tutelado revelam tratar-se de causa com proveito econômico inestimável, isto é, sem condições de valoração direta e objetiva de sua repercussão patrimonial.

A pretensão objetiva salvaguardar a coletividade e o próprio Poder Público, com ao afastamento da regra que havia ilegitimamente restringido a extensão do poder de polícia estatal e contrariado disposições da legislação federal pertinente. Aliás, o valor cobrado a título de "tarifa de regularização" sequer influencia na compreensão deste Colegiado quanto ao mérito da ação popular. Não há vinculação direta com a receita eventualmente obtida pela concessionária ou pelo próprio Município - e menos ainda com o valor atual da penalidade que poderia ser aplicada pelos agentes de trânsito aos veículos estacionados em situação irregular ao longo de cinco anos.

Nesse cenário, identificado que o valor atribuído originalmente à causa não corresponde à repercussão econômica da lide - a qual, como referido, é inestimável -, procedo à correção do valor da causa, consoante previsto nos arts. 292, § 3º, e 293 do CPC, arbitrando-o em R$ 10.000,00 (dez...

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