Acórdão Nº 0302744-39.2017.8.24.0038 do Quarta Câmara de Direito Civil, 15-10-2020

Número do processo0302744-39.2017.8.24.0038
Data15 Outubro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0302744-39.2017.8.24.0038

Relator: Desembargador José Agenor de Aragão

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO C/C INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AUTORA VÍTIMA DE SEQUESTRO RELÂMPAGO. SAQUES SUCESSIVOS E TRÊS EMPRÉSTIMOS CONTRATADOS SIMULTANEAMENTE. OPERAÇÕES DE GRANDE MONTA, INABITUAIS, REALIZADAS EM CURTO ESPAÇO DE TEMPO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.

RECURSO DO BANCO RÉU.

ADMISSIBILIDADE. INSURGÊNCIA QUANTO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO MATERIAL. ARGUMENTAÇÃO NÃO SUSCITADA EM PRIMEIRO GRAU. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PARTICULAR.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. REJEIÇÃO. SENTENÇA PROFERIDA DE ACORDO COM OS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONSTANTES DO CADERNO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. EXEGESE DO ART. 371 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.

MÉRITO. ALEGADA NEGLIGÊNCIA DA PARTE AUTORA NA PRESERVAÇÃO DA GUARDA DE SEU CARTÃO E DO SIGILO DE SUA SENHA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. INACOLHIMENTO. SAQUES SEQUENCIADOS EFETUADOS EM CAIXA PRESENCIAL E EMPRÉSTIMOS CONTRAÍDOS EM VALORES EXPRESSIVOS NUM ÚNICO DIA INCOERENTES COM O PERFIL DA CONSUMIDORA. RESPONSABILIDADE DA CASA BANCÁRIA MANTIDA.

SUSTENTADA AUSÊNCIA DE DANO MORAL. INSUBSISTÊNCIA. FALHA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ/APELANTE, PERMITIU A REALIZAÇÃO DE SAQUES E A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS PELOS CRIMINOSOS, MESMO SE TRATANDO DE MOVIMENTAÇÃO SUSPEITA NA CONTA DE SUA CORRENTISTA, E NADA FEZ PARA AUXILIAR A CONSUMIDORA DEPOIS DOS FATOS, MESMO A IDOSA TENDO INFORMADO QUE AS OPERAÇÕES REALIZADAS PREJUDICARAM DE FORMA EFETIVA O SEU SUSTENTO. ABALO MORAL CONFIGURADO.

QUANTUM INDENIZATÓRIO. PRETENDIDA A MINORAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO, BEM COMO EM COM CONFORMIDADE COM A EXTENSÃO DO DANO SUPORTADO PELA PARTE. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO CARÁTER INIBITÓRIO E PEDAGÓGICO DA REPRIMENDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO.

PRETENDIDA ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA PARA A DATA DO ARBITRAMENTO. INACOLHIMENTO. CORREÇÃO, DE OFÍCIO, DA INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA, A PARTIR DA CITAÇÃO, POR SE TRATAR DE RELAÇÃO CONTRATUAL.

HONORÁRIOS RECURSAIS NOS TERMOS DOS §§1º E 11º DO ART. 85 DO CPC/15, EM FAVOR DO PROCURADOR DA AUTORA.

RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302744-39.2017.8.24.0038, da comarca de Joinville 3ª Vara Cível em que é/são Apelante(s) Banco do Brasil S/A e Apelado(s) Nair Teresinha Pasqualotto.

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade de votos, conhecer parcialmente do recurso e negar-lhe provimento, fixando-se honorários recursais. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Selso de Oliveira e o Exmo. Sr. Des. Luiz Felipe Schuch.

Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Des. Hélio David Vieira Figueira dos Santos.

Florianópolis, 15 de outubro de 2020.

Desembargador José Agenor de Aragão

Relator


RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença recorrida (fls. 115/120), por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Trata-se de ação declaratória de anulação de contrato bancário c/c inexistência de obrigação de pagamento e inexistência de débito e pedido de indenização por danos materiais, morais e tutela antecipada ajuizada por Nair Teresinha Pasqualotto em face de Banco do Brasil (S.A), partes qualificadas.

Aduziu, em síntese, que, no dia 04/01/2017 foi abordada por um casal de meliantes que a fizeram refém por algumas horas e, nesta condição, foi coagida a lhes entregar o cartão do banco demandado e a senha. Relatou que, na ocasião, foram realizados saques em espécie, direto no caixa, bem como contratações de linhas de empréstimo e saques no caixa eletrônico. Diante disso, teceu argumentos acerca da responsabilidade da parte ré, da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, momento em que requereu a anulação dos contratos bancários, a condenação da parte ré ao pagamento de uma indenização pelos danos materiais, consistentes na restituição do valor de R$ 6.500,00 sacado indevidamente, bem como pelos danos morais supostamente suportados. Requereu, ao final, a concessão da tutela de urgência, para que fossem cessados imediatamente os descontos em sua conta-corrente, referentes aos empréstimos contratados. Juntou documentos.

Determinou-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova. No mesmo ato, indeferiu-se o pedido de tutela de urgência (fls. 47/48).

Citado, o banco réu apresentou contestação (fls. 54/62), onde pugnou, preliminarmente, pela extinção do feito, diante da falta de interesse processual e da inépcia da inicial, porquanto a demandante não demonstrou qualquer conduta ilícita da parte ré. No mérito, sustentou a impossibilidade de declaração de nulidade dos contratos, sob pena de afronta ao princípio pacta sunt servanda. Rechaçou o pedido indenizatório da parte autora, ao argumento de que se trata de caso fortuito, excludente de responsabilidade da instituição financeira. Por fim, requereu a improcedência da pretensão autoral.

Houve réplica (fls. 67/74).

Sentenciando (fls. 119/120), o Togado de primeiro grau julgou a lide nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão inicial, para o fim de:

I - DECLARAR a nulidade dos contratos bancários BB Crédito Automático (Operação 877936670), BB Créd. 13ª Salário (Operação 877936301) e BB Créd. Salário (Operação 877937850) - fls. 25/29, bem como a inexistência dos débitos relativos a tais empréstimos.

II - CONDENAR a parte ré ao pagamento de uma indenização pelos danos materiais sofridos, consistentes na restituição do valor de R$ 6.500,00, acrescido de correção monetária, pelo INPC/IBGE, desde a data do prejuízo (04/01/2017 -fl. 20), e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.

III -CONDENAR a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 5.000,00, a título de danos morais, acrescido de correção monetária, pelos índices oficiais da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, a contar da presente data (STJ, Súmula nº 362), e juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso (STJ, Súmula nº 54).

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos no artigo 85, §2º, do mesmo Estatuto.

Extingo o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do NCPC).

P.R.I.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

Inconformado, o Banco Apelante interpôs recurso de apelação (fls. 123/140), visando a reforma integral da sentença a fim de julgar improcedente a demanda. Arguiu, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa do recorrente, porquanto o juízo a quo, por simples convicção pessoal, julgou procedente a demanda em manifesta contrariedade às provas dos autos. No mérito, sustenta que "o uso e a guarda do cartão, bem como da senha é de inteira responsabilidade da parte Recorrida, não podendo ser responsabilizado o banco por eventual obtenção por terceiros." (fl. 128). Em suma, defende (i) que houve culpa exclusiva da recorrida, (ii) a ausência de ato ilícito praticado pelo apelante, (iii) a inexistência de comprovação de prejuízo moral passível de indenização, (iv) a necessidade de redução do quantum indenizatório, (v) que os juros de mora devem fluir, no caso da indenização por dano moral, a partir da data do arbitramento, (vi) a ausência de comprovação do dano material a justificar o direito à indenização e (vii) que "o percentual fixado de honorários advocatícios fora estabelecido em seu limite máximo legal, o que não condiz com os pormenores dos presentes autos." (fl. 138).

Contrarrazões às fls. 194/199.

Os autos, então, ascenderam a esta Corte de Justiça.

Sobreveio acórdão de relatoria do excelentíssimo Des. Jaime Machado Junior (fls. 206/210), reconhecendo a incompetência da Terceira Câmara de Direito Comercial, sendo, posteriormente, os autos redistribuídos a este Órgão Julgador.

Este é o relatório.


VOTO

Ab initio, sobreleva consignar que a sentença objurgada foi prolatada no dia 08.02.2019 (fl. 120) e publicada em 18.02.2019 (fl. 121), ou seja, sob a vigência do Diploma Processual Civil de 2015, atraindo, portanto, a aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 da Corte da Cidadania à hipótese em análise, in verbis:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

O recurso de apelação interposto é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, merecendo ser parcialmente conhecido.

Não deve ser conhecido o apelo no que se refere a indenização por danos materiais, porque analisando detidamente o processado, denota-se que o argumento que o dano material não restou efetivamente comprovado não foi arguido em primeiro grau, restando, assim, evidente a inovação recursal.

1. Da preliminar de nulidade da sentença por julgamento contrário às provas dos autos

Insurge-se o Banco Apelante alegando que teria sido obstado o seu direito de defesa, ante o julgamento da demanda em manifesta contrariedade às provas dos autos.

A prefacial, todavia, não prospera.

É sabido que o Magistrado "apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento" (art. 371 do CPC/2015).

Assim, em razão do poder discricionário conferido ao Julgador, tem-se que ele pode valorar a prova,...

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