Acórdão Nº 0302747-19.2015.8.24.0020 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-09-2022

Número do processo0302747-19.2015.8.24.0020
Data01 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0302747-19.2015.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: GOLMOTRANS - GOULART MOLAS E TRANSPORTES LTDA - ME (AUTOR) ADVOGADO: MARCIA ELIZA DE SOUZA BARCELOS (OAB SC022071) ADVOGADO: LEONARDO DE FAVERI SOUZA (OAB SC015359) APELANTE: AMILTON GOULART (AUTOR) ADVOGADO: LEONARDO DE FAVERI SOUZA (OAB SC015359) APELANTE: VALDETE VITORINO GOULART (AUTOR) ADVOGADO: LEONARDO DE FAVERI SOUZA (OAB SC015359) APELANTE: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Golmotrans - Goulart Molas e Transportes Ltda - ME e Banco do Brasil S.A. interpuseram recursos de apelação cível em face da sentença do Evento 44 dos auto de origem, que, proferida pelo 3º Juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação Revisional ajuizada por Golmotrans em face do Banco do Brasil, o que se deu nos seguintes termos:

1. RELATÓRIO

GOLMOTRANS - GOULART MOLAS E TRANSPORTES LTDA - ME, AMILTON GOULART e VALDETE VITORINO GOULART ajuizaram ação de revisão de contrato em face de BANCO DO BRASIL S.A., todos qualificados nos autos, objetivando discutir as cláusulas da proposta FINAME BNDES PSI n. 40/00145-8, bem como postulando a restituição dos valores cobrados a maior.

A tutela antecipada foi indeferida (evento 14).

Citada, a ré não apresentou contestação (evento 29).

Após, vieram os autos conclusos em regime de cooperação.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Do julgamento antecipado

Julgo o processo antecipadamente, porquanto contém substrato probatório suficiente para a formação do convencimento do juízo acerca da matéria, consoante art. 355, I, do CPC.

Com efeito, as demandas cuja controvérsia gira em torno da revisão de contratos, por via de regra, dispensam a produção de outras provas além do próprio instrumento negocial e de seus aditivos e complementos, inexistindo justificativa para prolongamento da instrução processual, em detrimento do princípio constitucional da celeridade, estampado no art. 5º, LXXVIII, da CRFB.

Cabe asseverar ainda que, por via de regra, é dispensável a realização de perícia nesta modalidade de demandas, porquanto tais lides ordinariamente versam questões exclusivamente de direito, sendo de se diferir a apuração de eventual saldo remanescente, em favor de qualquer das partes, à posterior fase de cumprimento, mediante cálculos aritméticos.

Sobre o tema, a Corte Catarinense já decidiu que "a não realização de prova pericial, indeferida implicitamente pelo julgamento antecipado da lide, não gera qualquer cerceamento à defesa da autora do pleito revisional de contrato bancário, quando se tem que, em demandas desse jaez, a apreciação judicial é restrita a um confronto entre as disposições contratuais e os preceitos legais atinentes à hipótese" (TJSC, AC 2006.017025-7, Trindade dos Santos, 22.06.2006).

Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda (art. 17, CPC), passo ao exame do mérito.

2.2 Do mérito

De início, destaco que deve ser decretada a revelia da parté ré que, mesmo devidamente citada, deixou de apresentar contestação (evento 29).

Por oportuno, ressalto que somente as estipulações expressamente impugnadas na inicial serão objeto de apreciação judicial, haja vista que a questão versa sobre direito patrimonial disponível, apesar das cláusulas ofensivas à legislação consumerista serem nulas de pleno direito, conforme art. 51, caput, do CDC (cf. Súmula 381/STJ: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas").

É admissível a instauração do contraditório acerca de estipulações abusivas inseridas em contratos, ainda que já perfeitos e acabados, ou mesmo submetidos à novação, na medida em que o cumprimento do acordo não convalida as cláusulas nele previstas, sendo viável o acionamento das vias judicias para readequação das balizas negociais, inclusive para afastar desproporcionalidades ou onerosidade excessiva, consoante interpretação sistemática dos arts. 5º, XXXV, da CRFB, 157 e 478 a 480 do CC/2002 e 6º, V, do CDC.

Nessa trilha lógica, mesmo após o adimplemento, ou ainda que haja novação, admite-se a propositura de demanda visando o debate acerca da validade de relação negocial. Neste particular, importa consignar que o término do contrato, em virtude do cumprimento da prestação, não impede a instauração da demanda revisional, sob pena de se erigir a inadimplência como condição para debater a legalidade de estipulações negociais.

Acerca desta temática, Antônio Carlos Efing ensina que, "se eventualmente foi cobrado pelo agente bancário ou financeiro (fornecedor) valor superior ao realmente devido pelo consumidor, com a inserção no contrato de valor de débito incorretamente apurado, mesmo com a novação deste débito ou sua extinção, ainda assim comporta a revisão do mesmo, por se tratar essa cobrança indevida de condição nula de pleno direito. [...] Se como resultado da aferição jurídica das condições contratadas restar evidenciado que o consumidor foi cobrado ou pagou quantia indevida, mesmo após outorgada a quitação das suas obrigações, já se caracteriza o fato superveniente ensejador da revisão contratual" (in Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2000. p. 91/92).

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina orienta que "é possível a revisão judicial de contratos já liquidados, quando encerrarem estipulações abusivas, porquanto o cumprimento das prestações pactuadas não convalida as cláusulas viciadas, assim, mesmo depois do adimplemento, admite-se a propositura de demanda visando discutir a validade do ajuste" (TJSC, AC 2001.003212-0, Gastaldi Buzzi, 09.09.2004).

Do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, destaco o enunciado sumular 286, o qual estabelece que "a renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores".

Pelas razões expostas, concluo ser admissível a revisão das cláusulas prevista no contrato de n. 40/00145-8.

Quanto à capitalização de juros, a discussão quanto à constitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36/01 foi dirimida pelo STF quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 592.377 (datado de 04/02/2015), decidindo-se o Tema 33 de repercussão geral.

Nos termos desse julgamento, a referida Medida Provisória preencheu todos os pressupostos para a sua edição, em especial a urgência e relevância do tema, conforme ementa que segue:

CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO. 1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência. 2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país. 3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados. 4. Recurso extraordinário provido.

Na hipótese específica dos autos, o STJ, permitiu a incidência de capitalização de juros em periodicidade anual. Assim, cumpre-me afastar o argumento de inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 2.170-36/01, devendo ser observado nos demais aspectos o que foi decidido pelo STJ no julgamento do Recurso Especial.

Outrossim, imperioso destacar que, acerca da capitalização em si, seja qual for a sua periodicidade, esta depende de contratação expressa. Nesse sentido a orientação da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça: "A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação" (REsp 1.388.972-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 8/2/2017 (recurso repetitivo)).

Quanto à autorização normativa, a regra geral é de proibir tal prática, consoante os arts. 4º do Decreto 22.626/1933 (Lei da Usura: "É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos de conta corrente de ano a ano") e art. 591 do Código Civil de 2002 ("Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406...

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