Acórdão Nº 0302771-04.2016.8.24.0023 do Terceira Câmara de Direito Público, 17-11-2020

Número do processo0302771-04.2016.8.24.0023
Data17 Novembro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0302771-04.2016.8.24.0023, da Capital - Eduardo Luz

Relator: Desembargador Ronei Danielli

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR. JUÍZO DE ADEQUAÇÃO (ART. 1.040, II, CPC/15). TESE FIXADA NO RE 560.900/DF (TEMA 22 DO STF). RESTRIÇÃO À PARTICIPAÇÃO DE CANDIDATO QUE RESPONDE A PROCESSO CRIMINAL.

RECONHECIMENTO, NO PRONUNCIAMENTO ORIGINÁRIO, DA LEGALIDADE DA EXCLUSÃO DO CERTAME, EM VIRTUDE DE INCONSISTÊNCIAS NO QUESTIONÁRIO DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL (QIS).

TESE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE NÃO MODIFICA A CONCLUSÃO ANTERIORMENTE ALCANÇADA. DISTINÇÃO ENTRE O CASO PARADIGMA (EXCLUSÃO PELO SIMPLES FATO DE RESPONDER A INQUÉRITO OU AÇÃO PENAL SEM RESPALDO EM PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA) E O CASO CONCRETO (EXCLUSÃO POR OMITIR INFORMAÇÕES ATINENTES A PROCEDIMENTOS CRIMINAIS CONTRA SI DEFLAGRADOS QUE CONDUZIRIAM À REPROVAÇÃO NA ETAPA, CONFORME DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL PRÓPRIA).

ETAPA DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL AMPARADA EM PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA PARA INGRESSO NA CARREIRA MILITAR (LCE 587/2013) NÃO LIMITADA À EXISTÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS, ABRANGENDO ANÁLISE GLOBAL ACERCA DO PADRÃO DE COMPORTAMENTO DO CANDIDATO DIANTE DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO. RESSALVA EXPRESSA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE REQUISITOS MAIS RIGOROSOS PARA INGRESSO NAS CARREIRAS DA SEGURANÇA PÚBLICA.

AVALIAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA AFETA À DISCRICIONARIEDADE DO ATO ADMINISTRATIVO, COM AMPARO NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA.

AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AO PRECEDENTE PARADIGMA. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NEGATIVO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302771-04.2016.8.24.0023, da comarca da Capital - Eduardo Luz Vara de Direito Militar em que é Apelante Luis Fernando Pinto Marcelino e Apelado Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, em juízo de adequação (art. 1.040, II, do CPC), ratificar os acórdãos de fls. 418/436 (apelação) e fls. 19/23 (embargos de declaração). Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Júlio César Knoll, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Paulo Ricardo Bruschi.

Florianópolis, 17 de novembro de 2020.

Desembargador Ronei Danielli

Relator


RELATÓRIO

Luis Fernando Pinto Marcelino propôs ação de rito comum contra o Estado de Santa Catarina, visando à invalidação do ato administrativo que o eliminou do concurso para Soldado da Polícia Militar.

Sustentou, em síntese, a ilegalidade de sua reprovação na sexta etapa do concurso regido pelo Edital n. 86/CESIEP/2013, na qual foi considerado inapto por conta de envolvimento em boletins de ocorrência lavrados em 2006 e 2007, a deduzir má conduta social e moral. Suscitou a irrazoabilidade e desproporcionalidade da medida, porquanto os respectivos registros foram efetivados enquanto menor de idade e restaram todos arquivados, sendo inviável a desclassificação de candidato por tal razão.

Citado, o réu apresentou contestação, invocando a impossibilidade de intervenção judicial nos critérios adotados pela banca examinadora.

Na sentença, proferida em 16.06.2016, o magistrado Marco Aurélio Ghisi Machado julgou improcedente o pedido.

Inconformado, o requerente apelou, repisando os argumentos veiculados na exordial.

Lavrou parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Américo Bigaton, opinando pelo provimento do reclamo.

Em julgamento realizado na sessão de 21.03.2017, com composição ampliada, sob minha relatoria, esta Terceira Câmara de Direito Público negou provimento ao apelo do autor, em acórdão assim ementado:

CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO CONSIDERADO INAPTO PELA BANCA EXAMINADORA NA SEXTA ETAPA DO CERTAME, REFERENTE AO QUESTIONAMENTO DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL (QIS). OMISSÃO QUANTO À EXISTÊNCIA DE BOLETINS DE OCORRÊNCIA ENVOLVENDO A COMUNICAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER. DECISÃO PROFERIDA NO EXERCÍCIO DA DISCRICIONARIEDADE ATRIBUÍDA AO AVALIADOR. CONTROLE JUDICIAL CINGINDO À LEGALIDADE. NÃO EVIDENCIADA ABUSIVIDADE NA CONDUTA IMPUGNADA. INVESTIGAÇÃO NÃO LIMITADA À EXISTÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS, ABRANGENDO ANÁLISE ACERCA DO PADRÃO DE COMPORTAMENTO DO CONCURSANDO DIANTE DAS ATRIBUIÇÕES DO FUTURO CARGO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a Investigação Social não se resume a analisar somente a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que eventualmente tenha praticado, mas também a conduta moral e social no decorrer de sua vida, objetivando investigar o padrão de comportamento do candidato à carreira policial em razão das peculiaridades do cargo, que exige retidão, lisura e probidade do agente público" (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 45229/RO, relator Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgada em 10.03.2015).

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados em 29.07.2017:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INAPTIDÃO DE CANDIDATO EM CERTAME DA POLÍCIA MILITAR, NA ETAPA DO QUESTIONÁRIO SOBRE INVESTIGAÇÃO SOCIAL - QIS. TEMA SUFICIENTEMENTE ANALISADO E FUNDAMENTADO NO JULGADO IMPUGNADO. NÍTIDA PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DOS VÍCIOS ELENCADOS NO ART. 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Após a interposição de recurso extraordinário e seu sobrestamento até a conclusão do julgamento do RE 560.900/DF, Tema n. 22 de repercussão geral, pelo STF, a 2ª Vice-Presidência deste Tribunal determinou o retorno dos autos para eventual juízo de retratação, vindo conclusos em 19.10.2020.

Esse é o relatório.

VOTO

De acordo com o art. 1.040, II, do Código de Processo Civil de 2015, publicado o acórdão paradigma do recurso extraordinário, "o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior".

No julgamento do Recurso Extraordinário n. 560.900/DF, Tema n. 22 de repercussão geral, relator o Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, em 05.02.2020, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese jurídica: "Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal".

O acórdão paradigma restou assim ementado (DJe 17.08.2020):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. IDONEIDADE MORAL DE CANDIDATOS EM CONCURSOS PÚBLICOS. INQUÉRITOS POLICIAIS OU PROCESSOS PENAIS EM CURSO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA.

1. Como regra geral, a simples existência de inquéritos ou processos penais em curso não autoriza a eliminação de candidatos em concursos públicos, o que pressupõe: (i) condenação por órgão colegiado ou definitiva; e (ii) relação de incompatibilidade entre a natureza do crime em questão e as atribuições do cargo concretamente pretendido, a ser demonstrada de forma motivada por decisão da autoridade competente.

2. A lei pode instituir requisitos mais rigorosos para determinados cargos, em razão da relevância das atribuições envolvidas, como é o caso, por exemplo, das carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça e da segurança pública (CRFB/1988, art. 144), sendo vedada, em qualquer caso, a valoração negativa de simples processo em andamento, salvo situações excepcionalíssimas e de indiscutível gravidade.

3. Por se tratar de mudança de jurisprudência, a orientação ora firmada não se aplica a certames já realizados e que não tenham sido objeto de impugnação até a data do presente julgamento.

4. Recurso extraordinário desprovido, com a fixação da seguinte tese de julgamento: "Sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal."

Na presente hipótese, o pronunciamento originário deste Colegiado reconheceu a legalidade da exclusão do autor do certame em virtude da omissão de informações relevantes no Questionário de Investigação Social (QIS), notadamente o fato de responder a procedimentos criminais envolvendo a prática de atos graves com emprego de violência, tendentes a fornecer o histórico pessoal do candidato e viabilizar a aferição da idoneidade moral exigida para o ingresso nos quadros da Polícia Militar.

Acerca das especificidades fáticas da demanda, colhe-se do acórdão objeto deste juízo de adequação:

Nesse estágio, o participante fora considerado inapto "por possuir perfil incompatível", amparando-se o examinador na existência de 10 (dez) boletins de ocorrência, sendo que, em 4 (quatro) deles, haveria a comunicação de fatos relacionados à violência doméstica e o postulante figurava como autor dos fatos registrados. Além disso, ponderou-se que, mesmo especificamente questionado sobre eventuais situações pregressas, teria havido omissão do concursando no ponto.

Em suma, foram os fundamentos da autoridade julgadora:

O Candidato apresentou má conduta social e moral, apurado durante a...

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