Acórdão Nº 0302782-95.2018.8.24.0012 do Quinta Câmara de Direito Público, 07-06-2022

Número do processo0302782-95.2018.8.24.0012
Data07 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0302782-95.2018.8.24.0012/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN (AUTOR) APELADO: MUNICÍPIO DE CAÇADOR (RÉU) E OUTRO

RELATÓRIO

A Casan apresenta embargos de declaração quanto a acórdão desta Quinta Câmara de Direito Público assim ementado:

SERVIÇO PÚBLICO - LICITAÇÃO - ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO - DELEGAÇÃO À INICIATIVA PRIVADA - SUPERVENIÊNCIA DE CONTRATO PROGRAMA COM A CASAN - REVOGAÇÃO DA LICITAÇÃO - LIMITES À ATUAÇÃO DISCRICIONÁRIA - JUÍZO DE LEGALIDADE - EMPRESA PARTICULAR, APÓS DECISÃO DO STJ, NO EXERCÍCIO DA CONCESSÃO HÁ LONGO TEMPO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA RATIFICADA.

1. O serviço de abastecimento de água e de esgotamento sanitário é de titularidade dos municípios. A execução, todavia, pode se dar por variados instrumentos - desde a atividade direta pela própria municipalidade, chegando à "privatização" (rectius, licitação para contratação de empresa genuinamente particular que assuma a concessão).

2. Um desses mecanismos de delegação é o convênio de cooperação entre entes da Federação para a gestão associada de serviços públicos. Também se autoriza a celebração de contrato de programa com entidade da Administração Indireta pertencente aos entes conveniados. Em Santa Catarina, essa missão é tradicionalmente da Casan.

3. Caberá aos municípios politicamente deliberarem sobre o melhor expediente. Preferida a licitação, deverá ser atendida à Lei 8.666/93 (ao menos para os casos ainda por ela regidos) e normas especiais. Iniciado o procedimento, há limites à sua desconstituição, que pode se dar por invalidade (por razões de legalidade) ou revogação (que envolve juízo discricionário). Para esse derradeiro expediente, entretanto, está no art. 49, deverá ser apresentado "fato novo" que idoneamente referende o juízo de conveniência e oportunidade quanto à abdicação do modelo inicialmente projetado (de "privatização").

4. O Município de Caçador lançou edital de licitação para a concessão do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Houve vencedor, mas antes da homologação do certame o Prefeito Municipal firmou ajuste com Casan e Estado de Santa Catarina. Em princípio, poderia fazê-lo (eis modelo que tem até apoio constitucional), mas havia particularidade: uma licitação em andamento. As duas coisas não podem ser vistas apartadamente. Uma hipótese é consorciar-se com a Casan; outra, consorciar-se com a Casan no curso de licitação.

5. Está nítido que o acordo com a sociedade de economia mista se deu como uma forma de desconsiderar a opção precedente. Para tanto a aptidão discricionária do Executivo sofria de limite. Haveria necessidade de ser apresentado o referido fato novo, que é um evento inédito, não apenas um tirocínio distinto quanto ao mais proveitoso regime (se pelo instrumento usual com a Casan, se mediante concessionário privado). O fato novo não significa arrependimento.

A menção a vantagens econômicas maiores não é também bastante. Eis forma de fraudar a licitação em curso, da qual a Casan, se desejasse, poderia ter integrado. Não seria possível, ainda, fazer a comparação meramente nominal entre as duas propostas (a da Casan, em valores um maiores) se os cenários eram díspares.

Situação que revela nitidamente que houve uma pura alteração do quadro de conveniência e oportunidade, mas que era àquele momento dependente de um caminho muito delgado.

6. A subsequente "anulação da revogação" por novo Prefeito, que realmente tratou de deliberação quanto à validade, foi lícita.

7. A Constituição não reconhece um liberalismo religioso, que vê o mercado como uma entidade sobrenatural e soberana, detentora de todas as virtudes. É antes um liberalismo secular, que percebe qualidades na livre iniciativa, mas se estiver vinculada à solidariedade social.

A Casan é sociedade de economia mista, um instrumento importante do Estado de Santa Catarina. Seu modelo de gestão tem amplo apoio constitucional e legal. A visão regionalizada do serviço, que está onde há lucro e onde há prejuízo, é formidável; mas não se trata do aspecto em julgamento.

8. Por decisão do STJ, que suspendeu deliberação do subscritor, que mantinha provisoriamente a Casan à frente do serviço público, a vencedora da licitação, grande empresa do setor, assinou o contrato de concessão e vem atuando há tempo representativo.

Essa situação de fato serve como ingrediente, mesmo que coadjuvante, para sensibilizar compreensão que impeça o trauma de nova anulação (que de resto, mediante a decisão da Corte Superior, seria eficaz somente depois do distante trânsito em julgado desta apelação).

Adoção, em caráter de reforço, de parâmetro prestigiado pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

9. A Casan prestou o serviço público em Caçador por décadas. Perseverou por mais algum tempo sem amparo negocial. A destinação da execução a novo concessionário se deu por extinção natural, decorrência de uma licitação que visava encerrar o hiato, sem que valesse por encampação que justificasse prévia indenização.

O posterior contrato, lavrado na esteira da revogação da licitação, foi tido por nulo, não se podendo ver ali uma autêntica titularidade da execução do serviço. Os efeitos da anulação devem ser, para esse fim, ex tunc.

10. Recurso desprovido.

Alega que há contradições e omissões que devem ser sanadas para que, concedendo-se efeitos infringentes, seja a pretensão anulatória julgada procedente e a imissão provisória na posse, rejeitada.

O acórdão não reconheceu a proposta mais vantajosa feita pela Casan como um fato novo posterior ao edital de licitação, mas paralelamente fundamentou que com a abertura do certame não há outra possibilidade senão a contratação da vencedora - o que a seu ver é contraditório e afronta o art. 49 da Lei 8.666/93. Critica, nessa linha, as razões do voto quanto à consideração de que a embargante é "agente de mercado", pois se ela pode contratar por dispensa de licitação significa justamente o contrário. Logo, não se constituindo verdadeiro "agente de mercado", tampouco é "licitante privilegiada", senão contratante de boa-fé, uma "longa manus" do Estado de Santa Catarina, o que fica ainda mais evidenciado pelo fato de que as "negociações em paralelo" se davam entre Município e Estado, não diretamente com a sociedade de economia mista. A Casan, nesse passo, não tem como propósito competir com empresas privadas, pois sua missão é pautada pela eficiência e não pela lógica de mercado - eis uma omissão do julgado embargado.

Prossegue com seu inconformismo ponderando que não é tarefa do Judiciário, conforme o próprio voto fez constar, a análise da proposta financeira apresentada, cuidando-se de tarefa do Executivo, cujo prefeito acabou por aceitar ao revogar a licitação e aderir a novo vínculo com o Poder Público Estadual. Com efeito, ao manter a sentença, o Tribunal acabou por exercer poder discricionário do administrador, "tornando letra morta o art. 49", ao menos inviabilizando que a municipalidade promovesse diálogo com o ente maior. Como não houve ilegalidade na oferta milionária apresentada, também não o foi a revogação da licitação operada - o que torna claro que o art. 37 da Lei 8.987/95 foi "frontalmente violado".

Sob outro ângulo, indaga: "por que o Município de Caçador (que abandonou, diga-se de passagem, ambos os processos desde que a BRK "assumiu a defesa da licitação"), em 2017, por ocasião do próprio mandado de segurança n.º 0000014-12.2017.8.24.0012, impetrado pela BRK Ambiental, defendeu a legalidade do ato administrativo? E por que, também no âmbito da Ação Popular n.º 0301971- 09.2016.8.24.0012, o Município de Caçador reiterou a defesa da legalidade da assinatura do convênio de cooperação com o Estado, e do contrato de programa com a CASAN?". É relevante, nesse quadro, o fato de a Procuradoria Jurídica do Município de Caçador ter defendido a legalidade do procedimento adotado nas duas oportunidades, só tratando como ilegal o ato de revogação mais tarde, ao tempo da nova gestão municipal. Aliás, a decisão do novo gestor, discricionária, atrai a incidência do art. 37 da Lei antes mencionada, haja vista que a intenção política adjacente "se traduz em inequívoca encampação do serviço público".

"Nesse sentido, não há se falar em "invalidade" do contrato de programa, mas de posterior decisão política no sentido de rescindir (aliás, outro ponto omisso no julgamento está, justamente, no fato de o Município de Caçador ter encaminhado proposta de "rescisão amigável" feita à Casan, sendo isso, a propósito, "prova robusta da legalidade do procedimento de dispensa de licitação (...))".

A flexibilidade da LINDB, por outro lado, não pode beneficiar apenas a BRK, devendo ao menos ser feita modulação dos efeitos a fim de que em prazo razoável ocorra transição entre as empresas, apurando-se o valor indenizatório.

VOTO

1. O sistema recursal tem que ser visto com lógica. Há um sequenciamento ascendente: em cada grau de jurisdição (à exceção das hipóteses...

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