Acórdão Nº 0302789-17.2014.8.24.0113 do Primeira Câmara de Direito Civil, 24-09-2020

Número do processo0302789-17.2014.8.24.0113
Data24 Setembro 2020
Tribunal de OrigemCamboriú
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0302789-17.2014.8.24.0113

Relator: Des. Paulo Ricardo Bruschi

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. DANOS MATERIAIS E MORAIS.

DECADÊNCIA ARGUIDA NAS CONTRARRAZÕES. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. CONHECIMENTO AUTORIZADO.

VEÍCULO USADO. VÍCIO OCULTO. BEM DURÁVEL. PRAZO DECADENCIAL DE 90 (NOVENTA) DIAS, QUE SE INICIA DA CONSTATAÇÃO DO DEFEITO. EXEGESE DO ART. 26, II, § 3º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CAUSA OBSTATIVA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA NEGATIVA DO FORNECEDOR, NOS TERMOS DO § 2º, I, DO CDC. PROPOSITURA DA AÇÃO APÓS O LAPSO TEMPORAL. DECADÊNCIA CARACTERIZADA. RESOLUÇÃO DE MÉRITO MANTIDA POR FUNDAMENTO DIVERSO. NÃO CONHECIMENTO DO APELO NO QUE TANGE AO TEMA.

CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE A EMBASAR O DECISUM. INÉRCIA, ADEMAIS, QUANDO DA POSSIBILIDADE DE PLEITEAR NOVAS PROVAS.

DANO MORAL PELA INUTILIZAÇÃO DO VEÍCULO, EM DECORRÊNCIA DOS VÍCIOS. INEXISTÊNCIA DE FATO EXTRAORDINÁRIO. ABALO ANÍMICO NÃO CONFIGURADO. MERO DISSABOR.

RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302789-17.2014.8.24.0113, da comarca de Camboriú (2ª Vara Cível) em que é Apelante Laudir Mocelin e Apelado Efetiva Comércio de Veículos Ltda.

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer em parte do recurso e, nesta extensão, negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Gerson Cherem II, e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargadores José Maurício Lisboa e Raulino Jacó Brüning.

Florianópolis, 24 de setembro de 2020.

Desembargador Paulo Ricardo Bruschi

RELATOR


RELATÓRIO

Laudir Mocelin, devidamente qualificado e inconformado com a decisão proferida, interpôs Recurso de Apelação, objetivando a reforma da respeitável sentença prolatada pela MM.ª Juíza da 2ª Vara Cível, da comarca de Camboriú, na "Ação de Obrigação de Fazer" n. 0302789-17.2014.8.24.0113, ajuizada contra Efetiva Comércio de Veículos Ltda, igualmente qualificada, a qual julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial e, por consequência, condenou a requerida ao pagamento de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), monetariamente corrigido a partir de 28/05/2014 e acrescido dos juros de mora a contar da citação.

Por conseguinte, reconhecendo a sucumbência recíproca, impôs ao postulante a satisfação de 70% (setenta por cento) das custas processuais, ficando o restante a cargo da ré, além dos honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação em favor do patrono do autor, e em R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) para o causídico da demandada.

Na inicial (fls. 01/14), o autor postulou a transferência de propriedade de um veículo para o nome da ré ou de terceiro, a condenação da demandada ao custeio das despesas afetas ao conserto dos vícios ocultos precedentes à aquisição do bem, assim como o ressarcimento do valor indevidamente incluído no financiamento, pugnando, ao fim, pelo recebimento de indenização pelos danos morais sofridos.

Justificou o pedido fundamentando-o no argumento de que, em 24/05/2014, adquiriu da ré o veículo Citroen C3, Placas MIW9900, efetuando o pagamento com a entrega de 2 (dois) automóveis de sua propriedade, dinheiro em espécie e financiamento do saldo remanescente, recebendo, à época, desconto pelo conserto que haveria de realizar no painel do carro.

Não obstante, ressaltou ter sido ignorado o abatimento pecuniário concedido, incluindo-se no financiamento importância maior do que a devida e, dias após a compra, acabou constatando falhas mecânicas ocultas, a respeito do que a demandada prometia o conserto sem efetivamente o realizar, chegando ao ponto do veículo não mais funcionar, obrigando-o, assim, a autorizar o reparo e a arcar com os respectivos custos.

Destacou, inclusive, que em diligência junto à concessionária da marca constatou serem os vícios pretéritos à negociação, restando infrutífera a tentativa de solução extrajudicial, mesmo com a abertura de reclamação perante o Procon, sendo, pois, induvidoso o descaso e os incômodos experimentados, os quais extrapolaram o mero dissabor.

Postulou, assim, a antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se a transferência da titularidade de um dos automóveis entregues em pagamento, autorizando-se, também, os demais reparos pendentes, ao final acolhendo-se os pedidos na integralidade, concedendo-lhe a justiça gratuita. Juntou documentos (fls. 16/47).

Indeferida a liminar, porquanto o próprio autor não entregou a documentação capaz de possibilitar a transferência pretendida, além de haver medida administrativa a lhe favorecer o pedido, não havendo prova, de outro viso, da urgência dos reparos pretendidos (fls. 48/49), veio o requerente aos autos e apresentou documentos afetos à alegada hipossuficiência (fls. 55/84), sendo-lhe o benefício deferido (fl. 85).

Regularmente citada, contestando o feito (fls. 95/106), a ré, em síntese, asseverou que a mudança na titularidade foi procedida antes do ajuizamento da ação, não resultando prejuízo ao autor, acrescentando, ainda, referente aos consertos pleiteados, que seriam de manutenção periódica, até porque adquirido o automóvel com mais de 6 (seis) anos de uso, não estando abrangidos, portanto, na contratação originária.

Ao fim, salientou que a diferença no financiamento deveu-se à troca de instituição financeira, o que seria do conhecimento do pactuante, estando, assim, em consonância com os termos do negócio, cabendo-lhe, no máximo, a diferença de parcela constatada, no valor mensal de R$ 4,40 (quatro reais e quarenta centavos), atingindo a monta de R$ 132,00 (cento e trinta e dois reais), apresentando documentação (fls. 108/115).

Na réplica (fls. 120/123), o autor rebateu as assertivas da requerida e repisou os argumentos da exordial.

Julgando antecipadamente a lide (fls. 125/130), a douta Magistrada a quo decidiu pela parcial procedência dos pedidos, sob o fundamento de que não seria possível o reconhecimento do vício redibitório, por ser o desgaste natural próprio da compra de um bem com vários anos de uso, daí porque, inclusive, adquirido com preço mais acessível, sendo presumíveis, portanto, os reparos de que necessitasse, resultando na improcedência da pretensão, também no tange ao pleito reparatório, já tendo sido cumprida a transferência pretendida. Reconheceu, contudo, a necessidade de ressarcimento da diferença afeta ao financiamento do automóvel.

Irresignado com a prestação jurisdicional efetuada, o demandante tempestivamente apresentou recurso a este Colegiado. Em sua apelação (fls. 134/145), arguiu, em preliminar, o cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado, na medida em que obstaculizado de produzir as provas pleiteadas, tidas como essenciais ao desfecho da lide.

No mérito, em síntese, lastrou o pedido de reforma da sentença no argumento de que o vendedor tinha obrigação de conhecer a real condição do produto e apresentá-lo de forma adequada ao consumidor, não se admitindo a omissão dos respectivos defeitos e vícios, até porque não seria desgaste pelo seu uso, eis que muito danificadas as peças, tanto que inviabilizaram a utilização do veículo, fato que poderia ser confirmado por perícia ou avaliação judicial, conforme pleito preliminar. Nestes termos, pugnou pelo reconhecimento dos danos materiais e morais, conforme delineados na peça pórtica.

Contra-arrazoado o recurso (fls. 149/170), a apelada, preliminarmente arguiu a ocorrência de decadência, no mais aplaudindo os fundamentos da sentença.

Ato contínuo, ascenderam os autos a esta Corte.

Instado a manifestar-se sobre a prefacial arguida pela recorrida (fl. 176), o apelante apontou estar preclusa a discussão, eis que não manejada na contestação, de todo modo rejeitando a respectiva configuração (fls. 179/182).

Recebo os autos conclusos.

Este o relatório.

VOTO

Objetiva o autor, em sede de apelação, a reforma da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial, nos termos delineados no preâmbulo do relatório.

Ab initio, imperioso ressaltar que a tese de decadência, ainda que suscitada somente nas contrarrazões, há de ser analisada por este Colegiado, vez que aludida prejudicial de mérito é matéria de ordem pública e, por isso, pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição, sobretudo se inexistente, como no caso em testilha, qualquer decisão acerca da quaestio no juízo de Primeiro Grau.

Neste tocante, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já assentou:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERIDA. 1. As matérias de ordem pública, como prescrição e decadência, podem ser analisadas a qualquer tempo nas instâncias ordinárias. Todavia, quando decididas no bojo do despacho saneador, sujeitam-se a preclusão consumativa, caso não haja impugnação no momento processual oportuno. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo interno desprovido (AgInt no REsp 1542001/DF. Relator: Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 07.11.2019).

Feito tal escorço, portanto, urge se registre que, conforme dispõe o artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis, como é o caso dos autos.

Confira-se, verbis:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. (grifou-se)

O § 3º do mencionado artigo, por sua vez, determina que a conta- gem do prazo decadencial, em se tratando de...

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