Acórdão Nº 0302793-57.2019.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Público, 06-10-2020

Número do processo0302793-57.2019.8.24.0023
Data06 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0302793-57.2019.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


APELANTE: DANIEL LUCIANO PEREIRA (AUTOR) APELADO: INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - IPREV (RÉU)


RELATÓRIO


D. L. P., representado por C. V. F. P. W., propôs "ação constitutiva objetivando o recebimento de pensão por morte" em face do Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina - Iprev.
Alegou que tem esquizofrenia paranoide (CID 10 F200), o que o tornou inapto para o trabalho por tempo indeterminado. Em razão disso, em 1988, teve a guarda concedida judicialmente a sua tia F. P. W., a qual, em 2011, ajuizou ação de interdição com pedido de curatela, passando a ser sua tutora.
Em 2017, com o falecimento de F. P. W, a filha da de cujus ingressou com pedido de substituição da curatela e, posteriormente, com requerimento de pensão previdenciária ao Iprev, pois sua tia e curadora era servidora pública da Secretaria de Estado da Educação. Contudo, o pedido foi negado, ao fundamento da ausência de previsão legal para considerar sobrinho como dependente de segurado falecido.
Sustentou que deve ser equiparado a filho maior inválido e dependente economicamente da instituidora da pensão, pois assim que foi criado pela tia enquanto viva.
Postulou a concessão de pensão por morte.
A tutela provisória de urgência foi indeferida (autos originários, Evento 2, DEC21)
Em contestação, o réu argumentou que: 1) o sobrinho não está no rol taxativo de dependentes do regime próprio de previdência, o qual não comporta interpretação extensiva e 2) mesmo que o autor faça jus à pensão por morte por equiparação, é necessária a comprovação da dependência econômica e da incapacidade total e permanente para exercer atividade laboral que lhe assegure a subsistência, ambas anteriores ao óbito (autos originários, Evento 8).
Foi proferida sentença de improcedência (autos originários, Evento 20, SENT36).
O autor, em apelação, sustentou que: 1) vivia sob os cuidados e guarda da servidora falecida desde 13-6-1988 até a sua maioridade e, posteriormente, manteve o vínculo de responsabilidade, por meio de curatela; 2) seus genitores eram falecidos, de modo que a tia prestava todos os cuidados como uma verdadeira mãe; 3) mesmo sem previsão legal para a concessão do benefício, o vínculo parental existente deve prevalecer para fim de equipação como filho maior inválido e dependente, nos termos do art. 6º da Lei n. 412/2008 e 4) o precedente do TRF4 citado na sentença reconhece o direito ao benefício por equiparação (autos originários, Evento 29).
Com as contrarrazões (autos originários, Evento 36), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pela "conversão do julgamento em diligência a fim de que sejam supridas as deficiências apontadas, notadamente a realização de perícia médica pelo IPREV", em parecer do Dr. Guido Feuser (Evento 7).
Intimadas as partes para se manifestarem acerca do parecer da d. Procuradoria-Geral de Justiça (Evento 9), o autor informou que já houve a realização de perícia pela junta médica do Iprev, a qual consta no Evento 1 dos autos originários (Evento 15).
Com vista novamente à d. Procuradoria-Geral de Justiça, esta se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso, em parecer do Dr. Guido Feuser (Evento 22)

VOTO


1. Mérito
Discute-se se o autor faz jus à pensão pela morte da tia, que até o óbito era sua curadora.
A Lei Complementar Estadual n. 412/2008, norma de regência ao tempo do falecimento (outubro/2016), não confere a sobrinho e/ou curatelado a condição de dependente e, consequentemente, o direito ao benefício.
Ocorre que a excepcionalidade do caso e o vínculo existente, tanto familiar e emocional quanto de dependência econômica e para os atos da vida civil, indicam a presença de filiação socioafetiva entre a instituidora e o sobrinho.
Acerca dessa condição fática de filho, o d. Procurador de Justiça Guido Feuser analisou bem o caso, motivo por que adoto excerto do seu parecer como razão de decidir:
Infere-se dos autos que ao indeferir o pedido de pensionamento por morte fundado em equiparação a filho maior inválido, o juiz a quo considerou que, por ausência de previsão normativa, "não é possível considerar como filho por equiparação e dependente de pensão por morte o menor sob guarda inválido, quando já atingida a maioridade à época do óbito da instituidora do benefício" (Evento 20, p. 3). Considerou, também, que a situação de sobrinho e/ou curatelado do autor não está prevista no rol taxativo previsto no art. 6º da Lei Complementar Estadual n. 412/2008, aplicável à hipótese porque vigente ao tempo do óbito da instituidora (31/10/16), in verbis:
Art. 6º São considerados dependentes:
I - filho solteiro menor de 21 (vinte e um) anos;
II - filho maior, solteiro, inválido em caráter permanente para o exercício de toda e qualquer atividade laboral e que viva sob a dependência econômica do segurado; [grifou-se]
III - cônjuge;
IV - companheiro;
V - ex-cônjuge ou ex-companheiro que perceba pensão alimentícia;
VI - enteado, nas condições dos incisos I e II, que não perceba pensão alimentícia ou benefício de outro órgão previdenciário e que não possua bens e direitos aptos a lhe garantir o sustento e a educação;
VII - tutelado, menor de 18 (dezoito) anos, que não perceba pensão alimentícia, rendas ou benefícios de outro órgão previdenciário;
VIII - pais que vivam sob a dependência econômica do segurado; e
IX - irmão solteiro, nas condições dos incisos I e II, e que viva sob a dependência econômica do segurado.
[...]
Contudo, o magistrado a quo deixou de analisar o pedido de equiparação fundado em vinculo parental afetivo entre o apelante a instituidora do benefício previdenciário. E neste ponto, tanto em sede de petição inicial quanto em apelação, o recorrente narrou que foi "criado" por Francisca Pereira Wendhausen como filho, desde seus 12 anos de idade até o momento de sua morte (Evento1, Doc. 1, p. 7), havendo, portanto, um relacionamento de mãe e filho (Evento 29, p. 4).
Com efeito, o conceito de parentalidade tem sido ampliado pela doutrina e jurisprudência para incluir, além da parentalidade por vínculo biológico e/ou jurídico, a parentalidade por vínculo afetivo, a chamada filiação socioafetiva. Trata-se da filiação decorrente da posse do estado de filho, em uma longa e estável convivência, em que haja afeto e consideração mútua, com manifestações públicas, de modo a não deixar dúvida de que se tratam de parentes (TJSP, AC. 0006422-26.2011.8.26.0286, de Itu, Rel. Des. Alcides Leopoldo Silva Júnior. j. em 14/08/2012).
Significa, portanto, a valorização do princípio da afetividade em detrimento de fatores biológicos e/ou legais. Nas palavras de Rodolfo Pamplona e Pablo Stonze "trata-se da ideia já consagrada, na sabedoria popular, de que "pai é quem cria" (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de direito civil, v.6 - Direito de família. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 632).
Embora a parentalidade...

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