Acórdão Nº 0302813-05.2019.8.24.0005 do Quinta Câmara de Direito Público, 05-04-2022

Número do processo0302813-05.2019.8.24.0005
Data05 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0302813-05.2019.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC (EMBARGADO) APELADO: PATRICIA SOVERNIGO GAIDA (EMBARGANTE)

RELATÓRIO

Os embargos à execução opostos por Patricia Sovernigo Gaida em relação ao Município de Balneário Camboriú foram acolhidos para extinguir a execução fiscal que reclamava valores complementares relativos ao ITBI, cuja base de cálculo foi apurada por arbitramento:

À lume da argumentação exposada, sentencio o feito com julgamento do mérito, nos termos do art. 487, inc. I, do CPC, realizo controle difuso de constitucionalidade, DECLARO A INCONSTITUCIONALIDADE do art. 7º, da Lei Municipal nº 859/1989 do Município de Balneário Camboriú/SC, e JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados nesses embargos opostos por PATRICIA SOVERNIGO GAIDA à execução fiscal contra si ajuizada pelo MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC para, em consequência, ANULAR o termo de arbitramento fiscal da base de cálculo efetuado no processo administrativo fiscal nº 015/2015, AFASTAR a incidência da multa prevista no art. 20 da Lei Municipal nº 859/1989 e EXTINGUIR a execução fiscal apensa.

Autorizo todas as providências necessárias para o levantamento de toda e qualquer constrição patrimonial eventualmente realizada nos autos em apenso.

O embargado é isento das custas.

CONDENO o embargado ao pagamento dos honorários sucumbenciais, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, com arrimo no art. 85, § 3º, inc. I, do CPC.

O Município apela.

Menciona a sua competência legislativa para definir a base de cálculo do ITBI, defendendo que o art. 7º da Lei Municipal 859/1989 é constitucional, pois observa a base de cálculo do imposto prevista no art. 38 do CTN, tendo sido "concebido com o objetivo de consolidar a necessidade de a atividade administrativa municipal observar o critério vinculante previsto na norma geral", qual seja "o valor venal do bem ou direito transmitido, que nada mais é do que o seu valor de mercado". É irrelevante, portanto, o preço de venda constante no título translativo, prevalecendo o valor venal correspondente ao valor de mercado. Nessa linha, a expressão "valor do negócio jurídico" constante no referido diploma legal significa o valor de mercado do bem e não ao preço do negócio efetuado entre as partes.

De acordo com súmula 108 do STF e arts. 142 144 do CTN, o fato gerador do ITBI se concretiza com a efetiva transferência de propriedade do bem perante o registro de imóveis, razão pela qual a base de cálculo também deve refletir o valor de mercado havido nessa data. Por conta disso é inviável usar o preço do negócio jurídico como base cálculo, tendo em vista que "o montante ajustado entre as partes como contrapartida financeira pela aquisição de um imóvel é (em 99% dos casos) levantado, negociado, formalizado e pago em ocasião anterior ao momento em que, de acordo com a lei, deve ser mensurada a base de cálculo do imposto".

A partir daí, em pese à presunção relativa de veracidade do valor declarado pelas partes na escritura pública, caso seja constatada divergência considerável entre essa quantia e o valor de mercado, cabe ao Fisco apurar o valor venal do bem à época do fato gerador.

Sustenta que o art. 2º do Decreto n. 1.938/1989 apenas estipula os critérios técnicos a serem observados quando da apuração da base de cálculo do imposto pelo Fisco, inexistindo alteração do elemento quantitativo do imposto ou inovação em relação ao previsto em lei. O inciso I desse dispositivo traz o preço pago pelo adquirente como um dos elementos de apuração da base de cálculo, mas se for constatada flagrante disparidade entre o valor declarado pelo contribuinte e o de mercado, permite-se a revisão e lançamento de ofício por meio de arbitramento, justo o que ocorreu no caso concreto. Dessa forma, não há ilegalidade na sua conduta, visto que apurou a base de cálculo de acordo "com as normas técnicas aplicáveis (COFECI, ABNT, NBR), o método comparativo direto e, com base, ainda: (a) nas informações declaradas pelo contribuinte; (b) nos valores de base de cálculo apurados nos lançamentos de ITBI já efetuados, envolvendo imóveis que apresentam as mesmas características dos imóveis objeto da presente demanda; (c) características dos imóveis objeto de transmissão, localização, valor de acordo com o Custo Unitário da Construção Civil - CUB, amostras de ofertas de imóveis situados no mesmo empreendimento e com características equivalente".

Houve contrarrazões.

VOTO

1. Imposto, tributo não vinculado, tem como fato gerador uma exteriorização de riqueza não atrelada a uma prestação estatal. A lógica impõe que haja correlação entre a base de cálculo e a tal revelação econômica, até para impedir efeito confiscatório. Por isso que, relativamente ao imposto de transmissão, como seria mesmo pela natureza das coisas, a grandeza a ser medida deve ser o valor venal, que demonstra a projeção financeira real vinculada à hipótese de incidência. O art. 38 do CTN ratifica.

O natural será apanhar a quantia ditada pelos intervenientes no negócio jurídico que preenche o fato gerador. Só que isso não vincula a Administração, seja porque haveria óbvia margem para fraudes, seja porque as partes podem, hipoteticamente, sem malícia, estipular contratos sem prestações adequadamente amparadas na realidade imobiliária.

Dessa forma, quando houver demonstração, por parte do Fisco, de que o valor declarado pelo contribuinte não é fidedigno - por ser notadamente incompatível com a realidade do mercado -, há espaço para revisão de ofício do lançamento, com arbitramento de outra base de cálculo que reflita o valor de mercado, desde que observado o procedimento do art. 148 do CTN, garantindo-se o contraditório.

Recentemente, o STJ fixou tese jurídica, ao julgar o Tema 1.113, estabelecendo que o valor venal do bem "corresponde ao valor considerado para as negociações de imóveis em condições normais de mercado" e ratificando a necessidade de instauração de processo administrativo próprio para afastar o valor declarado pelo contribuinte. Confirmou, além disso, a impossibilidade de adotar base de cálculo equivalente a valor de referência previamente definido pelo sujeito ativo, inclusive quando atrelado ao elemento quantitativo do IPTU:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (ITBI). BASE DE CÁLCULO. VINCULAÇÃO COM IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (IPTU). INEXISTÊNCIA. VALOR VENAL DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. REVISÃO PELO FISCO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. PRÉVIO VALOR DE REFERÊNCIA. ADOÇÃO. INVIABILIDADE.1. A jurisprudência pacífica desta Corte Superior é no sentido de que, embora o Código Tributário Nacional estabeleça como base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) o "valor venal", a apuração desse elemento quantitativo faz-se de formas diversas, notadamente em razão da distinção existente entre os fatos geradores e a modalidade de lançamento desses impostos.2. Os arts. 35 e 38 do CTN dispõem, respectivamente, que o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade ou de direitos reais imobiliários ou a cessão de direitos relativos a tais transmissões e que a base de cálculo do tributo é o "valor venal dos bens ou direitos transmitidos", que corresponde ao valor considerado para as negociações de imóveis em condições normais de mercado.3. A possibilidade de dimensionar o valor dos imóveis no mercado, segundo critérios, por exemplo, de localização e tamanho (metragem), não impede que a avaliação de mercado específica de cada imóvel transacionado oscile dentro do parâmetro médio, a depender, por exemplo, da existência de outras circunstâncias igualmente relevantes e legítimas para a determinação do real valor da coisa, como a existência de benfeitorias, o estado de conservação e os interesses pessoais do vendedor e do comprador no ajuste do preço.4. O ITBI comporta apenas duas modalidades de lançamento originário:por declaração, se a norma local exigir prévio exame das informações do contribuinte pela Administração para a constituição do crédito tributário, ou por homologação, se a legislação municipal disciplinar que...

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