Acórdão Nº 0302831-44.2018.8.24.0075 do Primeira Câmara de Direito Civil, 30-09-2021

Número do processo0302831-44.2018.8.24.0075
Data30 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0302831-44.2018.8.24.0075/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: DAMASIO MENDES BRITO (AUTOR) ADVOGADO: FRANCINE DE ALBUQUERQUE (OAB SC050583) ADVOGADO: Claudio Scarpeta Borges APELADO: UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (RÉU) ADVOGADO: MILTON LUIZ CLEVE KUSTER (OAB SC017605)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Damásio Mendes Brito, contra sentença prolatada pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Tubarão que, nos autos da "Ação de indenização por danos morais e materiais" n. 0302831-44.2018.8.24.0075, ajuizada contra a Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico, julgou improcedentes os pedidos, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, monetariamente corrigido (evento 32/EPROC1).

Inconformado, Damásio Mendes Brito sustentou ser ilegítima a negativa de cobertura para o fornecimento de stent, vez que há muitos anos apresenta problemas cardíacos, de modo que nas três ocasiões anteriores (anos de 2006, 2011 e 2014) que precisou realizar procedimentos de angioplastia, com a colocação de stents, houve total cobertura do plano de saúde, o que lhe fez acreditar que todos os custos inerentes ao procedimento estavam contemplados pelo seu plano. Ademais, teceu ilações sobre o direito à saúde e a legislação que rege a matéria, postulando, ao final, a condenação da apelada ao pagamento de R$ 49.825,00 (quarenta e nove mil oitocentos e vinte e cinco reais) a título de danos materiais, sem prejuízo da reparação moral pelo abalo suportado (evento 37/Apelação 52 - E1).

Contra-arrazoado o recurso (evento 41/E1), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Recebo-os conclusos.

É o relatório.

VOTO

O recurso de apelação interposto é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele se conhece.

Ultrapassada a quaestio, Damásio Mendes Brito sustenta, em síntese, ser devida a cobertura dos stents necessários à realização do procedimento de angioplastia que lhe fora prescrito, salientando ser "evidente a caracterização da supressio, uma vez que, não tendo a apelada contestado os pedidos do apelante em nenhuma outra oportunidade, esta indicou que todos os pedidos estavam inclusos no plano de saúde", além de requerer a condenação da ré à reparação pelos danos morais suportados diante da recusa administrativa.

A parte apelada, de seu turno, apresentou contrarrazões, aduzindo ser inaplicável a Lei n. 9.656/98 ao contrato em análise, razão por que inexiste dever cobertura fora daquelas pactuadas, além de ressaltar a inocorrência de abalo moral indenizável.

O reclamo, adianta-se, comporta parcial provimento.

1. Da Lei n. 9.656/98 e da cobertura do tratamento prescrito.

De início, registre-se que o plano de saúde do qual o autor é beneficiário foi firmado na data de 02/01/1997 (evento 1/INF6 na origem), ou seja, anteriormente à Lei n. 9.656/98, publicada em junho de 1998.

Ocorre que, a partir da vigência da Lei n. 9.656/98, os contratos de plano de saúde passaram a ser regulamentados e fiscalizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que criou um rol mínimo dos eventos de referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, o que representa uma vantagem ao consumidor, em razão da ampliação do rol de coberturas, apesar da possibilidade de aumento dos custos mensais diante da regra atuarial.

Neste contexto, restou permitido aos contratantes anteriores à vigência da mencionada legislação, que optassem pela adaptação/migração do contrato, nos termos do art. 35 da Lei n. 9.656/98, in verbis:

Art. 35. Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores, bem como àqueles com contratos celebrados entre 2 de setembro de 1998 e 1o de janeiro de 1999, a possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta Lei.§ 1o Sem prejuízo do disposto no art. 35-E, a adaptação dos contratos de que trata este artigo deverá ser formalizada em termo próprio, assinado pelos contratantes, de acordo com as normas a serem definidas pela ANS.[...] § 7o Às pessoas jurídicas contratantes de planos coletivos, não-optantes pela adaptação prevista neste artigo, fica assegurada a manutenção dos contratos originais, nas coberturas assistenciais neles pactuadas.

Como se vê, os consumidores que optaram pela migração, passaram a fruir dos direitos previstos pela ANS, de modo que, aqueles que escolheram permanecer no plano antigo ou simplesmente silenciaram, tiveram assegurada a manutenção no pacto original, submetidos às coberturas nele contratadas.

Sob essa ótica, impende destacar que compete à operadora do plano de saúde a comprovação de ter oportunizado ao contratante a possibilidade de escolha entre a migração ou a permanência no plano até então pactuado, sob pena de, assim não o fazendo, incidir a Lei n. 9.656/98 às avenças firmadas em momento anterior à sua vigência.

E, na hipótese dos autos, apesar da Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico alegar a inaplicabilidade da legislação em comento, sustentando em sua peça de defesa que a associação contratante não promoveu a alteração do plano pactuado, denota-se do processado a inexistência de quaisquer provas no sentido de que tenha oportunizado à estipulante a migração/adaptação da avença à nova lei, ônus que lhe competia. Aliás, em momento algum a operadora do plano de saúde sequer sustentou ter possibilitado tal opção, em observância ao art. 35 da Lei n. 9.656/1998, motivo por que não há como afastar a incidência da normativa no caso concreto.

Este, aliás, o entendimento sedimentado nesta Corte, veja-se:

1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. PLANO DE SAÚDE. RECURSO DA RÉ. 1) INCIDÊNCIA DA LEI N. 9.656/98. ALEGADA EXISTÊNCIA DE PLANOS OFERTADOS AOS SEGURADOS. ARGUMENTO NÃO APRESENTADO PERANTE O JUÍZO DE ORIGEM. MANIFESTA INOVAÇÃO RECURSAL. RECLAMO NÃO CONHECIDO NO PONTO. 2) ASSISTÊNCIA À SAÚDE. CONTRATO ANTERIOR À ATUAL LEI DE REGÊNCIA. PROPOSTA DE MIGRAÇÃO PARA SERVIÇO REGULAMENTADO INDEMONSTRADA. EXIGÊNCIA DO ART. 35, CAPUT, DA LEI DOS PLANOS DE SAÚDE. APLICABILIDADE DA NORMA AO CASO CONCRETO. PRECEDENTES. "Embora não seja permitida a aplicação retroativa da lei, há entendimento predominante na jurisprudência de que nos contratos de plano de saúde, se não foi oportunizada a possibilidade de migração de plano atingido pela nova lei, o contrato passa a ser regulamentado por esta, face a sua renovação anual e automática (TJSC, AC n. 2011.008812-5, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. em 13-4-2011)" (AC n. 0602532-49.2014.8.24.0005, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. em 28.03.2017). 3) NEGATIVA DE COBERTURA. EXAMES DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 608, DO STJ. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CONSUMERISTA AOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE. ALEGADA COBERTURA CONTRATUAL LIMITADA A UM PROCEDIMENTO ANUAL. CLÁUSULA ABUSIVA. OFENSA AO ART. 51, INC. IV, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDICAÇÃO EXPRESSA DO MÉDICO ASSISTENTE. PREJUÍZO AO MELHOR DIAGNÓSTICO PARA A SEGURADA. PROCEDIMENTOS, ADEMAIS, PREVISTOS NA LISTAGEM DE COBERTURAS MÍNIMAS A SEREM OFERECIDAS PELAS OPERADORAS, CONFORME ANEXO I, DA RESOLUÇÃO NORMATIVA N. 262/2011, DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS). "Recusa indevida, pela operadora de plano de saúde, da cobertura financeira do tratamento médico do beneficiário. Ainda que admitida a possibilidade de previsão de cláusulas limitativas dos direitos do consumidor (desde que escritas com destaque, permitindo imediata e fácil compreensão), revela-se abusivo o preceito do contrato de plano de saúde excludente do custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento clinico ou do procedimento cirúrgico coberto ou de internação hospitalar." (AgRg no REsp n. 1450673/PB, rel. Ministro Marco Buzzi, j. em 07.08.2014). 4) ABALO ANÍMICO. INEXISTÊNCIA DE PARECER MÉDICO A RELATAR DANO IMINENTE. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A NEGATIVA TENHA GERADO RISCO DE VIDA OU O AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE DA PACIENTE. PREJUÍZO PSICOLÓGICO OU PIORA NAS CONDIÇÕES GERAIS DA DEMANDANTE INDEMONSTRADOS. ESCASSEZ DE OUTROS SUBSTRATOS PARA EVIDENCIAR EVENTUAL CONSTRANGIMENTO EXTRAORDINÁRIO SUPORTADO EM VIRTUDE DA RECUSA DE COBERTURA. ÔNUS DA PARTE AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, I, DO CPC/2015. INDENIZAÇÃO AFASTADA. PRECEDENTES. RECLAMO ACOLHIDO NO PONTO. " 'A condenação à indenização por dano moral no caso de negativa de cobertura pelo plano de saúde somente se justifica se evidenciado nos autos uma situação de risco da vida do consumidor ou o agravamento do seu estado de saúde com consequente abalo psíquico (...)' (TJSC, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves)' (AC n. 0303266-23.2014.8.24.0054, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 23.08.2016)" (AC n. 0000538-10.2011.8.24.0015, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. em 24.10.2017). 5) ENCARGO SUCUMBENCIAL REDISTRIBUÍDO. 6) HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO NA HIPÓTESE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0877605-23.2013.8.24.0023, da Capital, rel. Gerson Cherem II, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 05-09-2019).

2) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. PEDIDO DE CIRURGIA...

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