Acórdão Nº 0302978-68.2018.8.24.0011 do Segunda Turma Recursal, 23-06-2020

Número do processo0302978-68.2018.8.24.0011
Data23 Junho 2020
Tribunal de OrigemBrusque
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal



Recurso Inominado n. 0302978-68.2018.8.24.0011, de Brusque

Relatora: Juíza Margani de Mello





RESPONSABILIDADE CIVIL. COBRANÇA VEXATÓRIA. MENSAGENS ENVIADAS PARA CONTATOS INDICADOS COMO "REFERÊNCIA" NO CADASTRO REALIZADO PELO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE NÃO HAVIA COMO APURAR DE QUEM ERA A TITULARIDADE DO NÚMERO INSERIDO. ÔNUS QUE INCUMBIA À EMPRESA RECORRIDA. EXPOSIÇÃO DA SITUAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA A TERCEIROS, ALHEIOS À RELAÇÃO COMERCIAL. SITUAÇÃO QUE EXCEDEU O EXERCÍCIO DO DIREITO DE COBRAR. AFRONTA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0302978-68.2018.8.24.0011, da comarca de Brusque Juizado Especial Cível e Criminal, em que é recorrente Cristiano Lang, e recorrida Lojas Salfer S/A:



I - RELATÓRIO

Conforme autorizam o artigo 46, da Lei 9.099/95, e o Enunciado 92, do FONAJE, dispensa-se o relatório.

II - VOTO

Insurge-se o recorrente contra a sentença de pp. 62-63, da lavra da juíza Camila Coelho, que julgou improcedente o pedido por ele formulado, sustentando, em síntese, que as mensagens enviadas aos contatos por ele indicados como "referência" quando da realização do cadastro na empresa recorrida excedeu o direito de cobrança desta, configurando ato ilícito passível de reparação indenizatória.

Contrarrazões apresentadas às pp. 119-124, requerendo a intimação da parte contrária para comprovação da hipossuficiência.

Inicialmente, os documentos acostados nas pp. 82-90 são suficientes para a concessão da benesse e, como a empresa recorrida não trouxe qualquer elemento para esmorecer a situação financeira demonstrada pelo recorrente, voto pela manutenção do deferimento do benefício.

O recurso merece parcial acolhimento.

A cobrança de dívidas, redundante dizer, é um direito do credor, caracterizando, portanto, o exercício regular de um direito, nos termos do artigo 42, do Código de Defesa do Consumidor. Não obstante, tal direito não pode ser exercido de forma abusiva, vexatória.

No caso, a empresa recorrida não se desincumbiu de seu ônus de comprovar que não é possível mensurar de quem é o respectivo telefone (p. 26). Sabe-se que é prática comum das empresas a solicitação de números de telefone de "referência" quando da realização do cadastro, mas sempre devidamente identificados de quem são seus titulares. Dessa forma, cabia a ela a comprovação de que os números foram indicados para a realização de eventual cobrança ou até mesmo como de titularidade do recorrente, prova de fácil produção.

Assim, a prova documental amealhada aos autos pelo consumidor (atas notariais de pp. 13-17), que demonstra o envio de mensagens informando da existência de dívida pendente para terceiros, alheios à relação comercial, é suficiente para demonstrar a abusividade das cobranças levadas a efeito pela credora.

Se a recorrida/credora não solucionou o caso através das ligações e mensagens enviadas ao próprio consumidor, deveria se valer dos meios legais para tanto, sendo abusiva a cobrança realizada através de terceiros, o que denota, dada a situação vexatória, infligir desnecessário e evitável constrangimento, impondo-se o reconhecimento do ato ilícito praticado por aquela.

Não se desconhece a existência de posicionamentos divergentes na jurisprudência, tanto no sentido de que o mero telefonema cientificando a existência de dívida para terceiros não configura abuso de direito de cobrança nem enseja, por si só, abalo anímico indenizável, quanto no sentido de que tal prática desborda do exercício regular de direito e causa dano moral indenizável.

Alinho-me ao entendimento de que a cobrança por meio de ligações ou mensagens deve servir como recurso de diálogo e notificação do devedor para tratativas acerca do débito e de sua quitação, e não como meio de coação – pretensão que deve ser realizada pelos meios extrajudiciais ou judiciais regulares. Isto é, o emprego deste meio não implica, precipuamente, em abusividade, mas comporta a demonstração do excesso que configura ato ilícito. Na hipótese, para a cobrança da dívida, a recorrida se utilizou de mensagens enviadas a terceiras pessoas, sendo evidente que seu intuito não era unicamente a cobrança do débito – já que este sequer pertencia àqueles que receberam as comunicações – mas expor o devedor a constrangimento e vexação para coagi-lo ao adimplemento.

Dessa forma, em situações nas quais o abuso no exercício do direito de cobrança pelo credor resulta na exposição desnecessária do consumidor a pessoas alheias à relação contratual, não há como deixar de reconhecer o abalo anímico indenizável como desdobramento do ilícito.

A propósito, colhe-se da jurisprudência:


RECURSO INOMINADO. COBRANÇA VEXATÓRIA DE DÍVIDA. LIGAÇÕES TELEFÔNICAS EXCESSIVAS. EXPOSIÇÃO DO INADIMPLEMENTO A TERCEIROS. COMPROVAÇÃO ATRAVÉS DE PROVA TESTEMUNHAL. ABALO ANÍMICO DEMONSTRADO. SENTENÇA PROCEDENTE PARA...

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