Acórdão Nº 0303055-70.2018.8.24.0175 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 09-03-2021

Número do processo0303055-70.2018.8.24.0175
Data09 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0303055-70.2018.8.24.0175/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: NORIVAL GONZAGA RIBEIRO GOULART (AUTOR) ADVOGADO: Stephany Sagaz Pereira (OAB SC035218) ADVOGADO: GUSTAVO PALMA SILVA (OAB SC019770) APELADO: AGIBANK FINANCEIRA S.A. - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) ADVOGADO: Wilson Sales Belchior (OAB SC029708)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de apelação cível interposto por NORIVAL GONZAGA RIBEIRO GOULART contra sentença de parcial procedência (evento 19) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, cuja parte dispositiva a seguir se transcreve:
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Norival Gonzaga Ribeiro Goulart em desfavor de AGIPLAN Financeira S/A. Crédito, Financiamento e Investimentos, para, acolhendo o pedido subsidiário e com amparo no artigo 6º, incisos III e V do Código de Defesa do Consumidor, determinar que a instituição financeira requerida proceda, no prazo de 30 (trinta) dias, a readequação dos termos do contrato de "Cartão de Crédito Consignado"conforme parâmetros acima elencados. Ainda, JULGO EXTINTO o processo com resolução de mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil Frente a sucumbência recíproca, CONDENO as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a serem partilhados no percentual de 50% (cinquenta por cento) para cada uma, à luz do artigo 85, § 8º, do Código ce Processo Civil - sobretudo por se tratar de demanda de pouca complexidade, com reduzido número atos processuais e sem instrução do processo -, corrigidos monetariamente a partir da publicação desta sentença e acrescidos de juros de mora após o trânsito em julgado. Por ser beneficiária da gratuidade da justiça (p. 35), fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação à parte requerente.
Nas razões recursais (evento 24), o autor requer a reforma do "decisum", asseverando a ocorrência de prática abusiva efetuada pela parte ré, sob argumento de que nunca pretendeu a contratação de serviços de cartão de crédito, por meio de reserva de margem consignada (RMC), a significar a possibilidade da declaração de nulidade/inexistência de contratação do empréstimo via cartão de crédito. Ainda, pretende a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais e dos ônus sucumbenciais.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 32).
É o relato do essencial

VOTO


Insurge-se a parte autora contra sentença de parcial procedência** da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, determinando-se a readequação da avença para "empréstimo consignado".
Os pontos atacados serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Ofensa ao princípio da dialeticidade - preliminar formulada em contrarrazões
Em sede de resposta, a parte recorrida afirma a ausência de dialeticidade entre o comando sentencial e as razões recursais, argumentando que não impugna especificamente os fundamentos da decisão recorrida.
Entretanto, não há motivo para o não conhecimento do recurso por ofensa ao art. 1.010 do Código de Processo Civil.
De acordo com referido dispositivo, "a apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: os nomes e a qualificação das partes; a exposição do fato e do direito; as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; o pedido de nova decisão" (incisos I a IV).
A esse respeito, leciona Daniel Amorim Assumpção Neve:
Em decorrência do principio da dialeticidade, todo o recurso deverá ser devidamente fundamentando, expondo o recorrente os motivos pelos quais ataca a decisão impugnada e justificando seu pedido de anulação, reforma, esclarecimento ou integração. Trata-se, na realidade, da causa de pedir recursal. A amplitude das matérias dessa fundamentação divide os recursos entre aqueles que tem fundamentação vinculada e os que tem fundamentação livre. [...]
Costuma-se afirmar que o recurso e composto por dois elementos: o volitivo (referente a vontade da parte em recorrer) e o descritivo (consubstanciado nos fundamentos e pedido constantes do recurso). O principio da dialeticidade diz respeito ao segundo elemento, exigindo do recorrente a exposição da fundamentação recursal (causa de pedir; error in judicando e error in procedendo) e do pedido (que podera ser de anulação, reforma, esclarecimento ou integração).
Tal necessidade se ampara em duas motivações: permitir ao recorrido a elaboração das contrarrazões e fixar os limites de atuação do Tribunal no julgamento do recurso. [...]
Por outro lado, o pedido se mostra indispensável na formulação de qualquer recurso porque, ao lado da fundamentação, limita a atuação e decisão do Tribunal, considerando-se a regra do tantum devolutum quantum appelatum (art. 515, caput, do CPC), Em decorrência do principio dispositivo, que norteia a existência e os limites - ao menos em regra - do recurso, a atuação jurisdicional do Tribunal estará vinculada a pretensão do recorrente, exposta em sua fundamentação e em seu pedido, o que demonstra claramente a importância do principio da dialeticidade. (Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 570 e 599/560)
No caso em análise, verifica-se a pertinência dos fundamentos constantes nas razões recursais - nas quais fora pleiteada a declaração de inexistência de contratação e condenação da adversa à restituição dos valores e a título de danos morais -, havendo conexão entre os argumentos deduzidos e os fundamentos do "decisum" que julgou procedentes os pedidos iniciais.
Assim sendo, evidencia-se que as razões recursais não estão dissociadas do fundamento utilizado na sentença impugnada, restando cumprido o requisito previsto no art. 1.010, II, da Lei Adjetiva Civil.
Portanto, a tese sustentada deve ser rejeitada, de modo que se avança à análise do apelo interposto pela parte acionante.
Justiça gratuita
A parte acionante requer a concessão do benefício da justiça gratuita, pleito, todavia, que já fora deferido na origem, conforme se verifica do pronunciamento judicial datado de 22/3/2019 (evento 5), inexistindo, dessa forma, interesse recursal.
Portanto, o reclamo não merece ser conhecido no ponto.
Inexistência de contratação via cartão de crédito consignado
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, o autor defendeu a nulidade da contratação ajustada com a instituição financeira ré, sustentando não ter adquirido cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau determinou a readequação dos termos do contrato para a modalidade de empréstimo consignado.
Pois bem.
O cerne da questão discutida no presente feito cinge-se à validade ou não da contratação realizada.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).
Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:
O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.
Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.
Se...

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