Acórdão Nº 0303131-39.2016.8.24.0022 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 23-11-2021

Número do processo0303131-39.2016.8.24.0022
Data23 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0303131-39.2016.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: JAIR DA SILVA RIBEIRO ADVOGADO: SANDRO SCHAUFFERT PORTELA GONCALVES (OAB SC008903) APELADO: BANCO DO BRASIL S.A.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Jair da Silva Ribeiro em face de sentença proferida na ação monitória ajuizada por Banco do Brasil S.A., a qual julgou procedentes os pleitos inaugurais, nos seguintes termos:

"Isto posto, REJEITO os embargos e constituo o título executivo judicial em favor do autor/embargado, no valor de R$240.864,52 (duzentos e quarenta mil e oitocentos e sessenta e quatro reais e cincoenta e dois centavos), atualizado até 31/10/2016. A partir de 1º/11/2016, até a quitação, incidem juros de 5,5% ao ano, conforme contrato. Condeno o embargante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do montante do débito." (doc. 62, evento 32)

Nas razões de insurgência, aventou em preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa, ante a ocorrência do julgamento antecipada e a consequente impossibilidade de produção de prova pericial. No mérito, sustentou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a inversão do ônus da prova; o encadeamento contratual entre o ajuste e outras avenças; o afastamento da capitalização de juros e a limitação do encargo compensatório à média de mercado para à época da conttratação; a inadmissão da comissão de permanência, porquanto cumulada com os demais encargos provenientes da mora; o afastamento dos juros moratórios e da multa; a ilegalidade da cláusula de vencimento antecipado da dívida; a abusividade na cobrança de taxas e tarifas administrativas; e, a repetição do indébito na forma simples (doc. 66, evento 37).

Regularmente intimada, a parte adversa apresentou contrarrazões (doc. 73, evento 42).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de apelo interposto contra decisão que albergou pleito monitório, e rejeitou a pretensão revisional de contrato externada pela demandada.

Cerceamento de defesa

Suscita o recorrente a ocorrência de cerceamento de defesa, por entender imprescindível a realização de prova pericial.

No sistema de persuasão racional adotado pelos arts. 370 e 371 da Lei Processual Civil, cabe ao magistrado determinar a conveniência e a necessidade da produção probatória.

Nesse viés, como presidente da instrução processual, não há obrigação de o juiz coletar prova requerida pela parte quando configurada a inutilidade de sua produção para o deslinde da "quaestio", sendo lícito ao togado decidir antecipadamente a lide.

A respeito da temática, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

[...] É lícito ao magistrado formar a sua convicção com base em qualquer elemento de prova disponível nos autos bastando para tanto que indique na decisão os motivos que lhe formaram o convencimento, de forma que a intervenção desta Corte quanto a tal valoração encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. 3. Não configura cerceamento de defesa a sentença que julga antecipadamente a lide, de maneira fundamentada, resolvendo a causa sem a produção de outras provas em razão da suficiência probatória. Precedentes. [...] (AgInt no REsp 1459039/SP, rel. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, publ. em 25/6/2018)

No caso dos autos, o magistrado "a quo" entendeu prescindível a dilação probatória considerando que a abusividade dos encargos pactuados se trata de matéria essencialmente de direito, passível de análise somente com base nos documentos acostados.

Este tem sido o posicionamento desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. 1 - GRATUIDADE DA JUSTIÇA. PLEITO JÁ CONCEDIDO PELO JUÍZO DE ORIGEM. BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE À SEGUNDA INSTÂNCIA. EXEGESE DO ART. 9º DA LEI N. 1.060/1950. PONTO NÃO CONHECIDO. 2 - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. QUESTÃO DE DIREITO. PROVA DOCUMENTAL. EXEGESE DOS ARTS. 130 E 330, I, DO CPC/1973 (ARTS. 370 E 355, I, DO CPC/2015). RECURSO DESPROVIDO NO PONTO. "Não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide sem a produção das provas que a parte pretendia produzir - no caso, pericial e oral - quando o Magistrado entender que o feito está adequadamente instruído com os elementos indispensáveis à formação de seu convencimento. Ademais, consabido que, "a decisão a respeito da legalidade de cláusulas de contratos bancários se profere mediante o simples exame do pacto, bastando, para tanto, a juntada da sua cópia" (Apelação Cível n. 2015.023201-2, Rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em 14/5/2015), tornando desnecessária a apresentação original do ajuste" (Apelação Cível n. 2016.020955-9, de Balneário Camboriú, rel. Des. Robson Luz Varella, j. 26-4-2016). RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. (Apelação Cível n. 0500404-77.2013.8.24.0039, rel. Des. Dinart Francisco Machado, j. em 26/6/2018)

Desse modo, tratando-se de matéria exclusivamente de direito e convencido o togado singular acerca da solução jurídica pelas provas carreadas aos autos, mostra-se factível decidir antecipadamente a lide, por já se encontrar a controvérsia em condições de julgamento.

Isso posto, a preliminar aventada deve ser rechaçada.

Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e viabilidade da revisão contratual

Afirmou o autor a possibilidade de revisão contratual, diante da livre manifestação de vontade das partes em contratar.

Tal ponderação merece guarida.

É cristalino que a relação jurídica estabelecida entre as partes litigantes é tida como de consumo, enquadrando-se a apelada no conceito de consumidora final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor e o apelante no de fornecedor de produtos e serviços (art. 3º, §2º, da Legislação Consumerista), "in verbis":

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[...]

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Tal entendimento foi consolidado na Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, a qual estabelece o seguinte: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Vale ressaltar que o reconhecimento da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, por si só, não assegura a procedência dos pedidos formulados pela parte autora da demanda, uma vez que somente quando da análise do caso concreto é que será possível a verificação de eventual ilegalidade ou abusividade das condições contratuais.

Ademais, um dos principais objetivos da Lei 8.078/90 consiste na proteção do hipossuficiente em decorrência de sua vulnerabilidade, cuja finalidade, nos termos da Política Nacional das Relações de Consumo, é a de resguardar os interesses econômicos e a harmonização dos negócios celebrados.

É nesse sentido, portanto, que a relação evidenciada nos autos deve ser interpretada, segundo as disposições consumeristas, com o intuito de alcançar ao máximo a igualdade entre os contratantes.

Atente-se, todavia, que isso não implica o reconhecimento de mácula a viciar a avença desde o seu princípio, mas é possível a revisão do pacto entabulado entre as partes, conforme o disposto no inciso V do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, o qual permite a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a revisão delas em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Dessa forma, plenamente cabível a revisão dos termos originalmente avençados, sem que haja qualquer afronta ao princípio da boa-fé objetiva.

Além disso, em vista de sua natureza cogente, a legislação protetiva em comento restringiu o espaço da autonomia de vontade privilegiada pelo direito privado, mitigando o princípio da obrigatoriedade dos contratos (a eficácia do princípio pacta sunt servanda), próprio de avenças celebradas sob a égide do Código Civil.

Desse modo, verificada a aplicação da Lei 8.078/90 no caso em apreço e viável a análise das cláusulas do contrato, devendo o apelo ser provido neste particular.

Inversão do ônus probatório

O consumidor argumenta a viabilidade da inversão do ônus da prova, sob o pretexto de ser cabível à casa bancária fazer prova constitutiva de seu direito.

Todavia, da análise dos autos, vislumbra-se que a financeira efetuou a exibição do ajuste quando do ajuizamento da "actio" monitória (doc. 5, evento 1), inexistindo, desta forma, interesse recursal neste aspecto.

O interesse em recorrer, como sabido, é requisito intrínseco de admissibilidade do apelo, sendo que a sua inexistência impossibilita a análise dos argumentos levantados à apreciação pela parte recorrente.

Logo, o reclamo não deve ser conhecido na espécie.

Juros Remuneratórios

Aduziu o acionado que há abuso na taxa de juros contratada, pugnando pela limitação dos juros ao percentual estabelecido pelo Bacen à época da contratação.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de adotar a tabela de taxas médias de juros praticados pelo mercado como índice de referência para a apreciação dos casos concretos: "Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado" (Súmula n. 296).

No âmbito desta Egrégia Corte, consolidaram-se os Enunciados n. I e IV do Grupo de Câmaras de Direito Comercial, "in verbis":

I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas...

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