Acórdão Nº 0303186-49.2018.8.24.0012 do Quinta Câmara de Direito Público, 03-03-2022

Número do processo0303186-49.2018.8.24.0012
Data03 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0303186-49.2018.8.24.0012/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN (REQUERIDO) APELADO: MUNICÍPIO DE CAÇADOR (REQUERENTE) E OUTRO INTERESSADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Na Comarca de Caçador, a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - Casan moveu ação de rito comum em relação ao Município de Caçador, assim como houve, em sentido invertido, ação de imissão de posse, tendo ambas as sentenças desfavorecido a sociedade de economia mista.

Na apelação, a empresa narra que prestou o serviço público de abastecimento de água e esgotamento sanitário desde os anos 1970, primeiramente amparada por contrato, depois de maneira não documentada. O Município lançou a concorrência n. 03/2015, que vinha tendo como vencedora a empresa BRK Ambiental S/A.

Dá-se que o Prefeito Municipal, por meio da dispensa de licitação n. 11/2016, firmou contrato de programa com a Casan, contemporaneamente a convênio de cooperação com o Estado de Santa Catarina. Para tanto, inclusive, a mesma autoridade revogou a licitação (o aludido edital n. 03/2015).

A BRK impetrou o mandado de segurança n. 0000014-12.2017.8.24.0012 contra a decisão que beneficiou a Casan. A segurança foi deferida em favor da empresa particular. A deliberação foi suspensa pelo Tribunal de Justiça, sobrevindo pedido de desistência do writ.

Logo em seguida, o Prefeito Municipal determinou a anulação da dispensa de licitação n. 11/2016 e dos atos dela decorrentes, cancelando consequentemente o contrato de programa e o convênio que haviam firmado. Quer dizer, revigorou os termos da licitação que fora revogada.

A partir daí, faz uma ampla análise quanto à modalidade de serviço prestado pela Casan e seus méritos, do que apanho alguns trechos sugestivos da apelação:

(...) se o Município de Caçador pretendesse transferir a gestão do serviço público de saneamento básico para o Estado de Santa Catarina, o Estado teria que competir com a iniciativa privada? Teria o Estado de Santa Catarina que competir com a "BRK Ambiental"? É claro que não, sob pena de impedir o Estado de concretizar sua competência constitucional executiva em matéria de saneamento básico (art. 23, IX da CF).

Pois o Estado de Santa Catarina possui uma entidade especificamente criada para lhe representar, na execução de sua competência constitucional (art. 23, IX da CF), suprindo falhas de mercado e praticando tarifas sistematizadas pela técnica do subsídio cruzado intermunicipal: a CASAN ? através de Convênio de Cooperação para Gestão Associada com o município (art. 241 da CF), que permite a celebração, por dispensa de licitação (lógico, já que a CASAN representa o Estado de Santa Catarina nessa empreitada) do Contrato de Programa.

Não por menos que outros aspectos são notáveis no que toca a análise da natureza jurídica da CASAN. A começar pela sua atuação estar alçada a status constitucional na Constituição do Estado de Santa Catarina, com regras rígidas e excepcionais para a sua desestatização2. Além disso, as tarifas praticadas pela CASAN, aprovadas por todas as agências reguladoras que atuam em municípios sob gestão associada Município/Estado-CASAN, se basearem no Decreto Estadual n. 1.035/2008 que, sucedendo o anterior Decreto Estadual n. 3.557/93 e o Decreto Federal n. 82.587/78, confere a base jurídica do subsídio cruzado tarifário que marcou a criação não apenas da CASAN, mas de todas as demais companhias estaduais de saneamento básico, em cada Estado da federação, por ocasião da implantação do PLANASA (Plano Nacional de Saneamento Básico) na década de 1970.

As tarifas, portanto, servem a sustentação do equilíbrio econômico-financeiro do sistema operado pela CASAN - e, por sistema, leia-se o conjunto de municípios (e dentre eles, Caçador) que aderiram ao modelo interfederativo de gestão associada e, por conseguinte, de solidariedade tarifária (...).

Defende que a Casan não se integra à mesma forma de prestação do serviço, tal qual fosse uma concorrente em igualdade com a iniciativa privada. Sua atuação é de Estado, não de Governo:

(...) o vínculo que franqueia a atuação da CASAN é formado por um Convênio de Cooperação para Gestão Associada entre o Estado de Santa Catarina e o Município - não se tratando de delegação à particular, mas sim, de gestão associada de um serviço público por entes federados, na forma do art. 241 da CF. É aqui que a CASAN, como entidade criada, mantida e controlada pelo Estado de Santa Catarina para executar políticas públicas de saneamento básico em seu nome, ingressa no contexto da gestão associada.

Diga-se: a CASAN é verdadeira agência executiva do Estado de Santa Catarina, sendo esta afirmação, com larga folga, defensável juridicamente, ainda que esta qualificação não seja formalizada na forma do art. 37 § 8o da CF (que exige assinatura de contrato de gestão).

É que a um, o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista (art. 173 § 1o da CF e Lei Federal n.o 13.303/2016) confere à CASAN dinamismo para conduzir a gestão de sistemas de saneamento frente ao engessamento típico de um órgão da administração pública ordinário, em linha com o que a legislação/Constituição permite às agências executivas;

A dois, porque o contrato de gestão que caracteriza a qualificação de uma autarquia ou mesmo de empresa pública à condição de agência executiva, é representado, no caso concreto, pelos Contratos de Programa celebrados pela CASAN no bojo dos Convênios de Cooperação, encerrando-se em cláusulas e anexos específicos, destes Contratos de Programa, as metas progressivas de expansão dos serviços. Com efeito, há uma fiscalização da gestão desses contratos (i) pelo Município (como convenente), sem prejuízo (ii) da fiscalização pelo próprio Estado (convenente) mediante mecanismos da chamada supervisão ministerial relativamente aos executivos que ocupam os cargos diretivos da entidade, bem como (iii) da fiscalização à cargo das agências reguladoras;

A três, porque a justificativa para o Estado seguir exercendo manutenção e controle estatal da CASAN se dá por lógica não mercadológica na atuação da CASAN: ela não escolhe o Município em que irá atuar, mas sim, o avalia para que o Estado tenha dimensão dos desafios e investimentos que serão necessários para universalizar o atendimento de saneamento naquele município pretendente a se conveniar. A razão de existir da CASAN, portanto, se dá como instrumento de ação executiva do Estado, suprindo falhas de mercado; e

A quatro, porque dentro dessa lógica não mercadológica, a CASAN funciona como verdadeiro fundo centralizador de recebíveis tarifários e, ao mesmo tempo, como fundo centralizador das despesas globais de todos os municípios considerados conjuntamente, com vistas a formação da política tarifária aplicável de maneira uniforme a todos os municípios conveniados com o Estado de Santa Catarina.

É dizer: a CASAN custeia as suas operações mediante a aplicação de uma política de subsídios cruzados tarifários que permita operar - e expandir - simultaneamente, os sistemas de abastecimento de água e coleta/tratamento de esgotos sanitários dos mais de 200 municípios atualmente conveniados com o Estado de Santa Catarina. Trata-se de modelo regulatório de solidariedade interfederativa, em que municípios rentáveis e deficitários do ponto de vista meramente econômico-operativo se unem para socializar os rendimentos da operação do saneamento básico.

Essa é, portanto, a abissal diferença entre a CASAN e p.ex. a BRK Ambiental, que atualmente opera o sistema de Caçador por força de suspensão de liminar: não há, na modelagem regulatória representada pela CASAN (de gestão associada entre Município e Estado) individualização de municípios. Todos os rincões do Estado importam para a CASAN. É óbvio que as avaliações de desempenho, controles internos e implementação de medidas para aprimorar a eficiência da operação de sistemas municipais são individualmente realizados - inclusive mediante verificação do cumprimento das metas estabelecidas nos Contratos de Programa assinados com os respectivos municípios e, quando é o caso, inclusive mediante proposições da própria CASAN, quando das revisões periódicas, para melhor aprimoramento dos planos municipais em execução.

Os players privados, por seu turno, seguem lógica distinta. A eficiência, para a CASAN, é a eficiência sob o prisma público. "Lucro" para a CASAN, portanto, não é um fim em si. Ele pode se revelar, mas como consequência de eficiência e boa gestão pública.

Em outros termos, sua intervenção é no sentido de gestão associada, que não se antagoniza com o modelo de licitação. Trata-se de uma opção discricionária de cada município, avaliação sobre a qual o Judiciário não pode avançar.

Discorre, firmadas as tais premissas, que o Executivo (ao anular os atos administrativos que amparavam mais recentemente a Casan) e o juízo de primeiro grau invadiram esfera política, sopesando quando não era mais possível a escolha válida feita pelo então Prefeito Municipal. Quando se diz que a fundamentação dessa autoridade era deficiente (ao repristinar a licitação), está-se na verdade fazendo nova meditação quanto ao juízo de conveniência e oportunidade. Além do mais, a desistência do mandado de segurança (cuja sentença estava com a eficácia suspensa) foi um jogo concertado entre a BRK e o novo alcaide.

Prossegue historiando os diversos processos e incidentes que envolveram as partes. Há a presente ação anulatória, mas também a ação de imissão de posse proposta pelo Município de Caçador em face da Casan. Todas as decisões favoráveis em primeiro grau foram suspensas pelo Tribunal de Justiça, adita, mas sobreveio deliberação da Presidência do STJ que as revigorou, de maneira que hoje a BRK assumiu a prestação do serviço.

Descreve a partir de então as razões para a reforma das duas sentenças, norteando seus argumentos por meio das seguintes premissas:

1) A sentença apelada entende que o ato...

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