Acórdão Nº 0303342-42.2018.8.24.0075 do Quarta Câmara de Direito Civil, 20-10-2022

Número do processo0303342-42.2018.8.24.0075
Data20 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0303342-42.2018.8.24.0075/SC

RELATOR: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOS

APELANTE: ERIC D ALMEIRA LOUREIRO (AUTOR) APELANTE: CARLA SOUZA RIBEIRO (RÉU) APELADO: OS MESMOS APELADO: NANCY MARIA DE SOUZA RIBEIRO (RÉU)

RELATÓRIO

Eric D Almeida Loureiro ajuizou ação de reparação de danos contra Carla Souza Ribeiro e Nancy Maria de Souza Ribeiro, em razão de acidente de trânsito ocorrido em 20/09/2015, envolvendo a motoneta Sundown/Web 100, pertencente ao autor e por ele conduzida, e o veículo Fiat/Palio de propriedade da segunda ré, mas dirigido pela primeira no momento do sinistro. Sobre a dinâmica dos fatos, alegou o requerente que, conforme admitido pela motorista do carro à autoridade policial, ela se distraiu e ultrapassou sinal vermelho, atingindo-o em seguida. A respeito dos danos causados, referiu a perda total da motocicleta, no valor de R$ 2.779,25, e disse que sofreu diversas lesões, razão pela qual precisou se submeter a procedimentos cirúrgicos, custear medicamentos, no valor mensal de aproximadamente R$ 300,00, e realizar sessões de terapia, gastando cerca de R$ 224,00 por mês, além de ter ficado debilitado e impossibilitado de exercer sua atividade laboral, como professor particular da Língua Francesa, que lhe garantia renda de mais ou menos R$ 5.000,00. Nesse sentido, requereu a condenação das rés ao pagamento de pensão mensal correspondente ao seu salário anterior, bem como indenização por danos materiais (emergentes e lucros cessantes), totalizando R$ 334.700,00, danos morais, quantificados em R$ 100.000,00, e danos estéticos, no valor de R$ 50.000,00.

Ao contestar o feito, a primeira requerida não negou a dinâmica do acidente narrada pelo autor, apenas a justificou sob a alegação de que estava se deslocando ao hospital com seu filho pequeno, que se encontrava com problema respiratório grave, e acabou não percebendo a sinalização da via no momento do ocorrido. Além disso, aduziu não ter se omitido de prestar socorro e auxílio financeiro ao demandante, e argumentou não haver prova dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais alegados. Postulou a improcedência dos pedidos e, subsidiariamente, a dedução do valor auferido a título de Dpvat do quantum condenatório (ev. 21 - PG).

Já a segunda ré suscitou sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que vendeu o automóvel envolvido na colisão ao terceiro Rafael Nunes Braga, companheiro de Carla Souza Ribeiro, em 05/06/2013. No mérito, secundou a tese de ausência de prova do prejuízo material, moral e estético alegadamente suportado pelo autor. Nesse sentido, pleiteou a extinção do feito em relação a si e, subsidiariamente, a improcedência do pleito inaugural (ev. 29 - PG).

Houve réplica (ev. 33 - PG).

Finda a instrução, o juízo i) acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da ré Nancy, extinguindo o feito em relação a ela e condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa; e ii) julgou parcialmente procedentes os pedidos, para condenar a ré Carla ao pagamento de R$ 3.000,00 mensais "a título de lucros cessantes", devidos a partir de outubro de 2015; R$ 80.000,00 de indenização por danos morais e estéticos; e R$ 751,00 por danos emergentes, além de 40% das custas e honorários, estes fixados em 15% sobre a condenação. O autor ficou responsável pelo custeio das despesas processuais remanescentes (60%) e verba honorária de 15% sobre a diferença entre o valor da causa e o da condenação (evs. 95 e 125 - PG).

Demandante e primeira demandada apelaram.

Nas razões recursais, ele insiste na legitimidade ad causam da ré Nancy, defendendo que o contrato de compra e venda juntado aos autos é falso. Ademais, aduz que o juízo não apreciou o pedido de pensão mensal e não estabeleceu termo final aos "lucros cessantes", apontando a necessidade de se declarar a vitaliciedade e a natureza alimentar do pensionamento. Busca também a majoração da indenização por danos morais. Ainda, defende que não houve sucumbência recíproca, pois todos os seus pedidos foram deferidos. No ponto, invoca o princípio da causalidade, bem como a Súmula 326 do STJ. Postula a reforma da sentença nesses termos (ev. 130 - PG).

A ré Carla, por sua vez, sustenta que a condenação é excessiva no tocante à reparação da lesão anímica, destacando que, como reconhecido na sentença, não agiu com grau de culpa elevado, e que deve ser considerado o nível socioeconômico dos envolvidos. Diz que não se justifica a condenação por danos estéticos, pois o requerente não restou com alteração corporal que provoque "aleijão e repugnância", tampouco por lucros cessantes, ante a falta de prova da atividade remunerada anteriormente exercida pela vítima e da incapacidade desta para o labor. Igualmente, quanto aos danos emergentes, alega não existir comprovação. Pretende a revogação da condenação nesses pontos e, subsidiariamente, a minoração das indenizações arbitradas. Almeja, por fim, a concessão da justiça gratuita (ev. 131 - PG).

Os apelos são tempestivos, o autor é beneficiário da gratuidade da justiça e a ré pleiteou a concessão da benesse no recurso.

Todos apresentaram contrarrazões (evs. 141, 142 e 143 - PG).

Determinei a intimação da ré apelante para comprovar a alegada insuficiência financeira (ev. 10) e ela juntou documentos (ev. 14).

Este é o relatório.

VOTO

Como há pontos de inconformismo comuns e outros impugnados por apenas um dos apelantes, procedo ao julgamento conjunto dos apelos, por tópicos.

1. O benefício da justiça gratuita deve ser deferido à ré recorrente, ante a comprovação (ev. 14) de que ela trabalha como balconista, auferindo pouco mais de um salário mínimo (out8); tem apenas um imóvel registrado em seu nome, alienado fiduciariamente em favor da Caixa Econômica Federal (out2); não declara Imposto de Renda (out4); não possui cartão de crédito e não movimenta grandes quantias em suas contas contas bancárias (extr6 e out7).

Nada obstante, o deferimento do pedido é com efeitos ex nunc, porque só formulado neste grau de jurisdição.

2. Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.

3. O autor insiste na legitimidade passiva da ré Nancy Maria de Souza Ribeiro, defendendo que é falso o contrato de compra e venda por ela apresentado para comprovar que o veículo envolvido no sinistro não mais lhe pertencia. Assinala que o documento não contém reconhecimento de firma e foi "amassado com claro intuito de buscar 'envelhecer'"; o comprovante de transferência do automóvel é posterior ao acidente; e o dito adquirente, companheiro da primeira ré, que é filha da segunda, disse em juízo que a aquisição ocorreu cerca de 4 meses antes e não foi formalizada, sem saber apontar qual o valor pactuado ou a forma de pagamento.

No particular, o juízo de origem decidiu:

O contrato das páginas 143 e 144 indica que em junho de 2013 o veículo conduzido pela ré Carla foi vendido pela também ré Nancy para Rafael Nunes Braga. No que diz respeito ao conteúdo daquele documento, não há impugnação específica da parte autora.

As testemunhas Marcelo Pereira e Rafael Nunes Braga, compromissadas, apontam para a realidade do negócio havido no mencionado pacto escrito.

"Registro em cartório ou reconhecimento de firma" nem ao longe são requisitos essenciais para a transferência da propriedade mobiliária, bastando a tradição, não sendo diferente em se tratando de veículo automotor, cuja transferência junto ao registro mantido pelo órgão de trânsito competente não é conditio sine qua para a modificação do domínio.

Havendo, assim, prova suficiente da transferência da propriedade do automotor anteriormente ao sinistro noticiado, de se reconhecer a ilegitimidade passiva suscitada por Nancy Maria de Souza Ribeiro (ev. 95, sent142, p. 2 - PG) [sublinhei].

De fato, sabe-se que, quando se trata de veículo, a transferência da propriedade dá-se por meio da tradição (art. 1.226 do Código Civil) e, nos termos da Súmula 132 do STJ, "a ausência de registro de transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado". O mesmo se pode afirmar sobre o reconhecimento da firma dos contratantes, que afinal só é obrigatório para o registro da compra e venda perante o Detran, a fim de que seja transmitida a propriedade registral.

E no tocante à tradição, tem-se a fala de duas testemunhas compromissadas, além da confirmação do próprio adquirente do veículo, o terceiro Rafael Nunes Braga, todos ouvidos na audiência realizada em 06/12/2019, pouco mais de 4 anos depois do acidente.

O testigo Aldinei Fernandes Rodrigues afirmou ter conhecimento de que a aquisição do automóvel por Rafael Nunes Braga ocorreu "mais ou menos" 4 ou 5 anos antes daquela data, durante os quais o proprietário levou o bem para conserto ou revisão em sua oficina (ev. 85, vídeo153, a partir de 50s - PG).

No mesmo sentido foi o depoimento de Marcelo Pereira Martins, segundo o qual Rafael adquiriu o Palio "um pouco antes desse acidente" (ev. 85, vídeo155, aos 2m - PG).

Já o comprador, que era companheiro da primeira ré (e portanto genro da segunda) à época do acidente, disse que a aquisição do automóvel havia ocorrido alguns meses antes, por aproximadamente R$ 10.000,00, e que não costuma fazer contrato por escrito, só negócio "de boca", especialmente nesse caso, em que a vendedora era sua sogra (ev. 85 vídeo154, a partir de 1m - PG).

Não há razão para duvidar da contribuição das testemunhas, tampouco do terceiro que adquiriu o bem, até porque ele poderia ser pessoalmente responsabilizado pelos danos causados ao autor na condição de proprietário e, nesse contexto, não vislumbro motivo para que mentisse em juízo.

Outrossim, ainda que o comprador tenha referido que não costuma assinar contrato para a aquisição de automóveis, não há razão plausível para retirar a validade do instrumento juntado aos autos (ev. 29, inf56 - PG). A alegação de falsidade levantada pelo requerente não passa de mera conjectura.

Por isso, comprovada a...

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