Acórdão Nº 0303382-49.2019.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Público, 03-08-2021

Número do processo0303382-49.2019.8.24.0023
Data03 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0303382-49.2019.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU


APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELADO: GENY BETTONI (AUTOR) ADVOGADO: Marcus Vinícius Müller Borges (OAB SC030072) ADVOGADO: Vinícius Marcelo Borges (OAB SC011722) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Cuida-se de apelação cível interposta pelo Estado de Santa Catarina contra sentença proferida em sede de "ação ordinária com pedido de tutela de urgência" movida por Geny Bettoni.
O decisum objurgado julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais "para o fim de desconstituir a decisão final proferida no processo administrativo n. 604785-2017.8 (evento 1/10, p. 41) e, via de consequência, condenar o requerido a prosseguir na análise do pedido de aposentadoria voluntária da parte autora, independentemente do cumprimento dos requisitos jubilatórios anteriormente a 26.3.2015 (ADI n. 4641/SC)".
Em sua insurgência, o apelante argumenta que a autora não é servidora pública, porquanto os serviços notariais e de registro são executados em caráter privado, por delegação do Poder Público. Destaca que a partir da Lei n. 8.935/94 os titulares de cartórios passaram a ser vinculados ao Regime Geral da Previdência Social administrado pelo INSS, inexistindo mais vínculo com o IPREV. Ressalta que o art. 236 da Constituição Federal estabelece que a atividade exercida pelos serventuários da justiça é realizado em caráter privado, não sendo possível incidir sobre estes a regra do art. 40, caput, da CF. Aduz que o Supremo Tribunal Federal definiu no julgamento da ADI n. 2791 que os estados não podem conceder aos auxiliares da justiça, quando da aposentadoria, o mesmo regime concedido aos servidores públicos. Defende não ser possível falar em direito adquirido e muito menos em boa-fé ou segurança jurídica, pois os efeitos da inconstitucionalidade retroagem à data do ato inconstitucional. Sustenta que até 07.12.2015, data da publicação do acórdão da ADI, o apelado não havia preenchido os requisitos para a obtenção da aposentadoria previstos no art. 40 da Carta Magna, inexistindo direito adquirido à aposentação com base no preenchimento dos requisitos em data posterior à decisão da Suprema Corte. Alega inexistir coisa julgada material em relação à decisão proferida no mandado de segurança n. 0687490-60.2004.8.24.0023 por estar eivada de inconstitucionalidade reconhecida pelo STF. Ao final, pugna pelo provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos iniciais.
Em sede de contrarrazões, o apelado pugnou pela manutenção do decisum.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça não identificou na causa interesse público que justificasse a sua intervenção.
Este é o relatório

VOTO


A controvérsia dos autos cinge-se em saber se a autora, oficial maior de serventia extrajudicial, faz jus a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Em suma, o apelante sustenta que a autora por não ser servidora pública efetiva, não estaria vinculada ao Regime Próprio de Previdência Social após a promulgação da EC n. 20/98.
Pois bem.
De imediato, afirma-se que não foram apresentadas razões hábeis a combater a bem lançada sentença.
Como fundamento de seu recurso o Estado traz o disposto no art. 40 da Constituição Federal, com redação dada já pela Emenda Constitucional n. 20/98:
Art. 40 Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
Segundo alega o recorrente, o referido dispositivo, ao limitar o regime próprio de previdência aos titulares de "cargos efetivos", acabou por tornar incompatível com a CF a previsão do art. 51 da Lei n. 8.935, editada em 1994, e que está assim redigido:
Art. 51. Aos atuais notários e oficiais de registro, quando da aposentadoria, fica assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão.
De registrar que embora o art. 40 da CF tenha sido novamente alterado pela Emenda Constituição n. 40/2003, não houve mudança em seu conteúdo no que importa ao deslinde do feito. De todo modo, no entender da parte apelante, como a autora é particular exercente de função pública delegada (art. 236, CF), não haveria direito à aposentação pelo regime próprio. E não bastasse, não haveria direito adquirido ao regime jurídico que o servidor estava filiado, o que entende também impedir a procedência do pedido.
De fato, o Supremo Tribunal Federal já declarou que a vinculação dos notários e registradores deve se dar ao regime geral de previdência, não havendo divergências quanto ao alcance dos arts. 40 e 236 da CF. A sentença inclusive chancela esse entendimento.
Ocorre que no Estado de Santa Catarina, especificamente, os serventuários continuaram a recolher suas contribuições ao IPESC, tendo até mesmo sido editada a Lei Complementar Estadual n. 412/08 que, alterando a redação do Regime Próprio de Previdência Social estadual, confirmou a possibilidade de os notários e registradores manterem sua filiação junto ao Estado. In verbis:
Art. 95. Ficam assegurados os benefícios previdenciários previstos no art. 59 aos juízes de paz investidos no cargo até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e aos cartorários extrajudiciais, nas funções de notários, registradores, oficiais maiores e escreventes juramentados, investidos no cargo até a entrada em vigor da Lei federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, ressalvada a hipótese do art. 48, caput, da referida Lei.
Referida legislação foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o STF, que reconheceu a incompatibilidade do texto com a Constituição Federal. Entretanto, ao modular os efeitos da decisão no julgamento dos embargos declaratórios, aquela Corte assegurou que ficam preservados "o direito adquirido dos segurados e dependentes que, até a data de publicação da ata do presente julgamento, já recebiam benefícios ou já cumpriam os requisitos para a sua obtenção no regime próprio de previdência estadual". (ADI nº 4641, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. em 11.3.2015)
Feitas estas considerações, dessume-se dos autos que a autora Geny Bettoni foi nomeada em 16.07.1990, por meio do Ato n. 522, pelo Governador do Estado de Santa Catarina, para exercer o cargo de Oficial Maior do Ofício do Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Porto União.
Por meio do mandado de segurança n. 0687490-60.2004.8.24.0023 (Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2006.017678-5, da Capital, rel. Des. Vanderlei Romer, Primeira Câmara de Direito Público, j. 19.07.2006), com decisão unipessoal do relator transitada em julgado em 04.08.2006, foi assegurada à apelada o direito de permanecer vinculada ao IPESC (atual IPREV/SC).
Portanto, considerando-se que a autora está vinculada às normas de previdência estadual por força de decisão judicial transitada em julgado, bem como ingressou no cargo de oficial maior antes mesmo da vigência da Lei n. 8.935/1994, é evidente o seu direito à inativação perante o RPPS, desde que preenchidos os requisitos aposentatórios.
Ressalte-se, não se desconhece a declaração de inconstitucionalidade do art. 95 da LCE n. 412/2008 pela Suprema Corte (ADI n. 4.641), a qual apenas garantiu "o direito adquirido dos segurados e dependentes que, até a data da publicação da ata do presente julgamento, já estivessem recebendo benefícios previdenciários juntos ao regime próprio paranaense ou já houvessem cumprido os requisitos necessários para obtê-los." (ADI 4641 ED, Relator(a): Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. em 19.08.2015, DJe em 09.09.2015).
Entretanto, o direito da autora de permanecer vinculada ao Regime Próprio de Previdência Social e consequentemente de usufruir benefícios previdenciários, desde que preenchidos os requisitos legais, encontram-se protegidos sob o manto da coisa julgada, sendo, portanto, imutável.
Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte já enfrentou a questão, existindo alguns precedentes, dentre eles o Mandado de Segurança n. 5000635-86.2019.8.24.0000, da relatoria do Exmo. Sr. Des. Carlos Adilson Silva, j. 24-2-2021, assim ementado:
MANDADO DE SEGURANÇA. OFICIALA MAIOR DO 1º TABELIONATO DE NOTAS DA COMARCA DE JOAÇABA. PRETENDIDA INATIVAÇÃO NEGADA NA VIA ADMINISTRATIVA, POR FALTA DE IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS ATÉ A DATA DA PUBLICAÇÃO DA ATA DE JULGAMENTO DA ADI 4.641/STF. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. SERVENTUÁRIA NOMEADA NO ANO DE 1985,...

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