Acórdão Nº 0303475-61.2019.8.24.0039 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 27-02-2020

Número do processo0303475-61.2019.8.24.0039
Data27 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemLages
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0303475-61.2019.8.24.0039, de Lages

Relator: Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira

NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO, RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.

APELO DO BANCO DEMANDADO.

DESCONTOS, EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, CONCERNENTES À RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) PARA PAGAMENTO MÍNIMO DE FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO CONTRATADO, TAMPOUCO UTILIZADO. PRÁTICA ABUSIVA. VIOLAÇÃO DAS NORMAS DO CDC. NULIDADE DA CONTRATAÇÃO RECONHECIDA NA SENTENÇA.

Nos termos do CDC, aplicável ao caso por força da Súmula n. 297 do STJ, é direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços que adquire (art. 6º, inciso III).

À vista disso, a nulidade da contratação se justifica quando não comprovado que o consumidor - hipossuficiente técnicamente perante as instituições financeiras - recebeu efetivamente os esclarecimentos e informações acerca do pacto, especialmente que contratava um cartão de crédito, cujo pagamento seria descontado em seu benefício mediante a reserva de margem consignável, com encargos financeiros de outra linha de crédito, que não a de simples empréstimo pessoal, com taxas sabidamente mais onerosas.

Vale dizer, ao violar o dever de informação e fornecer ao consumidor modalidade contratual diversa e mais onerosa do que a pretendida, o banco demando invalidou o negócio jurídico entabulado, na medida em que maculou a manifestação de vontade do contratante.

CDC. PRÁTICA ABUSIVA. ATO ILÍCITO EVIDENCIADO. ABALO MORAL PRESUMIDO NA HIPÓTESE. PRECEDENTES DESTA CORTE.

Reconhecida a prática abusiva perpetrada pela instituição financeira, o nexo e a lesão, dispensa-se a produção de prova do abalo moral sofrido.

QUANTUM. OBSERVÂNCIA DAS FUNÇÕES DA PAGA PECUNIÁRIA. MINORAÇÃO.

O quantum indenizatório deve ser fixado levando-se em conta os critérios da razoabilidade, bom senso e proporcionalidade, a fim de atender seu caráter punitivo e proporcionar a satisfação correspondente ao prejuízo experimentado pela vítima sem, no entanto, causar-lhe enriquecimento, nem estimular o causador do dano a continuar a praticá-lo.

RECLAMO EM PARTE PROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0303475-61.2019.8.24.0039, da comarca de Lages 3ª Vara Cível em que é Apelante Banco Bmg S/A e Apelado Izolete Antunes.

A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo do demandado para minorar o quantum fixado a título de danos morais para R$2.000,00 (dois mil reais). Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Tulio Pinheiro, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Jaime Machado Junior.

Florianópolis, 27 de fevereiro de 2020.




Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira

Relator





RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo demandado, Banco BMG S.A., contra sentença de lavra do Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da comarca de Lages (Dr. Francisco Carlos Mambrini), proferida nos autos da ação declaratória de nulidade de contrato, repetição de indébito e indenização por danos morais (cartão de crédito com reserva de margem consignável), proposta por Izolete Antunes, a qual julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial nos seguintes termos:

(a) determino a adequação do contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo consignado, no valor obtido pela autora através do saque, tendo por base os encargos definidos pelo Banco Central para tal modalidade de empréstimo, na data da contratação, com o consequente cancelamento do cartão de crédito contratado e a devida compensação, na forma simples, dos valores descontados indevidamente a título de RMC, o que deverá ser apurado através de liquidação de sentença;

(b) confirmo a suspensão dos descontos até trânsito em julgado da decisão na liquidação de sentença;

(c) condeno o réu a pagar a autora, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescida de juros de mora na base 1% ao mês a contar da citação (relação contratual) e de correção monetária pelo INPC a partir da presente decisão (Súmula 362 do STJ);

O banco-apelante defende, em síntese, que a parte autora tinha plena ciência de que o contrato firmado entre as partes se tratava da modalidade de cartão de crédito consignado com descontos em seu benefício previdenciário, referente à reserva de margem consignável (RMC), em razão do que defende a validade e legalidade do contrato discutido, bem como dos descontos.

Por fim, sustenta o descabimento da repetição de indébito e a inexistência de abalo moral indenizável ou, se assim não for entendido, a redução do quantum.

Pautou-se pelo provimento do recurso.

Contrarrazões às fls. 291/310.

Este é o relatório.


VOTO

I. Tempus regit actum

A sentença foi publicada em 23.10.2019 (fl. 171).

Portanto, à lide aplica-se o CPC/15, na forma do enunciado administrativo nº 3: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".


II. Admissibilidade

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.


III. Breve síntese da demanda

Trata-se de ação ação declaratória de nulidade de contrato, repetição de indébito e indenização por danos morais (cartão de crédito com descontos referentes à reserva de margem consignável), ajuizada por Izolete Antunes em face de Banco BMG S.A..

Colhe-se da inicial que a autora, beneficiária do INSS (pensão por morte), pactuou diversos contratos de empréstimos pessoais consignados, cujos pagamentos seriam descontados, mês a mês, diretamente do seu benefício previdenciário.

Após uma das contratações, foi surpreendida com um desconto diferenciado em seu benefício previdenciário, denominado "Reserva de Margem para Cartão de Crédito", o qual ensejou um abatimento mensal no percentual de 5% sobre o valor recebido – R$111,65 (fl. 20).

Assim, tendo em vista que tal modalidade contratual (empréstimo consignado via cartão de crédito) jamais foi solicitada ou contratada pela autora, ajuizou a presente demanda pela qual pleiteou a declaração de inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC); a restituição em dobro dos descontos realizados mensalmente a título de RMC e a condenação do banco demandado ao pagamento de indenização por danos morais.

O feito se desenvolveu regularmente e sobreveio sentença de parcial procedência dos pedidos iniciais, contra a qual demandado interpôs recurso de apelação.


IV. Apelo do demandado

(a) contratação

O demandado-apelante alega, em síntese, que a parte autora tinha plena ciência de que o contrato firmado entre as partes se tratava da modalidade de cartão de crédito consignado com descontos em seu benefício previdenciário, referente à reserva de margem consignável (RMC), em razão do que defende a validade e legalidade do contrato discutido, bem como dos descontos.

Pois bem. A discussão versada nos autos resume-se à contratação, ou não, de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, no qual se permite a concessão de valores mediante reserva de margem consignável em benefício previdenciário.

A matéria não é nova nesta Corte de Justiça e, dentre os inúmeros julgados, foi muito bem delimitada pelo Des. Robson Luz Varella por ocasião do julgamento, na Segunda Câmara de Direito Comercial, da Apelação Cível nº 0002355-14.2011.8.24.0079, de Videira, em 17.04.2018, de cujo teor colhe-se:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado[...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha).

Ressalte-se que a prática abusiva e ilegal difundiu-se, tendo atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas que foram ajuizadas diversas ações, inclusive visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados, a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto via "RMC".

O "modus operandi" utilizado pelas instituições financeiras foi assim descrito pelo Núcleo de Defesa do Consumidor da defensoria Pública do Estado do Maranhão, na ação civil pública ajuizada pelo órgão na defesa dos interesses dos "aposentados e pensionistas do INSS":

O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a...

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