Acórdão Nº 0303730-13.2014.8.24.0033 do Quarta Câmara de Direito Civil, 12-11-2020

Número do processo0303730-13.2014.8.24.0033
Data12 Novembro 2020
Tribunal de OrigemItajaí
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0303730-13.2014.8.24.0033

Relator: Desembargador José Agenor de Aragão

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

IRRESIGNAÇÃO DO DEMANDANTE.

AVENTADA A EXISTÊNCIA DE VÍCIO REDIBITÓRIO. AUTOMÓVEL QUE, NA DATA DA AQUISIÇÃO, JÁ CONTAVA COM MAIS DE 10 ANOS DE USO. DANOS DECORRENTES DO DESGASTE NATURAL DO VEÍCULO. PREEXISTÊNCIA DO VÍCIO NÃO COMPROVADA. PLEITO DE RESCISÃO DO CONTRATO E INDENIZAÇÃO PELOS DANOS AFASTADO. DECISÃO MANTIDA.

"Para haver vício redibitório, vários pressupostos são reclamados, o que se extraem dos dispositivos que tratam da matéria, os quais coincidem com a versão do Código anterior: a) que o vício da coisa seja oculto. [...] b) que o vício torne a coisa imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminua de valor. [...] c) há de ser o vício anterior à tradição, ou, no mínimo, é necessário que exista no momento da tradição. Após o requerente receber a coisa, esta já se encontra em seu poder, e responsabiliza-se ele pelo que vier a ocorrer. [...]" (RIZZARDO, Arnaldo. in Contratos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 160/2).

PLEITO DE AFASTAMENTO DA MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO ACOLHIMENTO. APELANTE QUE AGIU NA TENTATIVA DE ALTERAR A VERDADE DOS FATOS. DOLO CONFIGURADO.EXEGESE DO ART. 80, II, DO CPC/2015

HONORÁRIOS RECURSAIS. FIXAÇÃO DEVIDA EM FAVOR DA REQUERIDA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0303730-13.2014.8.24.0033, da comarca de Itajaí 2ª Vara Cível em que é Apelante Rhauny Caires Gomes e Apelado Sergio Luciano Pereira - ME.

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Fixar honorários recursais na proporção de 3% (três por cento) sobre o valor da causa atualizado, nos termos do artigo 85, §§ 1º e 11, do Código de Processo Civil. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Selso de Oliveira e o Exmo. Sr. Des. Luiz Felipe Schuch.

Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Des. Hélio David Vieira Figueira dos Santos.

Florianópolis, 12 de novembro de 2020.

Desembargador José Agenor de Aragão

Relator


RELATÓRIO

Em atenção aos princípios da economia e da celeridade processual, adoto o relatório da decisão lançada às fls. 226-229, por retratar com fidedignidade a tramitação:

Cuida-se de ação ajuizada por Rhauny Caires Gomes em face de Sergio Luciano Pereira, dizendo que adquiriu um veículo usado que apresentou problemas mecânicos nos dias seguintes à compra, sendo levado várias vezes à oficina mecânica.

Acrescentou que os problemas ainda não foram solucionados e requereu a rescisão do contrato de compra e venda, o ressarcimento de despesas com transporte (R$ 996,82), locação de veículo reserva (R$ 1.610,00) e despesas em oficina (R$ 12.139,75), bem como indenização por danos morais.

A tutela de urgência foi indeferida.

Citada, a parte ré contestou suscitando a decadência e a ausência de pedido. Quanto ao mérito, afirmou ter resolvido os problemas mecânicos que lhe foram relatados após a venda, não podendo ser responsabilizada por outros problemas inerentes a um veículo usado, rechaçando os danos morais e materiais.

Houve réplica.

Após a audiência de instrução e julgamento, as partes apresentaram alegações finais.

É o relatório.

Sentenciando, o Togado de primeiro grau julgou a lide nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO, julgo improcedentes os pedidos.

Condeno a parte demandante ao pagamento das custas e dos honorários, estes arbitrados em R$ 15% do valor atualizado da causa.

Por ter a parte autora produzido declaração com afirmações falsas, falsidade que foi reconhecida pelo mecânico que a subscreveu, o condeno ao pagamento de 1% do valor atualizado da causa a título de litigância de má-fé.

Interposta apelação, certifique-se a tempestividade, intime-se a parte recorrida para contrarrazoar e encaminhem-se os autos ao Tribunal de Justiça.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.

Inconformado, o requerente interpôs recurso de apelação (fls. 233-238), oportunidade em que repisou os mesmos fatos e fundamentos jurídicos expendidos na exordial referente à existência de vício oculto no automotor e à ciência da ré sobre a existência do problema no motor do veículo adquirido, pugnando, ao final, pela reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos exordiais, revogando a condenação ao pagamento de multa por litigância de má- fé e honorários sucumbenciais, bem como condenando a parte ré ao pagamento de Indenização por Danos Materiais e Morais.

Contrarrazões às fls. 244-251

Os autos, então, vieram-me conclusos.

Este é o relatório.


VOTO

Ab initio, sobreleva consignar que a sentença objurgada foi prolatada no dia 26-2-2018 (fl. 229) e publicada em 13-3-2018 (fl. 230), ou seja, sob a vigência do Diploma Processual Civil de 2015, atraindo, portanto, a aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 da Corte da Cidadania à hipótese em análise, in verbis:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

O recurso de apelação interposto é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual defiro o seu processamento.

Trata-se de recurso de apelação enveredado contra a sentença que reconheceu a decadência do direito de reclamar e julgou improcedentes os pedidos exordiais.

Em suas razões recursais, o apelante defende que os vícios no motor do veículo já existiam ao tempo de sua aquisição, alegando, ainda, que a ré tinha plena ciência da preexistência dos problemas apresentados no carro.

Pretende, portanto, a responsabilização da ré pelos vícios redibitórios existentes no veículo do autor, condenando-a, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais.

1. Dos vícios redibitórios

O Código Civil, ao tratar sobre os vícios redibitórios, dispôs em seu artigo 441 que "a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor".

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, ao discorrer sobre o tema, asseveram que:

O vício redibitório consiste no vício oculto que acomete a coisa transferida em contratos comutativos, tornando-a imprópria ao uso a que se destina ou lhe reduzindo o valor. Sendo inerente à essência do produto, o vício é capaz de torná-lo imprestável ao seu fim natural ou reduzir a capacidade do bem por ocasião de sua utilização.

[...]

Em caráter mais abrangente, em nosso ordenamento a disciplina é inserida na teoria geral dos contratos, não se prendendo a nenhum contrato em espécie. Seu campo de incidência são os contratos comutativos, em que há um conhecimento prévio das prestações recíprocas, com relativos equilíbrio entre prestação e contraprestação. A existência do sinalagma, e, portanto, da justiça contratual, requer uma equivalência entre as trocas contratuais. Haverá lesão a esse equilíbrio se o bem recebido por uma das partes for incapaz materialmente de atender às suas finalidades contratuais.

Para além do âmbito do negócio jurídico de compra e venda, em qualquer outro modelo contratual que propicie transmissão de propriedade haverá aplicação da teoria do vício redibitório.

[...]

Como regra geral, constatado o vício, poderá o adquirente rejeitar o bem, restituindo-o ao alienante, gerando a rescisão do contrato - redibitio. Trata-se da principal consequência deste vício, por tal razão nominado como redibitório (Curso de direito civil: direito dos contratos. Vol. 4. 4. ed. Bahia: JusPodivm, 2014. p. 455-457).

Acerca dos requisitos para a caracterização dos vícios redibitórios, explicam os citados juristas:

A exata aferição dos requisitos caracterizadores do vício redibitório demanda a depuração do artigo 441 do Código Civil [...].

a) No regime do Código Civil, o contratante apenas obterá êxito na demonstração do vício redibitório se demonstrada a efetiva incapacitação do objeto adquirido, ou seja, a gravidade do vício. [...]

b) Pela dicção do referido artigo 441 do Código Civil, percebe-se que o vício redibitório invariavelmente se refere a uma "coisa". Vale dizer, toda a teoria dos vícios redibitórios foi edificada para as obrigações de dar coisa certa, em torno de uma garantia para o adquirente de bens móveis e imóveis em seu aspecto qualitativo. [...]

c) Outrossim, nas relações privadas, o vício redibitório será oculto, assim conceituado como aquele efetivamente desconhecido pelo adquirente ao tempo da contratação e que não poderia ser detectado pelo exame por ele efetivado, ou mesmo por uma pessoa de cautela ordinária na direção de seus negócios.

d) O quarto requisito para a instalação do vício redibitório é a sua preexistência. [...] Na hipótese de vício redibitório, remanesce a responsabilidade do alienante, justamente pelo fato de o vício ser preexistente à entrega da posse - apesar de sua constatação ocorrer em momento posterior (op. cit. p. 460-462).

Volvendo ao caso concreto, constata-se que não restou comprovado que os supostos vícios no veículo sub judice preexistiam à compra do bem, ou mesmo que não decorreram do próprio desgaste do carro, haja vista que, na data da alienação do veículo, este já possuía dez anos de uso.

Importante lembrar que a inversão do ônus da prova não significa dizer que a parte autora está desobrigada a produzir provas, muito pelo contrário, uma vez que a ela incumbe demonstrar o fato constitutivo do direito vindicado na medida das suas possibilidades, e, no caso sub exame, partindo da premissa que a contenda se concentra na existência...

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