Acórdão Nº 0303764-64.2014.8.24.0040 do Primeira Câmara de Direito Civil, 17-11-2022

Número do processo0303764-64.2014.8.24.0040
Data17 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0303764-64.2014.8.24.0040/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: LR COMERCIO DE VEICULOS LTDA ADVOGADO: CLAUDIA DA SILVA PRUDENCIO (OAB SC019054) APELADO: CEOMAR PINHEIRO BENTO ADVOGADO: JOÃO BATISTA DEMÉTRIO (OAB SC016094)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por LR COMERCIO DE VEICULOS LTDA, contra sentença prolatada pelo juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Laguna que, nos autos da "Ação de Reparação de Dano Material c/c Indenização por Dano Moral" n. 03037646420148240040, ajuizada por CEOMAR PINHEIRO BENTO, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (evento 100, sent. 109 da origem):

"(...) Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado nos autos da presente ação promovida por Ceomar Pinheiro Bento em face de LR Comércio de Veículo Ltda., para, resolvendo o mérito, condenar o réu ao pagamento de indenização por danos materiais, consistente na diferença do valor existente em razão da desvalorização do veículo na condição de recuperado, valor este que deverá ser apurado em liquidação de sentença, com correção monetária pelo INPC a contar da data do negócio e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês, a contar da citação.

Diante da sucumbência recíproca condeno as partes no pagamento das custas processuais, estas na proporção de 50% para cada, nos termos do art. 90, § 2º, do Código de Processo Civil.

No tocante aos honorários advocatícios fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), forte no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, para ambos os procuradores, cujo pagamento suspendo para o autor em razão de ser beneficiário da justiça gratuita.

Inadmito a compensação de honorários, porquanto a verba não pertence às partes e sim aos seus respectivos procuradores".

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (autos n. 0002551-91.2017.8.24.0040).

Inconformada, a empresa apelante sustentou, em preliminar, que "é parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente demanda, uma vez que o Recorrido pretende o ressarcimento de danos materiais e morais supostamente causados pela compra de um automóvel que foi objeto de sinistro sem que tivesse sido informado no ato da aquisição, entretanto não pode a Recorrente ser responsabilizada se não realizou a venda do veículo, apenas forneceu os meios para que o financiamento fosse realizado".

Acrescentou, ainda, a ocorrência de cerceamento de defesa pela desconsideração do depoimento testemunhal tida como essencial para o deslinde da controvérsia, eis que a respectiva oitiva se deu por carta precatória não juntada aos autos até o momento de prolação da sentença, devendo, por isso, ser cassada a decisão.

No mérito, referiu que "o Recorrido não trouxe aos autos nenhum documento que conecte a empresa Recorrente ao caso em tela, não há nota fiscal, minuta de venda, e-mails trocados com os representantes da empresa, nada que corrobore com suas alegações descritas na petição inicial apresentada, não sendo o contrato de financiamento documento hábil a comprovar suas alegações", até porque realizado tão somente como forma de viabilizar a transação encetada pelo autor com terceiro, pessoa essa cliente da insurgente e que desejava adquirir um automóvel zero quilômetro, sendo a entrega do veículo objeto do dissenso rejeitada como forma de pagamento, justamente por constar registro de sinistro em seu desfavor.

Assim, destacou que as provas testemunhais corroboram a versão defensiva apresentada, nada havendo capaz de derruir-lhe a credibilidade, razão pela qual não poderia ser responsabilizada pelo dano material que o apelado alegou ter experimentado, devendo ser julgada integralmente improcedente a pretensão, redistribuindo-se os ônus sucumbenciais, termos em que bradou pelo provimento do recurso (evento 114, apel. 142, E1).

Com as contrarrazões (evento 118), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele se conhece.

No caso sub examine, a apelante arguiu a nulidade do julgado em razão de a sentença ter sido proferida antes da juntada aos autos da carta precatória cumprida, para oitiva de testemunha por si arrolada, o que, conforme aludiu, implicaria na necessidade de cassação do decisum, porquanto desconsideradas declarações indispensáveis ao perfeito deslinde da controvérsia.

Não obstante, em que pese a argumentação tecida pela insurgente, deixa-se de adentrar na discussão, porquanto o mérito do presente apelo aproveita a recorrente, consoante adiante se verá, o que, a sua vez, desobriga a análise da prefacial pela primazia do mérito, conforme estatuído no art. 282, § 2º, do Código de Processo Civil.

A propósito, assim vazado:

Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados.

(...)

§ 2º Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.

Cumpre mencionar que "o exame das preliminares pelo julgador, em sentido amplo, a incluir as prejudiciais de mérito, é dispensável quando se puder decidir o mérito em favor da parte a quem aproveitaria o acolhimento daquelas, à luz dos arts. 282, § 2º, e 488 do Código de Processo Civil de 2015, em homenagem ao princípio da primazia do julgamento do mérito, de forma integral, justa e efetiva" (TJSC, Apelação Cível n. 0302214-17.2016.8.24.0023, da Capital, rel. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 30-01-2018).

A adoção desse tipo de posicionamento encontra amparo legal no art. 488 do CPC, o qual estabelece que, "desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485".

Assim, conforme será melhor explanado nos fundamentos da presente decisão, o pleito exordial não merece ser acolhido, de modo que se afigura desnecessário o exame da preliminar aventada, em observância ao princípio da primazia do julgamento de mérito.

Aliás, sobre o tema, já decidiu esta Corte de Justiça, com as adequações necessárias:

1) APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA E CONDENATÓRIA. NULIDADE DE CONTRATO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROCEDÊNCIA À ORIGEM. RECURSO DO AUTOR E DO RÉU. RECURSO DO RÉU. PREJUDICIAL E PRELIMINAR AO MÉRITO. PRESCRIÇÃO E CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO DA APELAÇÃO QUE LHE APROVEITA. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO MÉRITO E DA CELERIDADE PROCESSUAL. ART. E 488 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ANÁLISE DISPENSADA.

"O exame das preliminares pelo julgador, em sentido amplo, a incluir as prejudiciais de mérito, é dispensável quando se puder decidir o mérito em favor da parte a quem aproveitaria o acolhimento daquelas, à luz dos arts. 282, § 2º, e 488 do Código de Processo Civil de 2015, em homenagem ao princípio da primazia do julgamento do mérito, de forma integral, justa e efetiva." (TJSC, AC n. 0302245-18.2017.8.24.0018, de Chapecó, Rel. Des. Henry Petry Júnior, j. 28-11-2017). (...) (TJSC, Apelação Cível n. 0302559-15.2017.8.24.0001, de Abelardo Luz, rel. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 18-02-2020).

2) APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL. VEÍCULO SINISTRADO. DECADÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. ADMISSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA AVENTADA EM CONTRARRAZÕES. QUESTÃO DECIDIDA EM SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE SUA DEVOLUÇÃO AO JUDICIÁRIO SEM RECURSO PRÓPRIO. VIA INADEQUADA. NÃO CONHECIMENTO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO DECIDIDO A FAVOR DE QUEM APROVEITA A NULIDADE. ART. 282, § 2º, DO CPC/2015. (...) (TJSC, Apelação Cível n. 0012126-10.2012.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 02-07-2019).

Ainda, em relação à preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, confunde-se com o mérito e, portanto, junto desse será apreciada.

Feito tal escorço, convém registrar que o dissenso instaurado no caso em testilha diz respeito a compra de um veículo avariado, pelo autor, sem o prévio conhecimento de tal situação, atribuindo ele a responsabilidade pelos pretensos danos experimentados à revenda de automóveis demandada, ora apelante, porquanto desvalorizado o bem, fator não considerado quando da respectiva comercialização.

Neste compasso, conquanto o consumidor tenha apresentado documento relativo à consulta de veículo na base de dados da "Redecreauto" (evento 01, inf. 13, E1), sem qualquer referência capaz de ligá-lo aos dados cadastrais constantes da Consulta Consolidada junto ao Detran-SC, relativa ao automóvel Kia Sportage LX 2.0, de sua propriedade (evento 01, inf. 12, E1), constata-se da instrução processual que ambos os contendores reconhecem tratar-se do mesmo bem, adquirido pelo postulante em 29/10/2013, ou seja, posteriormente à informação de sinistro mencionada naquele primeiro inserto, com referência a 07/07/2011.

Malgrado isso, em que pese a inexistência de dissenso acerca do prévio envolvimento do veículo em um sinistro, isso, por si só, não constitui fundamento o bastante para que à recorrida seja imputado o dever de indenizar, o que viabiliza a reforma do decisum combatido, para que a pretensão ressarcitória em seu...

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